“Ousar lutar, ousar vencer.”
O lema da Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares) era discretamente mencionado por alguns convidados na posse da presidente Dilma Rousseff. A citação vinha de 14 ex-integrantes da organização de esquerda que aderiu à luta armada na ditadura e que teve Dilma como uma de suas lideranças.
Por Ana Paula Grabois, no Valor Econômico
Os 14, a maioria de Minas Gerais, foram convidados especialmente pela presidente para a cerimônia de posse no Palácio do Planalto e para o coquetel no Itamaraty, junto com as colegas de cela do presídio Tiradentes — onde Dilma ficou presa por quase três anos, em São Paulo, no início dos anos 70, depois de ser torturada.
“Quando nos encontramos, choramos. Uma emoção foi ver a Dilma, nossa companheira, tomando posse. Outra foi o nosso encontro, a nossa história estava muito misturada naquela posse. Fui reconhecendo os antigos companheiros. Nós tínhamos chegado lá. A Dilma não existiria como presidente sem o [ex-presidente Luiz Inácio] Lula [da Silva] e o Lula não seria presidente sem essa luta que também foi parte da história da Dilma”, diz a colega de VAR-Palmares Linda Goulart, assessora desde 2004 do ministro da Educação, Fernando Haddad.
“Dilma reafirma seu compromisso com a sua história, isso eu achei muito forte no discurso do dia 1º. Ela não nega, pelo contrário. Está em outra etapa da vida — e nós todos estamos”, avalia Linda, uma das poucas militantes da VAR-Palmares que não foram presas, nem torturadas. A organização, entre outras ações, executou o famoso roubo ao cofre do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros, em uma mansão no bairro de Santa Teresa, no Rio, em 1969.
Linda conheceu a presidente em 1965 em Belo Horizonte. Dilma já ingressava na Política Operária (Polop), onde era obrigatório passar pelo curso de marxismo. Da época, lembra da presidente como uma pessoa “brilhante”, que ganhava uma discussão pela argumentação, como no congresso do Comando de Libertação Nacional (Colina), em 1968, quando Dilma tinha 20 anos e já tinha o respeito de lideranças mais experientes.
Vitória não só do grupo
O cineasta mineiro Helvécio Ratton militou na luta armada com a presidente. Do encontro na posse, diz que foi tudo muito rápido, em uma sala reservada para a família de Dilma no prédio do Itamaraty. Lá, encontraram a mãe da presidente, Dilma Jane, e a tia, Arilda.
Dias antes, Ratton ouviu do ex-presidente Lula que a vitória de Dilma era a chegada ao poder de uma pessoa de esquerda daquela geração. “Quando ele falou isso, pensei que a Dilma encarna não só esse grupo — mas toda uma geração que teve essa ousadia de lutar naquele momento”, diz. Ratton conheceu Dilma na Faculdade de Economia da UFMG, em Belo Horizonte. Logo depois, estavam juntos da militância política.
Preso no movimento estudantil, foi condenado no mesmo processo que condenou praticamente toda a organização. Clandestino, exilou-se no Chile, onde passou a trabalhar profissionalmente com cinema. Voltou ao Brasil antes da anistia e foi preso. Depois, retomou a vida.
No dia da vitória de Dilma, mandou um e-mail à amiga com o título “Ousar vencer”. “Ela estava vencendo a Presidência, não tomando o poder daquela forma que a esquerda armada pensava, mas chegava como um representante daquela geração”, avalia Ratton, para quem Lula não tinha “visão de esquerda”.
“O Lula é um sindicalista que lutava por melhoria de salário”. Conta que Lula brincava muito com Dilma e com o atual ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, dizendo não ter vivido “essas coisas aí”. “Vocês é que são doidos, eu não”, dizia Lula, segundo o relato de Ratton.
Continuidade
O grupo que estava na posse era formado por pessoas com trajetória semelhante à de Dilma na militância. Começaram na Polop, seguiram para o Colina e, depois, para a VAR-Palmares, uma fusão do Colina com a VPR, a organização armada mais militarizada na época, integrada por militares que se opunham à a ditadura, como Carlos Lamarca.
Alguns integrantes da VAR se veem esporadicamente. Há casos, poucos, de gente que não se via há 40 anos e se reencontrou na posse. “Parece que você retoma o papo de antes, não sei se é pelo mesmo clima de identificação, talvez por termos vivido coisas muito fortes, que marcaram. Um preso, outro torturado, outro exilado, mas todo mundo sabia um do outro”, diz Ratton.
Ao cumprimentar a presidente no Itamaraty, Jorge Durão, o carioca no grupo dos mineiros, falou baixinho no ouvido de Dilma “ousar lutar, ousar vencer”. “Ela repetiu o lema, meu nome completo e falou assim: o que você tem que não tinha da última vez que eu vi? Respondi: cabelos brancos. E foi só isso”, conta.
