sexta-feira, 1 de março de 2013

Wanderley Guilherme dos Santos fala sobre reforma política

 

buscado no Gilson Sampaio 

 

Via IPEA

Foto: Paulo Barreto


Rogério Lessa Benemond – do Rio de Janeiro


“Wanderley Guilherme dos Santos é, há meio século, uma das vozes mais influentes na Ciência Política brasileira. Aos 27 anos de idade, em 1962, lançou um artigo de ampla repercussão, com o seguinte título: Quem vai dar o golpe no Brasil? Dois anos depois, a análise se mostraria dramaticamente realista. O golpe derrubou o presidente João Goulart e mergulharia o país em 21 anos de ditadura. Professor, analista político, integrante do Conselho de Orientação do Ipea e ex-presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, Wanderley Guilherme dos Santos fala da situação política do país, dos partidos e do funcionamento da democracia brasileira. Entre outras coisas ele lembra que “A corrupção não está no DNA das pessoas, mas na sociedade. A competição por recursos às vezes extrapola os limites da legalidade”
Professor e analista, Santos foi presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, autarquia do Ministério da Cultura, entre 2011 e 2012. Conhecido por suas agudas reflexões sobre a cena política brasileira, nesta entrevista ele aponta algumas linhas mestras para uma reforma política que consolide conquistas democráticas das últimas décadas. Entre seus pontos principais deveriam estar, segundo ele, o papel dos partidos políticos, os vícios do financiamento de campanha por parte de empresas privadas e o combate à corrupção.

Desenvolvimento - Quem é a direita e quem é a esquerda brasileira hoje?
Wanderley Guilherme - Não sei, mas o eleitor sabe. Essa é uma questão a ser discutida no agregado. As pessoas mudam de opinião no decorrer da vida, mas o voto do eleitorado é consistente ao longo do tempo. As mudanças na composição do parlamento são gradativas. A distribuição das preferências é quase sempre a mesma. O termo “direita” se tornou praticamente um xingamento, mas sempre há um lado mais cauteloso. Muita gente já foi de esquerda e depois deixou de ser. Ulysses Guimarães [1916-1992 deputado pelo MDB e principal líder parlamentar de oposição à ditadura] inicialmente apoiou o golpe [de 1964]. Teotônio Vilela [1917-1983, senador governista dos tempos da ditadura que se aliou à oposição] também. Então não me preocupo com essa definição. O eleitor sabe definir melhor o que é direita e esquerda.

Desenvolvimento - Como seria uma reforma política para amenizar distorções no sistema democrático?
Wanderley Guilherme - Vários pontos podem ser discutidos. Um exemplo: acabar com a figura do suplente. Ele às vezes é um filho ou o financiador da campanha, que não teve um voto sequer. Outro ponto é discutir o financiamento de campanha e as alianças. O voto não filtra caráter. Além disso, falta encarar o maior problema de todos, que é a constitucionalização de todo o território.

Desenvolvimento - O que quer dizer constitucionalização de todo o território?
Wanderley Guilherme - É levar a todos os cantos do país os juizados de pequenas causas, assessoria jurídica e zonas eleitorais. A Constituição tem que valer em todo o território. O problema da corrupção política assumiu essa dimensão porque envolve preferências partidárias. Se olharmos os últimos anos, muitos prefeitos têm sido cassados por problemas com as contas públicas. Vereadores também. Os desbaratamentos que a Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República estão fazendo rotineiramente são excepcionais. O Brasil subiu muito, internacionalmente, no quesito combate à corrupção. Durante o período da ditadura, o eleitorado brasileiro cresceu a taxas inéditas no mundo, até porque a Arena [partido do governo] buscava votos no interior e o MDB [oposição] acompanhava para tentar impedir que a situação conseguisse disfarçar o autoritarismo vigente no país. Isso teve um aspecto muito positivo, que foi trazer o interior para as instituições políticas. Os conflitos passaram a aparecer nas tocaias e assassinatos, já que problemas de terra eram assim resolvidos. Hoje, as estruturas partidárias, inclusive a dos partidecos, desempenham papel importantíssimo, porque eles vão buscar votos nos locais mais distantes das capitais. Até porque sabem que nos grandes centros não têm muita chance. Também por isso os partidecos estão crescendo consistentemente em número de vereadores e prefeitos.

