Fala-se muito na criança, na sua defesa, seu estatuto, psicologia infantil e muito mais, sem contar a fabulosa identificação com a informática que os torna nativos e eu um eterno migrante.
As que parecem nascer nas ruas, estas, não são vistas como crianças nem mesmo são vistas.
Comprar pão é uma tarefa diária,ou quase, lá estou na padaria que mais parece um botequim dentro de um super mercado, infalivelmente sou desfalcado nos pães por alguns conhecidos pivetes ou pedintes da redondeza, muitas vezes dou, outras não. A desigualdade social e a explicita proteção para uma pequena parcela da população, torna claro os limites da grande maioria do povo, forçando a todos a limitarem cada vez mais seu espaço físico e seu horário para circulação nos centros das grandes cidades, aos poucos vamos deixando de circular neste ou naquele lugar, nesta ou naquela hora. E durante a luz do dia convivemos com a banalização da vida. Estes miseráveis seres, na sua maioria afrodescendentes não mais me comove, a miséria, fome ou doença dessa gente acaba sendo ignoradas sem percebermos. Hoje, quando passei a caminho do mercado lá estavam três crianças fumando craque, acredito que entre sete e dez anos, notei que entre eles havia algumas latas, conhecidas como lata de leite em pó, é muito comum cheirarem cola nestas latas, como disse, isso não me toca mais e segui meu caminho. Na volta parei do outro lada da rua e fiquei a observa-los, brincavam caminhando apressados, um tentando derrubar o outro, se equilibravam encima das latas, seguros num fio elétrico que passava entre o dedão dos pés, subia até a cintura e prendia uma lata na outra. A disputa certamente era quem chegaria primeiro, estavam desinibidos e alegres. Diferentes do normal, caras de coitados pedindo moedas, pão ou cigarro ou então com caras ameaçadoras contra suas vitimas, só ai percebi porque fumavam com as latas no ombro, por instante me lembrei que também naquela idade brinquei encima daquelas latas, tal como eles faziam. Sabemos que dificilmente conseguiram chegar aos quinze anos, terão futuros trágicos, piores só mesmo aqueles que ouvem os pais falarem. -Sabem com quem esta falando? Certamente falaram. -Sabem de quem eu sou filho? Estes sim, são verdadeiros marginais. A meu ver, nada mudou diante da inocência de uma criança, seja ela drogada, pobre ou rica, em certos momentos são só crianças. O tempo não apaga certas particularidades, como o prazer de uma brincadeira. Naquele instante eram só crianças brincando num mundo magico, faziam o maior barulho com as latas e gritos (os gritos fazem parte da educação que não tiveram) entre o povo assustado na calçada. Chegaram quase juntos, romperam a fita de chegada e jogaram as latas de leite para os lados. Como premio do primeiro, segundo e terceiro lugar , estava dentro de um tonel de lixo de um restaurante, enchiam as mãos e comiam o que tinha pela frente. Por poucos segundos, os vi como crianças.
Texto e desenho de Jader Resende Artigos relacionador.
3 comentários:
Muito bom esse texto Jader, marcante, gostei muito. Seria maravilhoso se só fosse ficção, mas é triste e deprimente nossa realidade. Também me incomoda o fato de como ficamos indiferentes com essas coisas com o tempo, dá vontade de desaparecer do mundo um tempo, para tentar buscar nossa humanidade de novo em algum lugar dormente no inconsciente.
Muy buen trabajo!!!
Gostei muito do texto. Abraços e Obrigada pela visita :-)
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