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Os
 grandes agronegocistas brasileiros estão pressionando o governo e o 
Congresso, a fim de que sejam abolidas as restrições (já de si débeis) à
 aquisição de terras nacionais pelos estrangeiros. Eles querem ganhar, 
ao se associarem aos capitais de fora ou participando da especulação de 
terras.
Mauro Santayana
Há
 cem anos, sobre um vasto território entre o Paraná e Santa Catarina, 
uma empresa norte-americana, a Southern Brazil Lumber & 
Colonization, reinava absoluta. Com a maioria de empregados 
norte-americanos, contratados por Percival Farquhar, que pretendia 
transformar o Brasil em vasta empresa de sua propriedade, a Lumber 
abatia todas as árvores de valor comercial, da imbuia à araucária. Todas
 as manhãs, ao som de um gramofone, os empregados – incluídos os 
brasileiros – reunidos na sede da empresa, em Três Barras, entoavam o 
hino norte-americano, The Star-Spangled Banner, enquanto a bandeira de 
listras e estrelas era hasteada. Ao anoitecer, repetia-se a cerimônia, 
ao recolher-se o pavilhão. Ali mandavam e desmandavam os ianques. O 
imenso espaço em que se moviam os homens de Farquhar estava fora da 
jurisdição brasileira. 
Embora não houvesse sido
 a única razão do conflito, a Lumber esteve no centro da Guerra do 
Contestado, um dos mais épicos movimentos de afirmação nacionalista do 
povo brasileiro. Nele, houve de tudo, dos interesses econômicos de 
Farquhar e seus assalariados pertencentes às oligarquias políticas, ao 
fanatismo religioso, em que não faltou uma Joana d’Arc – a menina Maria 
Rosa morta aos 15 anos na beira do Rio Caçador, lutando como homem.
Enquanto
 houver nações, a terra, o sangue e a honra continuarão unidos para dar 
corpo ao que chamávamos pátria, e de que nos esquecemos hoje. Quem 
conhece história sabe que os movimentos internacionalistas, quase sempre
 a serviço dos impérios, acabam sendo vencidos pelos sentimentos mais 
poderosos dos povos identificados pela cultura, pelas crenças – e pela 
língua. Nós podemos conhecer muitas línguas, mas só saberemos expressar 
os sentimentos mais fortes naquela que aprendemos dos lábios maternos. 
Podemos conhecer todas as paisagens do mundo, mas só nos identificamos 
com aquelas que os nossos olhos descobriram sob o sol da infância.
Mas há duas formas de pisar o chão pátrio: a dos ricos e a dos pobres. 
Isso
 explica por que os grandes agronegocistas brasileiros estão 
pressionando o governo e o Congresso, a fim de que sejam abolidas as 
restrições (já de si débeis) à aquisição de terras nacionais pelos 
estrangeiros. Eles querem ganhar, ao se associarem aos capitais de fora 
ou participando da especulação de terras. Calcula-se que mais de um por 
cento das terras brasileiras já pertençam, e de forma legalizada, aos 
alienígenas. A essa enorme área há que se acrescentar glebas imensas, 
adquiridas de forma subreptícia, e sem conhecimento público, porque os 
cartórios de imóveis estão dispensados de registrar a nacionalidade dos 
compradores. 
O Congresso está para aprovar a 
flexibilização das leis que regulam o assunto, ao estender à 
agropecuária a Doutrina Fernando Henrique Cardoso, que considera empresa
 nacional qualquer uma que se estabelecer no Brasil, com o dinheiro 
vindo de onde vier e controlada por quem for, e que tenha sua sede em 
Nova Iorque ou nas Ilhas Virgens. 
Nós tivemos, 
no século 19, uma equivocada política colonizadora, que concentrou, nos 
estados meridionais, a presença de imigrantes europeus. 
Isso
 implicou a criação de enclaves culturais que se revelariam 
antinacionais, durante os anos 30 e 40 do século passado. Foi difícil ao
 Brasil conter a quinta-coluna nazista e fascista que se aliava ao 
projeto de Hitler de estabelecer, no Cone Sul, a sua Germânia Austral. O
 governo de Vargas foi compelido a atos de firmeza – alguns com 
violência – a fim de manter a nossa soberania na região. Só no Piauí, a 
venda de glebas aos estrangeiros aumentou em 138% entre 2007 e 2010. São
 terras especiais, como as do sudoeste da Bahia, que estão sendo 
ocupadas até mesmo por neozelandeses.
estamos em
 momento histórico delicado, em que os recursos naturais passam a ser 
disputados com desespero por todos. As terras férteis e molhadas, de que
 somos os maiores senhores do mundo, são a garantia da sobrevivência no 
futuro que está chegando, célere. Nosso território não nos foi doado. 
Nós o conquistamos, e sobre ele mantivemos a soberania, com muito sangue
 e sacrifícios imensos. Não podemos cedê-los aos estrangeiros, a menos 
que estejamos dispostos a viver contidos em nossa própria pátria, 
desviando-nos das colônias estrangeiras, cada uma delas marcada por 
bandeira diferente.
Ao contrário da 
liberalização que pretendem alguns parlamentares do agronegócio, que 
esperam um investimento de 60 bilhões na produção de soja e milho 
transgênicos no país – o que devemos fazer, e com urgência, é 
restringir, mais ainda, a venda de terras aos estrangeiros, sejam 
pessoas físicas ou jurídicas. Do contrário, e em tempo relativamente 
curto, teremos que expulsá-los, seja de que forma for, e enfrentar, 
provavelmente, a retaliação bélica de seus países de origem.
É melhor evitar tudo isso, antes que seja tarde.
Mauro
 Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi 
correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima
 Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre 
eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e 
correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
 
 
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