Durão, hoje diretor da ONG Fase, no Rio, vê o convite de Dilma aos antigos companheiros como a maneira de afirmar uma continuidade de sua trajetória política. “Ela quis mostrar que lutando contra a ditadura numa organização que aderiu à luta armada, ou fazendo parte de um governo democrático, de composição, alguns valores e objetivos são os mesmos, como a luta contra a desigualdade”, diz Durão.
Um dos momentos mais emocionantes para os ex-guerrilheiros foi quando os militares bateram continência para a presidente. “Sou contido, mas tinha momentos na posse em que era impossível não se emocionar. Fiquei muito emocionado quando a Dilma chegou ao Planalto e tinha duas fileiras de soldados ou oficiais da Aeronáutica prestando continência”, relata Durão, preso e torturado na ditadura.
A cena foi marcante para todos os ex-gerrilheiros presentes, muitos deles torturados e que tiveram amigos mortos no regime militar. “Quando a gente viu a Dilma passando em revista da tropa, eles todos batendo continência para ela, alguém comentou: e pensar que ela já passou pelo corredor polonês”, conta Linda Goulart.
“Imaginei o significado daquilo para ela e também para os militares, porque um mês antes a turma que se formou na Agulhas Negras [academia de formação do Exército] escolheu Garrastazu Médici como patrono. De repente, uma de nós está lá e eles têm que fazer continência e ver a carruagem da história passar com a Dilma”, afirma Lenira Machado, companheira de cela de Dilma, convidada com outras 16 ex-presas do Tiradentes.
Socióloga aposentada, Lenira vive hoje em São Paulo. Para a posse, ela e mais um grupo de seis ex-presas que passaram pela mesma cela do Tiradentes se hospedaram na casa de uma amiga, em Brasília. “Era o nosso aparelho”, brinca.
Ética
Lenira conviveu com Dilma durante quase dois anos na “Torre das Donzelas”, como era chamado o presídio feminino que misturava presas políticas e presas comuns. Da época, lembra que fazia companhia à dupla formada por Dilma e pela colega Cida Costa na cozinha da prisão. “Eu não trabalhava na cozinha porque estava muito mal fisicamente depois das torturas. Ficava com elas implicando porque as duas cozinhavam muito mal.”
A rotina na prisão incluía trabalhos manuais, leitura, música e TV. Dilma ficou presa por quase três anos, entre 1970 e 1972. “Chegar no Tiradentes era se livrar do cheiro da dor da tortura”, diz Lenira. Todas as companheiras da cela, no térreo da torre do presídio, eram de organizações políticas e já haviam passado por torturas. Algumas delas, como Dilma, iam e voltavam ao presídio por diversas vezes. “Tinha a grande vantagem de saber que você não ia ser torturada, era um alívio. E tinha as companheiras nos recebendo”, lembra.
Dos amigos de militância política da presidente ouvidos pelo Valor, incluindo dois que pediram para não ser identificados, todos a veem como alguém racional, que planeja e é rígida com seus princípios. Nas relações pessoais, é dona de um bom humor que pouco aparece em sua vida pública e gosta de dar apelidos às pessoas mais próximas.
A maioria aposta que a ex-colega de luta armada pode fazer um governo melhor que o de Lula, diante de sua inflexibilidade em relação a princípios éticos. “A Dilma é uma pessoa extremamente ética — quem sabe pode melhorar a política brasileira”, diz Ratton. “No geral, as pessoas dessa geração com essa trajetória não estão envolvidas em escândalos. É outro estofo — e a Dilma é desse estofo. Tenho a maior admiração pelo Lula, mas tem chance de ser um governo melhor do ponto de vista do que ela pode fazer”, afirma Linda.
Jorge Durão é otimista com o compromisso de erradicar a pobreza, tratado como prioridade pela nova presidente. Vê, no entanto, problemas na economia, seja pelo câmbio valorizado ou pelo risco de desindustrialização de alguns setores. “A Dilma não herdou a mesma conjuntura internacional do Lula”, diz.
Da Redação, com informações do Valor Econômico/ O Vermelho.
Por Ana Paula Grabois, no Valor Econômico
Os 14, a maioria de Minas Gerais, foram convidados especialmente pela presidente para a cerimônia de posse no Palácio do Planalto e para o coquetel no Itamaraty, junto com as colegas de cela do presídio Tiradentes — onde Dilma ficou presa por quase três anos, em São Paulo, no início dos anos 70, depois de ser torturada.