Foto: Paulo Barreto

Desenvolvimento - Isso mostra que a propalada bipartidarização (polarização entre PT e PSDB) é apenas relativa?
Wanderley Guilherme - As eleições municipais não confirmaram essa polarização. O PSDB caiu bastante. O PSB cresceu. O PCdoB elegeu dois ou três prefeitos pela primeira vez. Também cresceu. Houve outro pequeno partido que não tinha bancada e elegeu 37 vereadores. Se somarmos todos os pequenos partidos, a curva é igual à do PSB, só que em outro patamar.

Desenvolvimento - Além da constitucionalização, quais seriam os principais itens de uma reforma política?
Wanderley Guilherme - Uma discussão do papel dos partidos é relevante. Nós costumamos acusar de fisiologismo aquele parlamentar que distribui água, oferece atendimento de saúde. Pois bem, na última reunião de trabalho da União Interparlamentar da ONU, frisou-se que os partidos são prestadores de serviço. Que é isso mesmo, os deputados e demais parlamentares têm que saber quais são as necessidades dos eleitores e saber como atendê-las. Uma das coisas que o parlamentar tem que fazer é prestar serviço. Então, discutir o papel dos partidos do ponto de vista da crítica preconceituosa à prestação de serviços à população é um ponto importante porque tanto o parlamentar quanto o burocrata acham que estão fazendo algo ilícito. O burocrata se vê com o direito de dificultar, criar problemas, pedir um dinheiro para o processo andar, porque a cultura política vê esse trabalho não propriamente como ilegal, mas como ilegítimo. Então, acaba dando na pequena corrupção diária. Não se pode tirar o valor de uma atividade absolutamente legítima e necessária.

Desenvolvimento - A corrupção é o maior problema político brasileiro?
Wanderley Guilherme - É um problema importante não apenas do Brasil, mas do mundo inteiro. Basta atentar para o noticiário dos jornais. Sabemos que Bush não foi eleito na Flórida. Existe a ação dos lobbies, não apenas nos EUA, mas também na Rússia ou na China. A corrupção não escolhe ideologia e não se resume à política. Há escândalos na Alemanha e no Japão vez por outra se comete haraquiri...

Desenvolvimento - Quais são os condicionantes disso?
Wanderley Guilherme - Hoje as sociedades são extremamente complexas. Por mais que o Estado seja mínimo, no extremo do liberalismo, ele é um gigante se comparado ao período oligárquico. Naquele tempo, antes da Revolução Industrial, o governo só queria saber do dono da terra, como no Brasil do coronelismo. A política existia apenas para os principais agentes econômicos e não para a grande massa, sobretudo de camponeses e pequenos trabalhadores urbanos. Era um período no qual a corrupção era muito menor, até porque o grupo era menor e menos diferenciado. Hoje há grandes demandas da sociedade que dependem muito do Estado, em políticas como a de saneamento, de educação e de saúde. Significa que a intermediação entre o cidadão e aqueles que formulam as políticas ganha uma dimensão estratégica.

Desenvolvimento - Isso multiplica os interesses que podem ser beneficiados com as decisões de políticas públicas?
Wanderley Guilherme - Sim. Alguém sempre se beneficia de uma política de governo e isso faz da posição de poder um potencial de ilícitos. Há muito mais oportunidades para tanto. É claro que o fato de ser um problema inerente à sociedade de massas não quer dizer que não se deva fazer nada contra. Mas é preciso entender que a corrupção não está no DNA das pessoas, mas da sociedade. A competição por recursos às vezes extrapola os limites da legalidade. É um problema difícil. Pode, sem dúvida, ser muito reduzido, mas é impossível eliminá-lo. Sempre haverá ondas de maior ou menor incidência.

