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Via IPEA
Foto: Paulo Barreto
Rogério Lessa Benemond – do Rio de Janeiro
“Wanderley
Guilherme dos Santos é, há meio século, uma das vozes mais influentes
na Ciência Política brasileira. Aos 27 anos de idade, em 1962, lançou um
artigo de ampla repercussão, com o seguinte título: Quem vai dar o
golpe no Brasil? Dois anos depois, a análise se mostraria dramaticamente
realista. O golpe derrubou o presidente João Goulart e mergulharia o
país em 21 anos de ditadura. Professor, analista político, integrante do
Conselho de Orientação do Ipea e ex-presidente da Fundação Casa de Rui
Barbosa, Wanderley Guilherme dos Santos fala da situação política do
país, dos partidos e do funcionamento da democracia brasileira. Entre
outras coisas ele lembra que “A corrupção não está no DNA das pessoas,
mas na sociedade. A competição por recursos às vezes extrapola os
limites da legalidade”
Professor e analista,
Santos foi presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, autarquia do
Ministério da Cultura, entre 2011 e 2012. Conhecido por suas agudas
reflexões sobre a cena política brasileira, nesta entrevista ele aponta
algumas linhas mestras para uma reforma política que consolide
conquistas democráticas das últimas décadas. Entre seus pontos
principais deveriam estar, segundo ele, o papel dos partidos políticos,
os vícios do financiamento de campanha por parte de empresas privadas e o
combate à corrupção.
Desenvolvimento - Quem é a direita e quem é a esquerda brasileira hoje?
Wanderley Guilherme
- Não sei, mas o eleitor sabe. Essa é uma questão a ser discutida no
agregado. As pessoas mudam de opinião no decorrer da vida, mas o voto do
eleitorado é consistente ao longo do tempo. As mudanças na composição
do parlamento são gradativas. A distribuição das preferências é quase
sempre a mesma. O termo “direita” se tornou praticamente um xingamento,
mas sempre há um lado mais cauteloso. Muita gente já foi de esquerda e
depois deixou de ser. Ulysses Guimarães [1916-1992 deputado pelo MDB e
principal líder parlamentar de oposição à ditadura] inicialmente apoiou o
golpe [de 1964]. Teotônio Vilela [1917-1983, senador governista dos
tempos da ditadura que se aliou à oposição] também. Então não me
preocupo com essa definição. O eleitor sabe definir melhor o que é
direita e esquerda.
Desenvolvimento - Como seria uma reforma política para amenizar distorções no sistema democrático?
Wanderley Guilherme
- Vários pontos podem ser discutidos. Um exemplo: acabar com a figura
do suplente. Ele às vezes é um filho ou o financiador da campanha, que
não teve um voto sequer. Outro ponto é discutir o financiamento de
campanha e as alianças. O voto não filtra caráter. Além disso, falta
encarar o maior problema de todos, que é a constitucionalização de todo o
território.
Desenvolvimento - O que quer dizer constitucionalização de todo o território?
Wanderley Guilherme
- É levar a todos os cantos do país os juizados de pequenas causas,
assessoria jurídica e zonas eleitorais. A Constituição tem que valer em
todo o território. O problema da corrupção política assumiu essa
dimensão porque envolve preferências partidárias. Se olharmos os últimos
anos, muitos prefeitos têm sido cassados por problemas com as contas
públicas. Vereadores também. Os desbaratamentos que a Polícia Federal e a
Procuradoria Geral da República estão fazendo rotineiramente são
excepcionais. O Brasil subiu muito, internacionalmente, no quesito
combate à corrupção. Durante o período da ditadura, o eleitorado
brasileiro cresceu a taxas inéditas no mundo, até porque a Arena
[partido do governo] buscava votos no interior e o MDB [oposição]
acompanhava para tentar impedir que a situação conseguisse disfarçar o
autoritarismo vigente no país. Isso teve um aspecto muito positivo, que
foi trazer o interior para as instituições políticas. Os conflitos
passaram a aparecer nas tocaias e assassinatos, já que problemas de
terra eram assim resolvidos. Hoje, as estruturas partidárias, inclusive a
dos partidecos, desempenham papel importantíssimo, porque eles
vão buscar votos nos locais mais distantes das capitais. Até porque
sabem que nos grandes centros não têm muita chance. Também por isso os
partidecos estão crescendo consistentemente em número de vereadores e
prefeitos.