“Quando nos encontramos, choramos. Uma emoção foi ver a Dilma, nossa companheira, tomando posse. Outra foi o nosso encontro, a nossa história estava muito misturada naquela posse. Fui reconhecendo os antigos companheiros. Nós tínhamos chegado lá. A Dilma não existiria como presidente sem o [ex-presidente Luiz Inácio] Lula [da Silva] e o Lula não seria presidente sem essa luta que também foi parte da história da Dilma”, diz a colega de VAR-Palmares Linda Goulart, assessora desde 2004 do ministro da Educação, Fernando Haddad.
“Dilma reafirma seu compromisso com a sua história, isso eu achei muito forte no discurso do dia 1º. Ela não nega, pelo contrário. Está em outra etapa da vida — e nós todos estamos”, avalia Linda, uma das poucas militantes da VAR-Palmares que não foram presas, nem torturadas. A organização, entre outras ações, executou o famoso roubo ao cofre do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros, em uma mansão no bairro de Santa Teresa, no Rio, em 1969.
Linda conheceu a presidente em 1965 em Belo Horizonte. Dilma já ingressava na Política Operária (Polop), onde era obrigatório passar pelo curso de marxismo. Da época, lembra da presidente como uma pessoa “brilhante”, que ganhava uma discussão pela argumentação, como no congresso do Comando de Libertação Nacional (Colina), em 1968, quando Dilma tinha 20 anos e já tinha o respeito de lideranças mais experientes.
Vitória não só do grupo
O cineasta mineiro Helvécio Ratton militou na luta armada com a presidente. Do encontro na posse, diz que foi tudo muito rápido, em uma sala reservada para a família de Dilma no prédio do Itamaraty. Lá, encontraram a mãe da presidente, Dilma Jane, e a tia, Arilda.
Dias antes, Ratton ouviu do ex-presidente Lula que a vitória de Dilma era a chegada ao poder de uma pessoa de esquerda daquela geração. “Quando ele falou isso, pensei que a Dilma encarna não só esse grupo — mas toda uma geração que teve essa ousadia de lutar naquele momento”, diz. Ratton conheceu Dilma na Faculdade de Economia da UFMG, em Belo Horizonte. Logo depois, estavam juntos da militância política.
Preso no movimento estudantil, foi condenado no mesmo processo que condenou praticamente toda a organização. Clandestino, exilou-se no Chile, onde passou a trabalhar profissionalmente com cinema. Voltou ao Brasil antes da anistia e foi preso. Depois, retomou a vida.
No dia da vitória de Dilma, mandou um e-mail à amiga com o título “Ousar vencer”. “Ela estava vencendo a Presidência, não tomando o poder daquela forma que a esquerda armada pensava, mas chegava como um representante daquela geração”, avalia Ratton, para quem Lula não tinha “visão de esquerda”.
“O Lula é um sindicalista que lutava por melhoria de salário”. Conta que Lula brincava muito com Dilma e com o atual ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, dizendo não ter vivido “essas coisas aí”. “Vocês é que são doidos, eu não”, dizia Lula, segundo o relato de Ratton.
Continuidade
O grupo que estava na posse era formado por pessoas com trajetória semelhante à de Dilma na militância. Começaram na Polop, seguiram para o Colina e, depois, para a VAR-Palmares, uma fusão do Colina com a VPR, a organização armada mais militarizada na época, integrada por militares que se opunham à a ditadura, como Carlos Lamarca.
Alguns integrantes da VAR se veem esporadicamente. Há casos, poucos, de gente que não se via há 40 anos e se reencontrou na posse. “Parece que você retoma o papo de antes, não sei se é pelo mesmo clima de identificação, talvez por termos vivido coisas muito fortes, que marcaram. Um preso, outro torturado, outro exilado, mas todo mundo sabia um do outro”, diz Ratton.
Ao cumprimentar a presidente no Itamaraty, Jorge Durão, o carioca no grupo dos mineiros, falou baixinho no ouvido de Dilma “ousar lutar, ousar vencer”. “Ela repetiu o lema, meu nome completo e falou assim: o que você tem que não tinha da última vez que eu vi? Respondi: cabelos brancos. E foi só isso”, conta.
Durão, hoje diretor da ONG Fase, no Rio, vê o convite de Dilma aos antigos companheiros como a maneira de afirmar uma continuidade de sua trajetória política. “Ela quis mostrar que lutando contra a ditadura numa organização que aderiu à luta armada, ou fazendo parte de um governo democrático, de composição, alguns valores e objetivos são os mesmos, como a luta contra a desigualdade”, diz Durão.
Um dos momentos mais emocionantes para os ex-guerrilheiros foi quando os militares bateram continência para a presidente. “Sou contido, mas tinha momentos na posse em que era impossível não se emocionar. Fiquei muito emocionado quando a Dilma chegou ao Planalto e tinha duas fileiras de soldados ou oficiais da Aeronáutica prestando continência”, relata Durão, preso e torturado na ditadura.