Foto: Paulo Barreto

Desenvolvimento - O chamado mensalão se enquadra nessa definição?
Wanderley Guilherme - Bem, primeiro não houve compra de votos. O Legislativo não tolera e nem pode tolerar isso. Os parlamentares que vendem o voto ficam estigmatizados. Três parlamentares confessaram a venda de votos para aprovação da reeleição do presidente da República, nos anos 1990. Aquilo foi venda de votos. Diferente de um acordo político no qual se firma o compromisso para financiamento de dívidas do partido associado. Este é o chamado caixa dois. Isso não é compra de votos, mas é comum que aconteça. E é ilegal também porque no meio aparecem muitas coisas que nada têm a ver com o caixa dois. Mas para que houvesse o acordo entre partidos aliados não seria necessário dinheiro. Precisamos, na verdade, é apurar o que, na legislação eleitoral, leva os partidos a fazerem o caixa dois.

Foto: Paulo Barreto
A corrupção é um problema importante não apenas do Brasil, mas do mundo inteiro. Basta atentar para o noticiário dos jornais. Existe a ação dos lobbies, não apenas nos EUA, mas também na Rússia ou na China. A corrupção não escolhe ideologia e não se resume à política.

Desenvolvimento - Isso chega à questão do financiamento das campanhas?
Wanderley Guilherme - Sim. Fundamentalmente, é preciso averiguar por que a legislação eleitoral acaba permitindo o aparecimento de crimes muito mais que eleitorais. Não havia sentido para um deputado da base aliada ou do próprio PT vender o voto. Tanto é assim que ninguém sabe onde foi parar o dinheiro, a não ser no caso do marqueteiro Duda Mendonça.

Desenvolvimento - Ele argumenta que, efetivamente, prestou um serviço. O problema estaria na forma de pagamento?
Wanderley Guilherme - Sim. Ele recebeu dinheiro para realizar um trabalho. Os outros não receberam para fazer serviço algum. Foi para pagar o Duda, entre outras coisas. Então, é um processo de corrupção no qual não se sabe o destino do dinheiro. Não aparece, mas deu margem a todo esse processo. É possível que Marcos Valério tenha dado notas aumentando o valor dos serviços prestados. É uma fraude, mas não é compra de votos.

Desenvolvimento - Enquanto fraude, ela poderia ter ocorrido sem que lideranças políticas soubessem?
Wanderley Guilherme - Sim, perfeitamente. Não tenho a menor dúvida que essas lideranças foram injustamente condenadas. Só se soube, por exemplo, que Roberto Jefferson (PTB-RJ) não distribuiu o dinheiro que era para distribuir quando ele o afi rmou. Jeff erson teria que passar para os deputados endividados.

Desenvolvimento - Quem financia campanhas espera receber o “capital” investido depois da eleição?
Wanderley Guilherme - Não é assim. Quem colocou US$ 10 milhões na campanha do Partido Republicano, nos EUA, não vai querer receber um contrato de US$ 12 milhões. Vai querer, depois, é que aprovem reduções de impostos, por exemplo. Então, o que tem que ser discutido é a oportunidade que o sistema cria para a corrupção. No caso dos marqueteiros, o que deve ser questionado é essa necessidade de pagar caro por eles. Esses milhões que Duda Mendonça cobra, todos cobram. Não há partido que não faça isso.

Perfil
Wanderley Guilherme dos Santos é professor titular aposentado de Ciência Política na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nascido em 1935, graduou-se em filosofia pela Universidade do Brasil, atual UFRJ, e doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Stanford (EUA). É também integrante do Conselho de Orientação do Ipea.
Fundador do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ), Santos é autor de trinta livros e vasta obra acadêmica. Entre outros, destacam-se Horizonte do desejo – Instabilidade, fracasso coletivo e inércia social (2006), O cálculo do conflito: estabilidade e crise na política brasileira (2003), O ex-Leviatã brasileiro: do voto disperso ao clientelismo concentrado (2006), Paradoxos do liberalismo: teoria e história uma apologia democrática (1999), Roteiro bibliográfico do pensamento político-social brasileiro (1870- 1975) (2002).


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