Marco Albertim *
A única líder de que se tem notícia, a propósito d’O Motim das Mulheres, é Ana Rodrigues Braga, a mesma Ana Floriano, esposa de Floriano da Rocha Nogueira. Na mesma empreitada, a seu lado, Maria Filgueira, mulher de um capitão da Guarda Nacional; e Joaquina de Sousa. As três se puseram à frente de trezentas mulheres, invadiram a casa do Juiz de Paz de Mossoró, Rio Grande do Norte, e rasgaram os documentos do sorteio para o recrutamento no Exército e na Armada. Decididas, ocuparam a redação do jornal O Mossoroense, acuando o diretor e rasgando as listas dos sorteios que seriam publicadas. Depois, rasgaram os editais de convocação para o recrutamento militar, nas portas da igreja. Foi em 30 de agosto de 1875.
Conforme resgata a história, o episódio configura-se como uma vertente d’A Revolta do Quebra-Quilos, posto que ocorreu em período e local de resistência à imposição do sistema métrico decimal na medição de pesos e medidas. Isentos para o recrutamento estavam os casados e arrimos de família, feitores e administradores de fazenda, oficiais fabris, marinheiros, grumetes, arrais de barcos de mantimentos, diretores de obras etc, e condutores de porcos e boleeiros
Ora... a Guerra do Paraguai deixara o governo com enormes baixas. Resolve o governo mudar a legislação. A lei anterior era conhecida como lei do não recrutamento. Promulga-se a Lei 2.556, de setembro de 1874. Não mais uma pessoa designada pelo presidente da província faz o recrutamento. A responsabilidade fica com uma Junta Paroquial – juiz de paz, autoridade policial e o pároco. Se antes, solteiros e brancos, pardos alforriados, de qualquer estado civil, com idade de 18 a 35 anos, podiam ser recrutados; com a nova lei, todos estão sujeitos ao recrutamento, de 19 a 30 anos, inclusive os casados. E os recrutas são escolhidos mediante sorteios.
Por outro lado, a mesma lei isenta quem paga a contribuição pecuniária estipulada no respectivo dispositivo. Mantendo a isenção para graduados e estudantes, acompanhantes de substituto idôneo, proprietários, administrador ou feitor de fazenda com mais de dez trabalhadores; e ainda caixeiro de casa comercial com capital acima de dez contos de réis. A elite, vê-se, continua a desfrutar de privilégios.
O recrutamento adquirira fama de castigo, porquanto para os quartéis eram enviados opositores do governo e aprisionados no Quebra-Quilos. Vestia-se o colete de couro cru a quem se recusasse.
A canção popular de então dizia:
Nasci livre, livre sou
Militei com Pedro Ivo
Porém pr’a ser recrutado
Não julgo isto motivo
Nasci livre, livre sou
Militei com Pedro Ivo
Porém pr’a ser recrutado
Não julgo isto motivo
A referência a Pedro Ivo, chefe militar da Revolução Praieira, é elogiosa. Mas aqui se faz referência ao suplício:
Em um colete de couro
Preso no tirão comprido
Marcho a pé p’ra cidade
Como se fora bandido
Preso no tirão comprido
Marcho a pé p’ra cidade
Como se fora bandido
Até os desentendimentos entre trabalhadores rurais e proprietários eram resolvidos com o envio dos primeiros para o recrutamento.
Ana Floriano dera a partida. O diretor d’O Mossoroense, em ofício à Junta Paroquial, diz: “(...) deixo de continuar a publicar no meu periódico a lista de sorteio desta paróquia (...), em consequência de haverem os respectivos autógrafos que se achavam em meu poder, inutilizados por um grupo de senhoras, que ontem pelas nove horas do dia invadiram a minha tipografia.”*
Não houve guerra, mas levantes com duração de poucas horas. A repressão, comparada à de outras revoltas, foi pequena. Não houve condenações, sequer de quem fora preso. Em São Bento, Pernambuco, listas e documentos foram destruídos. Uma proclamação foi espalhada incitando o povo a resistir. A lei permaneceu inalterada, obtendo-se no máximo o adiamento do recrutamento.
* Menção honrosa dos Prêmios Literários da Cidade do Recife, com o livro Um presente para o papa e outros contos. Integra as antologias de contos Recife conta o Natal e Panorâmica do conto em PE.
Buscado no Vermelho
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