Foto: Paulo Barreto
Desenvolvimento - Isso mostra que a propalada bipartidarização (polarização entre PT e PSDB) é apenas relativa?
Wanderley Guilherme
- As eleições municipais não confirmaram essa polarização. O PSDB caiu
bastante. O PSB cresceu. O PCdoB elegeu dois ou três prefeitos pela
primeira vez. Também cresceu. Houve outro pequeno partido que não tinha
bancada e elegeu 37 vereadores. Se somarmos todos os pequenos partidos, a
curva é igual à do PSB, só que em outro patamar.
Desenvolvimento - Além da constitucionalização, quais seriam os principais itens de uma reforma política?
Wanderley Guilherme
- Uma discussão do papel dos partidos é relevante. Nós costumamos
acusar de fisiologismo aquele parlamentar que distribui água, oferece
atendimento de saúde. Pois bem, na última reunião de trabalho da União
Interparlamentar da ONU, frisou-se que os partidos são prestadores de
serviço. Que é isso mesmo, os deputados e demais parlamentares têm que
saber quais são as necessidades dos eleitores e saber como atendê-las.
Uma das coisas que o parlamentar tem que fazer é prestar serviço. Então,
discutir o papel dos partidos do ponto de vista da crítica
preconceituosa à prestação de serviços à população é um ponto importante
porque tanto o parlamentar quanto o burocrata acham que estão fazendo
algo ilícito. O burocrata se vê com o direito de dificultar, criar
problemas, pedir um dinheiro para o processo andar, porque a cultura
política vê esse trabalho não propriamente como ilegal, mas como
ilegítimo. Então, acaba dando na pequena corrupção diária. Não se pode
tirar o valor de uma atividade absolutamente legítima e necessária.
Desenvolvimento - A corrupção é o maior problema político brasileiro?
Wanderley Guilherme
- É um problema importante não apenas do Brasil, mas do mundo inteiro.
Basta atentar para o noticiário dos jornais. Sabemos que Bush não foi
eleito na Flórida. Existe a ação dos lobbies, não apenas nos
EUA, mas também na Rússia ou na China. A corrupção não escolhe ideologia
e não se resume à política. Há escândalos na Alemanha e no Japão vez
por outra se comete haraquiri...
Desenvolvimento - Quais são os condicionantes disso?
Wanderley Guilherme
- Hoje as sociedades são extremamente complexas. Por mais que o Estado
seja mínimo, no extremo do liberalismo, ele é um gigante se comparado ao
período oligárquico. Naquele tempo, antes da Revolução Industrial, o
governo só queria saber do dono da terra, como no Brasil do coronelismo.
A política existia apenas para os principais agentes econômicos e não
para a grande massa, sobretudo de camponeses e pequenos trabalhadores
urbanos. Era um período no qual a corrupção era muito menor, até porque o
grupo era menor e menos diferenciado. Hoje há grandes demandas da
sociedade que dependem muito do Estado, em políticas como a de
saneamento, de educação e de saúde. Significa que a intermediação entre o
cidadão e aqueles que formulam as políticas ganha uma dimensão
estratégica.
Desenvolvimento - Isso multiplica os interesses que podem ser beneficiados com as decisões de políticas públicas?
Wanderley Guilherme
- Sim. Alguém sempre se beneficia de uma política de governo e isso faz
da posição de poder um potencial de ilícitos. Há muito mais
oportunidades para tanto. É claro que o fato de ser um problema inerente
à sociedade de massas não quer dizer que não se deva fazer nada contra.
Mas é preciso entender que a corrupção não está no DNA das pessoas, mas
da sociedade. A competição por recursos às vezes extrapola os limites
da legalidade. É um problema difícil. Pode, sem dúvida, ser muito
reduzido, mas é impossível eliminá-lo. Sempre haverá ondas de maior ou
menor incidência.
Foto: Paulo Barreto
Desenvolvimento - O chamado mensalão se enquadra nessa definição?
