Por Juliana Sada
Chega às livrarias uma obra que ajuda a desvendar mais do passado recente brasileiro. Ao traçar o perfil de um combatente da ditadura militar brasileira, o jornalista e historiador João Roberto Laque conta a história daquele período.
Pedro Lobo de Oliveira é o personagem central de Pedro e os Lobos - Os Anos de Chumbo na trajetória de um guerrilheiro urbano. O biógrafo conta que sentia falta de uma obra com linguagem acessível sobre a ditadura militar, e que quando começou a escrever a trajetória do Pedro na luta armada, percebeu que “ela poderia servir como a espinha dorsal deste relato que pretendia”.
Pedro Lobo nasceu na região da Serra do Mar paulista, cresceu no árduo e pobre cotidiano de quem sobrevive da roça. Em 1951, aos dezenove anos, Lobo decide tentar a vida em Mato Grosso, mas ao parar para trabalhar temporariamente em São Paulo, desiste da viagem e se estabelece na cidade.
Trabalha como servente de pedreiro e torneiro mecânico até que, em 55, decide se integrar à Força Pública, a Polícia Militar de então. Foi dentro do quartel, já como sargento, que Pedro Lobo entra em contato com o Partido Comunista. Dentro da instituição, Pedro Lobo torna-se um ativo defensor dos direitos trabalhistas da categoria. Neste período o sargento acaba se filiando ao PCB e se destaca como militante junto aos dirigentes do partido.
Em 63, Lobo integra o “Grupo dos Onze Companheiros” ou “Comandos Nacionalistas”, milícia incentivada por Leonel Brizola, reunida para agir em caso de uma situação revolucionária. Mas quando vem o golpe em 64, a resistência prevista não acontece. Em maio, por meio do Ato Institucional baixado por Castello Branco e sem nenhuma explicação ou possibilidade de recorrer, Pedro Lobo é expulso da Força Pública.
Dois anos depois, Lobo recebe a tarefa de oferecer proteção a Luis Carlos Prestes – então secretário geral do PCB – quando este viesse a São Paulo. Desenvolve essa função por dois anos, mas não demora muito para entrar em atrito com a direção do partido e o próprio Prestes, que pregavam a resistência pacífica à ditadura.
Diante da convicção de que a derrubada do regime passava pelas armas, o militante se envolve no Movimento Nacionalista Revolucionário, dirigido por Brizola desde o exílio no Uruguai. Em 66, o MNR incumbe Lobo de dar proteção a José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo, procurado pela ditadura e líder da insubordinação dos marinheiros, um dos estopins do golpe. Por um tempo, Lobo desenvolve uma dupla militância: no Partidão cuidando de um de seus líderes, e na preparação da luta armada.
Em 67, Pedro Lobo participa da fundação da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), uma das organizações mais destacadas da luta armada nos anos de chumbo. Uma das ações mais conhecidas da VPR foi o assassinato do capitão norte-americano Charles Rodney Chandler, veterano da guerra do Vietnã e suposto agente da CIA, apontado como um dos estrangeiros que vinham ensinar práticas de torturas aos militares brasileiros. O ato foi realizado por apenas três pessoas: Diógenes José, Marquito e Pedro Lobo, que atuou como motorista.
Em janeiro de 69, Lobo participa de outro episódio marcante na história da resistência. A VPR planejava um grande atentando para desestabilizar o governo, entretanto, a ação foi descoberta. Pedro Lobo estava numa chácara em Itapecerica da Serra com o grupo responsável por pintar com as cores do Exército o caminhão que seria usado na ação quando foram encontrados. Lobo foi preso e torturado violentamente.
Após sucessivas quedas, a VPR se desarticula. A organização retoma as atividades em 70, quando seqüestra o embaixador alemão Ehrenfried Von Holleben e, em troca, exige a libertação de 40 presos, entre eles Pedro Lobo. O militante passa por Argélia, Cuba, Chile e Argentina até se fixar na Alemanha Oriental. Voltaria ao Brasil apenas em 79, com a anistia. Para seu biógrafo, “o mais incrível é que, com todo esse passado, depois da anistia Pedro retorna ao Brasil e é reintegrado à Polícia Militar como se nada tivesse acontecido. Hoje, aos oitenta anos, está na reserva com a patente de capitão”.
Da pobreza à carreira na Força Pública; do Partidão à luta armada; da resistência à tortura; do Brasil ao exílio. A história de Lobo coincide, em suas diferentes fases, com a história de tantos outros brasileiros. Por meio das experiências vividas por Lobo, o autor João Laque retoma o contexto político e social da época. A própria militância de Lobo é emblemática para a esquerda: dentro do PCB, conviveu com Luís Carlos Prestes e criticou a postura pacifista do Partido frente ao recrudescimento da ditadura. Apoiou a resistência lançada por Brizola, integrou grupos guerrilheiros e conviveu com expoentes como Marighella e Lamarca. Ao apresentar a trajetória de Lobo, o livro apresenta também a história das distintas organizações armadas durante a ditadura.
Pedro e os Lobos é fruto de sete anos de pesquisa no Memorial da Resistência em São Paulo, antiga sede do Dops (Departamento de Ordem Política e Social). João Laque também viajou pelo Brasil para entrevistar colegas de Lobo e levantar a história da VPR. A maior dificuldade encontrada foi lidar com uma história tão recente: “a cada dia surgem novas informações e versões sobre os acontecimentos. Muitos dos restos mortais dos desaparecidos sequer foram localizados”.
João Laque conta que por “grande parte dos personagens, dos dois lados, ainda estar por aí, contando sua versão da história, é natural que haja divergências, ressentimentos e bloqueios”. O autor entrou em contato com diversas histórias e documentos interessantes, mas ficou intrigado por uma em especial, sobre Onofre Pinto, líder da VPR: “ele desapareceu misteriosamente em 1973, existem duas versões conflitantes sobre sua morte e até indícios de que ele sequer tenha morrido. Pretendo vasculhar este tema muito em breve”.
Pedro e os Lobos – Os Anos de Chumbo na trajetória de um guerrilheiro urbano é uma publicação independente e pode ser adquirido nas livrarias ou pelo site Pedro e os Lobos, no qual é possível ler trechos da obra. Boa leitura!