A cena foi marcante para todos os ex-gerrilheiros presentes, muitos deles torturados e que tiveram amigos mortos no regime militar. “Quando a gente viu a Dilma passando em revista da tropa, eles todos batendo continência para ela, alguém comentou: e pensar que ela já passou pelo corredor polonês”, conta Linda Goulart.
“Imaginei o significado daquilo para ela e também para os militares, porque um mês antes a turma que se formou na Agulhas Negras [academia de formação do Exército] escolheu Garrastazu Médici como patrono. De repente, uma de nós está lá e eles têm que fazer continência e ver a carruagem da história passar com a Dilma”, afirma Lenira Machado, companheira de cela de Dilma, convidada com outras 16 ex-presas do Tiradentes.
Socióloga aposentada, Lenira vive hoje em São Paulo. Para a posse, ela e mais um grupo de seis ex-presas que passaram pela mesma cela do Tiradentes se hospedaram na casa de uma amiga, em Brasília. “Era o nosso aparelho”, brinca.
Ética
Lenira conviveu com Dilma durante quase dois anos na “Torre das Donzelas”, como era chamado o presídio feminino que misturava presas políticas e presas comuns. Da época, lembra que fazia companhia à dupla formada por Dilma e pela colega Cida Costa na cozinha da prisão. “Eu não trabalhava na cozinha porque estava muito mal fisicamente depois das torturas. Ficava com elas implicando porque as duas cozinhavam muito mal.”
A rotina na prisão incluía trabalhos manuais, leitura, música e TV. Dilma ficou presa por quase três anos, entre 1970 e 1972. “Chegar no Tiradentes era se livrar do cheiro da dor da tortura”, diz Lenira. Todas as companheiras da cela, no térreo da torre do presídio, eram de organizações políticas e já haviam passado por torturas. Algumas delas, como Dilma, iam e voltavam ao presídio por diversas vezes. “Tinha a grande vantagem de saber que você não ia ser torturada, era um alívio. E tinha as companheiras nos recebendo”, lembra.
Dos amigos de militância política da presidente ouvidos pelo Valor, incluindo dois que pediram para não ser identificados, todos a veem como alguém racional, que planeja e é rígida com seus princípios. Nas relações pessoais, é dona de um bom humor que pouco aparece em sua vida pública e gosta de dar apelidos às pessoas mais próximas.
A maioria aposta que a ex-colega de luta armada pode fazer um governo melhor que o de Lula, diante de sua inflexibilidade em relação a princípios éticos. “A Dilma é uma pessoa extremamente ética — quem sabe pode melhorar a política brasileira”, diz Ratton. “No geral, as pessoas dessa geração com essa trajetória não estão envolvidas em escândalos. É outro estofo — e a Dilma é desse estofo. Tenho a maior admiração pelo Lula, mas tem chance de ser um governo melhor do ponto de vista do que ela pode fazer”, afirma Linda.
Jorge Durão é otimista com o compromisso de erradicar a pobreza, tratado como prioridade pela nova presidente. Vê, no entanto, problemas na economia, seja pelo câmbio valorizado ou pelo risco de desindustrialização de alguns setores. “A Dilma não herdou a mesma conjuntura internacional do Lula”, diz.
Da Redação, com informações do Valor Econômico/ O Vermelho.
Puxadinho do Jader:
Emoção e fé num mundo melhor esteve presente em todos os momentos da campanha eleitoral. Aposse foi muito significativa, um filme em preto e branco tomou conta da memória e do clima, não havia lugar para vingança ou raiva, somente carinho e respeito por todos que estavam nas ruas carregando a certeza de caminhar para um mundo mais humano.
Considero armas hoje e naquela época tudo que estava nos corações, bolsos, mãos, dos mais tímidos, dos bastidores, daqueles que levavam para a luta seus problemas e nem podiam compartilhar com os amigos, naquela gente que nos saudavam das janelas, nas casas que abriam as portas para nos esconder, nas canções, na forte resistência minando de todas as formas.
Ainda é muita emoção lembrar daqueles que deram suas vidas e seus sonhos, principalmente os anônimos que nunca serão procurados e nem mesmo seus nomes ou origem serão lembrados.
Um período de muitas histórias e muitos detalhes que nunca serão reconhecidos.
Dilma significa toda a existência de uma geração. De todos que acanhadamente ou anonimamente torciam e apoiavam a luta por liberdade, essa mesma luta que aos poucos toma conta de todos.
Precisamos dar tempo ao tempo, acreditar que teremos uma justiça social coerente com as riquezas do Brasil.
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