Wanderley Guilherme
- Bem, primeiro não houve compra de votos. O Legislativo não tolera e
nem pode tolerar isso. Os parlamentares que vendem o voto ficam
estigmatizados. Três parlamentares confessaram a venda de votos para
aprovação da reeleição do presidente da República, nos anos 1990. Aquilo
foi venda de votos. Diferente de um acordo político no qual se firma o
compromisso para financiamento de dívidas do partido associado. Este é o
chamado caixa dois. Isso não é compra de votos, mas é comum que
aconteça. E é ilegal também porque no meio aparecem muitas coisas que
nada têm a ver com o caixa dois. Mas para que houvesse o acordo entre
partidos aliados não seria necessário dinheiro. Precisamos, na verdade, é
apurar o que, na legislação eleitoral, leva os partidos a fazerem o
caixa dois.
Foto: Paulo Barreto
A
corrupção é um problema importante não apenas do Brasil, mas do mundo
inteiro. Basta atentar para o noticiário dos jornais. Existe a ação dos
lobbies, não apenas nos EUA, mas também na Rússia ou na China. A
corrupção não escolhe ideologia e não se resume à política.
Desenvolvimento - Isso chega à questão do financiamento das campanhas?
Wanderley Guilherme
- Sim. Fundamentalmente, é preciso averiguar por que a legislação
eleitoral acaba permitindo o aparecimento de crimes muito mais que
eleitorais. Não havia sentido para um deputado da base aliada ou do
próprio PT vender o voto. Tanto é assim que ninguém sabe onde foi parar o
dinheiro, a não ser no caso do marqueteiro Duda Mendonça.
Desenvolvimento - Ele argumenta que, efetivamente, prestou um serviço. O problema estaria na forma de pagamento?
Wanderley Guilherme
- Sim. Ele recebeu dinheiro para realizar um trabalho. Os outros não
receberam para fazer serviço algum. Foi para pagar o Duda, entre outras
coisas. Então, é um processo de corrupção no qual não se sabe o destino
do dinheiro. Não aparece, mas deu margem a todo esse processo. É
possível que Marcos Valério tenha dado notas aumentando o valor dos
serviços prestados. É uma fraude, mas não é compra de votos.
Desenvolvimento - Enquanto fraude, ela poderia ter ocorrido sem que lideranças políticas soubessem?
Wanderley Guilherme
- Sim, perfeitamente. Não tenho a menor dúvida que essas lideranças
foram injustamente condenadas. Só se soube, por exemplo, que Roberto
Jefferson (PTB-RJ) não distribuiu o dinheiro que era para distribuir
quando ele o afi rmou. Jeff erson teria que passar para os deputados
endividados.
Desenvolvimento - Quem financia campanhas espera receber o “capital” investido depois da eleição?
Wanderley Guilherme
- Não é assim. Quem colocou US$ 10 milhões na campanha do Partido
Republicano, nos EUA, não vai querer receber um contrato de US$ 12
milhões. Vai querer, depois, é que aprovem reduções de impostos, por
exemplo. Então, o que tem que ser discutido é a oportunidade que o
sistema cria para a corrupção. No caso dos marqueteiros, o que deve ser
questionado é essa necessidade de pagar caro por eles. Esses milhões que
Duda Mendonça cobra, todos cobram. Não há partido que não faça isso.
Perfil
Wanderley
Guilherme dos Santos é professor titular aposentado de Ciência Política
na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nascido em 1935,
graduou-se em filosofia pela Universidade do Brasil, atual UFRJ, e
doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Stanford (EUA). É
também integrante do Conselho de Orientação do Ipea.
Fundador
do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ),
Santos é autor de trinta livros e vasta obra acadêmica. Entre outros,
destacam-se Horizonte do desejo – Instabilidade, fracasso coletivo e
inércia social (2006), O cálculo do conflito: estabilidade e crise na
política brasileira (2003), O ex-Leviatã brasileiro: do voto disperso ao
clientelismo concentrado (2006), Paradoxos do liberalismo: teoria e
história uma apologia democrática (1999), Roteiro bibliográfico do
pensamento político-social brasileiro (1870- 1975) (2002).
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