domingo, 13 de março de 2011

A Festa de Barretos que Ninguém Vê!


Buscado no O Cachete

Puxadinho

O Touro


Por Jônatas Tiago

Se abrem os portões, o touro penetra a arena e freia ao som intimidante da plateia... Com inocência procura figuras conhecidas. Assustado marcha magnificamente com seu ar valente indomável. Era assim, planejou-se que assim fosse desde o seu nascimento. Foi escolhido para estar ali, desde pequeno com o cuidado de não ser domesticado, foi predestinado para aquele fim - um drama trágico. E ele nada poderia ter feito, não estava ciente de seu cruel destino. Desde que foi acolhido preservaram-lhe o espírito arisco e selvagem como deveria ser na natureza, apenas para ser abatido covardemente, privando-lhe a chance de poder se defender. Agora, em poucos minutos, numa humilhante farra, ele estará entregue ao diabo homem. Forçado, ele é induzido a correr por uma longa marcha furiosa, que demora um pouco mais de tempo do que seria necessário para um homem cansar, mas ela não é um homem, é um touro. Na arena, ele será fustigado para poder fatigar-se, mas ele ainda não está no seu limite da resistência física, e mesmo que estivesse, não seria o suficiente para saciar o clamor de sangue... Cavaleiros entram na arena pelas laterais, armados com lanças para ataques pungentes. Provocam-lhe, e ele arranca na direção, inocente, e o ferem. Ele freia. Os carrascos provocam-lhe de novo, ele sabe o que está ocorrendo - trata-se de vida ou morte, porém não sabe que já é certo seu fim e ele parte em sua investida, porém eles se desviam, ele atinge o pobre cavalo, e é novamente estocado.


Quase uma hora se passou e o sacrifício está à beira do apogeu. Há uma culminante festa e o publico cruel consente com a barbárie. Deleite-se no sangue todo homem iníquio! Ele, o touro massacrado, dava os derradeiros assaltos com duas espadas enfiadas no dorso e com sangue pulando em ocasião numa golfada. Olha sem jeito para o homem e a fraqueza bate as pernas bambas e desesperadas. O homem arrogante desvia-lhe o olhar de seus olhos e no seu rosto o sorriso brilhava; limitou-se a contemplar o borbotão vermelho que escapa das costas, derramando-se pelas pernas escoando até o chão. As gotas pingavam ao balançar moribundo das intermitentes tremedeiras agonizantes de dor. O bruto em forma de homem sem remorso, lança-se a cavalgar em sua direção, nem se incomodou ao introduzir mais uma espada. O touro, em pé ainda, na cobarde luta, tinha sopro ofegante, os músculos contraídos e muita dificuldade para arriscar-se salvar. Ele vai, desvia-se, mas é apunhalado pela quarta vez. Os cavaleiros se retiram, para que entre o mais perverso dos assassinos da folia. Dali também vão com eles outras quatro vítimas, os cavalos feridos, usados de escudo contra a fúria do animal.


Um bruto, transvertido com dourados e vermelhos, aparece destemido, agora, após o touro ser covardemente molestado por quatro espadas no dorso. Este se aproxima desta vez com a ultima dos gládios. O animal, amputados seus últimos sentidos, permanece em pé, mas já desistido. Cede-lhe o sentimento de luta, está pronto a perder, pois seus últimos suspiros se escapam pelos pulmões e este só lhe traga a morte que o espera, o cerca e o sufoca. Mas é um animal, que coitado, é refém da irracionalidade. Se num breve momento poderia desistir, no próximo veste-se de ilusão, e coitado, imagina por um segundo que tem forças suficientes nas pernas, nos músculos para poder impor-se e amedrontar aquele único homem que se pôs de pé diante dele. É apenas um! Pensa sozinho. Hoje fiz muitos correr, se encoraja. O pescoço levanta-se e o olhar se ergue por baixo, mirando seus cornos. O toureiro sabe o momento de o provocar. O homem o atiça, o touro reage e luta pra sobreviver. Mas o homem usa uma manta na qual se esconde, e foge, dançando, sem perder a pose de senhor, apesar de lutar com um animal visivelmente em desvantagem, ele se orgulha de sua covardia. A cena se repete, para todos os apreciadores desumanos e indiferentes da platéia que assiste o massacre nas arquibancadas - vendo e fomentando todo aquela brutalidade injusta.


A perversa brincadeira se delonga, e o tempo e a morte não têm pressa, são todos aliados dos homens naquele instante. O touro está completamente vencido, fraco, cansado, e resta-lhe pouca força, apesar da bravura que mantém majestosamente, como o verdadeiro herói do espetáculo. O covarde, mais uma vez atiça o touro. O animal corre desesperadamente na vontade de usar suas últimas forças para abater o seu demônio... Mas o homem logo joga na sua fronte uma manta vermelha por onde se esconde e perdido senti-lhe atravessar o dorso, seus dentes se rangem, seus olhos saltam e suas pernas se dobram e estremecem, suas entranhas se removem e sua boca se seca, impetuoso se levanta e se põe a enfrentar, e o homem brinca com seu sacrifício a distração. Da ultima fenda no lombo lhe escapa seu derradeiro fluxo de vida. Pupilas dilatam e suas pernas não se sentem em formigamento. Não há mais forças para caminhar, mas o homem o atiça e ele tenta desmanchando-se... Como se perdesse o resto da vida, sente-se lhe arrancar o resto da alma. A espada escorrega de sua posição e penetra fielmente em direção do coração, seu osso quebrado vibra ao passe do metal, e lhe penetra o coração à espada. A este lhe palpita descontroladamente, e desaba em tristeza mesmo na sua agonia fatal certa, e exalta o homem na sua covardia.


O toureiro não lamenta, nem se arrepende, nem há compaixão nos seus olhos, é tudo alegria neste morto - e neles vivos. Não há mais jorro de sangue, por que o intenso sofrimento já os expulsou e só há vida no seu cérebro agora, que se sobrecarrega de dor, dor terminal aturada que lhe informa que ainda está vivo, e que ainda vai sofrer por todo aquele longo período que separa a ferida de morte e a morte ao todo consumada. Os músculos contraem-se de dor, e apertam-se nas lâminas do gládio, e contraem-se. O sangue escorre por dentro do touro, e por fora, na pele e no couro. Os dentes rangidos, agora separados pela língua e pelo ar quente que foge dos pulmões encharcados de sangue, afogados na própria vida. Os dentes apertam-se, há sangue na boca do touro, mas a dor é muito mais intensa do que qualquer outra dor que possa surgir... O Touro cansa, desesperadamente. Uma macabra sinfonia de dores, de todos os tons, agudas e graves. O toureiro orgulhoso tem sangue no rosto, e não é dele, a mancha de sangue se espalha no tecido impecável, e suas mãos acima da sua cabeça numa comemoração, não há ressentimento. No touro, mais uma mancha aparece pelo seu pescoço e esguicha sobre o chão. O mesmo sente as pernas bambas e não se agüenta. As pernas esticadas têm os músculos se contraindo, metais lhe transpassaram o corpo. Os homens deliram no fruto da sua crueldade. O touro desfalece mais uma vez, porém acorda, contam-se nos dedos os segundos que lhe faltam. Sem mais nada a sentir, nem raiva, nem mortificação, nem qualquer sentimento que possa ter uma alma, dor. Em solidão imensurável, num grande brado humano eufórico como trovão ecoante, morre.
Não há nade de belo naquilo. A morte é crua, triste e feia. 
Não se contempla beleza no sucumbir do moribundo.

Buscado no Letra dos Olhos




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