domingo, 26 de agosto de 2012

'Outros 500 - Uma Conversa Sobre A Alma Brasileira'

buscado no Koyaanisgatsi


Lucy Dias e Roberto Gambini

“O ataque à natureza e a posse da mulher índia pelo branco, de cujo casamento resulta a protocélula do povo brasileiro, são sinais do nosso batismo, que resultará na criação de um híbrido que nunca saberá quem é porque nem pai nem mãe lhe servirão de espelho ou modelo de identidade. Um menino brasileiro, filho de pai português e mãe tupinambá, não tinha lugar na corte quinhentista, era um pária, um fruto do acaso. Também não pertencia ao mundo da mãe. Ele não tem saída. Vai ficar no vazio, à espera de que algo seja construído... não sabe que direção seguir. O que é um ‘bandeirante’? É um homem com uma tropa atrás e uma obsessão na frente. Que modelos são esses? Não é o modelo do quaker americano, marido, mulher e uma enxada. Não houve síntese, porque há uma negação. Havia uma recusa, por parte do elemento dominante, de incluir a identidade dos dominados. Os filhos da terra são maltratados e desprezados. Nós precisamos de símbolos de comunhão, de síntese, de junção das partes. O outro, de classe inferior, as crianças abandonadas... Nos tornamos bárbaros com o passar dos séculos, até chegar onde chegamos. As diferenças sociais ...se confundem com diferenças físicas, naturais e corpóreas. Quando pensamos em "nós, os brasileiros", temos consciência de que somos um povo multirracial… mas na hora em que alguém, de fato, tem que pensar o que é o brasileiro, não pensa no negro. É um pouco assim: ' eu sou feito de várias partes, porém só me identifico com algumas dessas partes e não com outras' ou 'acho que certas partes não tem o mesmo valor que outras'… Então, aí se oculta uma sabotagem. A sociedade brasileira está amarrada, mas não sintetizada. Não houve amálgama, não houve síntese. Por quê? Porque houve uma negação. Isso cria um ser mal-resolvido. Cria uma tensão interna em nível profundo. Não podemos ser um todo enquanto houver esse tipo de relação entre as partes. O Brasil tem muita energia vital, mas tem uma tristeza enorme. A tristeza daquele que não vê o seu valor reconhecido, daquele que sabe que podia ser diferente, que não tinha que ser assim, que arrasta uma coisa que não combina. Isso entristece porque não se consegue mudar, mas a gente sofre. Cada uma das barbaridades que acontecem a cada dia, as barbaridades brasileiras, a mortalidade infantil, a seca, o caos urbano, a violência, a imoralidade e a corrupção. As patologias todas… Há um débito psíquico que, se não for formulado e trabalhado, não permitirá que surja um processo de conscientização da identidade.

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