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Cadê o cinema
brasileiro?
Num cenário
global marcado por novo avanço dos blockbusters norte-americanos,
bilheteria de filmes nacionais patina e desperta debate sobre formas
mais inteligentes de incentivo
Por Maria
do Rosário Caetano, no Brasil
de Fato
Só 10% dos 146
milhões de ingressos vendidos nas 2.500 salas de cinema do país,
ao longo de 2012, foram destinados a filmes nacionais. Já o
cinema vindo dos EUA vendeu, aqui, 120 milhões de ingressos. O
restante coube a filmes de outras nacionalidades (europeus,
asiáticos e latino-americanos).
O dado é alarmante.
No primeiro ano da Era Lula, marcado pela esperança em um novo
tempo para o audiovisual brasileiro, 22% dos ingressos vendidos
no país destinaram-se a filmes nacionais. Um deles, que
alcançou grande êxito, foi Cidade de Deus, de
Fernando Meirelles. Houve quem, em clima de otimismo, acreditasse
que o cinema brasileiro deixaria de ser um estranho em seu próprio
mercado. E sonhou-se, até, com desempenho similar ao dos anos de
1970, quando mais de um terço dos ingressos vendidos no país
destinavam-se a filmes nacionais.
Houve outro ano (2011)
em que a taxa de ocupação não foi desanimadora: 19%. Este
desempenho se deu quando Tropa de Elite 2 vendeu
mais de 11 milhões de ingressos e tornou-se a “maior bilheteria
do cinema nacional” (desbancando Dona Flor e Seus
Dois Maridos, que vendera 10,9 millhões de tíquetes em
1976). Não é saudável que um único título responda pelo
bom desempenho das bilheterias de um país. Quanto mais
diversificada for a carteira de um centro de produção
audiovisual, melhor.
Fora os anos de 2003 e
2011, os demais foram preocupantes, pois variaram – como mostra
o Boletim Filme B – entre 8% (2002) e
14,2%(2009). Com o aumento das salas de cinema e o crescimento do
público cinematográfico (maior a cada novo ano), as estatísticas
mostram que o cinema estadunidense, como de costume,
continua concentrando lucros cada vez maiores. Fora a Índia
(que detém mais de 80% do mercado interno) e a França, que
chega a empatar com os EUA em número de ingressos (45% para os
filmes franceses, incluindo os da África francófona; 45%
para os oriundos dos EUA; e os 10% restantes para o cinema asiático
e latino-americano). Até a China, que controla a entrada de
títulos estadunidenses (20 por ano) está perdendo
terreno. Os blockbusters made in USA estão
atraindo mais espectadores que a prolífica produção made
in China.
O Brasil lançou, ano
passado, 83 longas-metragens. Destes, apenas cinco
ultrapassaram a barreira do milhão de ingressos. Quatro são
as comédias: Até que a Sorte nos Separe, E Aí…Comeu?,
Os Penetras e De Pernas pro Ar 2 (este
alcançou ótima arrancada com 1 milhão de ingressos nos dez
últimos dias do ano passado, mas a maior parte de seu público será
computada neste primeiro trimestre de 2013). Só um drama
– Gonzaga, de pai pra filho – conseguiu
romper a difícil barreira do milhão (1,5 milhão de tíquetes).
Que brasileiro gosta
de comédia, não há dúvida. O sucesso das chanchadas nos anos
1940/50, o êxito das comédias caipiras de Mazzaropi (nos anos
de 1960/70) e o triunfo arrebatador das comédias
infanto-juvenis dos Trapalhões são provas mais que suficientes.
Mas nenhuma cinematografia vai bem se cultiva um só
gênero.
A hegemonia dos EUA,
que é planetária, se deve à capacidade do país em produzir
filmes de todos os gêneros (sem descuidar do público
infantojuvenil), em escala industrial, com altíssimos
investimentos em propaganda, escalação de atores e
diretores conhecidos no mundo inteiro e contando, ainda, com a mais
poderosa máquina de distribuição já montada pela centenária
indústria do audiovisual.
Apoio do
Estado
Todo país tem direito
a gerar suas próprias imagens. Seja o pequenino Uruguai (com
pouco mais de 3 milhões de habitantes), seja a Índia ou a China
(ambos países com mais de um bilhão de pessoas cada um). O Brasil,
um país de quase 200 milhões de habitantes, tem lutado, há mais
de um século, pelo fortalecimento de sua indústria audiovisual.
Mas as dificuldades parecem não ter fim.
O cinema brasileiro –
tanto o de empenho artístico-cultural, quanto o “comercial”
– vive de subsídios governamentais. Ou seja, de leis do
mecenato. Como aqui o empresariado não tem hábito de incentivar a
produção de bens culturais (quando o faz, quer – além de altos
descontos de impostos – farta publicidade em forma
de merchandising ou difusão de sua logomarca),
quem acaba bancando o grosso da produção são empresas ou
bancos estatais (Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, CEF,
Chesf, BNDES, Banco do Nordeste, etc). Em troca de apoio
financeiro, as estatais e as empresas privadas (quando estas
investem nos filmes) exigem que suas marcas apareçam com
destaque nos letreiros, fato que se tornou motivo, em festivais
internacionais, de chacota. Tantas são as logomarcas que
cansativamente antecedem o início da narrativa.
Luta desigual
No final dos 1990,
Walter Salles, que viu o drama Central do Brasil vender
mais 1,5 milhão de ingressos (depois de ganhar o Urso de Ouro, no
Festival de Berlim, e concorrer a dois Oscar), esperava que
chegássemos ao século 21 com pelo menos 25% do mercado interno. E
que este número crescesse a cada ano. O cineasta até sugeriu que
nossos legisladores estudassem a taxação do filme
estrangeiro lançado com mais de 500 cópias (hoje,
há blockbuster estadunidense lançado, aqui, com
1.200 cópias). Os recursos auferidos com a taxação seriam
reinvestidos na produção audiovisual brasileira. A ideia não
foi adiante no parlamento, nem encontrou defensores no governo FHC,
nem no governo Lula, nem no governo Dilma.
Para abrandar a
difícil relação da TV com o cinema brasileiro, o Congresso
Nacional aprovou a Lei do Cabo (Lei 12.485, em vigor há quatro
meses), que exige a exibição de 2 horas e 20 minutos semanais de
produção brasileira em horário nobre. Isto nos canais por
assinatura e num primeiro momento. Depois deste período de
adaptação, o tempo subirá para quase três horas e 30
minutos semanais. O que, convenhamos, não é muito, se
levarmos em conta que cada canal emite mais de 160 horas de
programação por semana. Na maioria absoluta das
telinhas, 95% dos filmes e programas exibidos têm os EUA como
origem.
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