buscado no Redecastorphoto
19/11/2012 - Chris
Hedges* - Thruthdig
Traduzido e comentado
por Baby Siqueira Abrão
Baby Siqueira Abrão
|
Comentário da
tradutora: Quem me conhece sabe que penso exatamente como Hedges.
Infelizmente, não tenho seu talento e meu artigo sobre esse assunto
está só na forma de esboço.
É preciso ler este
texto para entender por que os sionistas estão pressionando tanto o
FSMPL (Fórum Social Mundial pela Palestina Livre)-- trata-se de uma
pedra no sapato de quem, como eles, vêm mostrando as garras na
América Latina e dominando nossos governos. É preciso ler este
texto para saber por que insisto tanto num foco de luta mais amplo,
contra o sionismo.
Vamos deixar como está
ou vamos reagir?
Gaza é a janela de
nossa futura distopia. A crescente divisão entre a elite do mundo e
sua miserável massa de humanidade é mantida por meio de uma
violência em espiral. Muitas regiões empobrecidas do planeta, que
caíram no abismo econômico, começam a assemelhar-se a Gaza, onde
1,6 milhões de palestinos vivem no maior campo de concentração do
planeta [1].
Essas zonas de
sacrifício, cheias de pessoas deploravelmente pobres, presas em
favelas miseráveis ou em aldeias cujas casas têm paredes de barro,
cada vez mais vêm sendo sitiadas por cercas eletrônicas,
monitoradas por câmeras de vigilância e drones, e rodeadas por
guardas de fronteira ou unidades militares que atiram para matar.
Ilustração: Mr. Fish
|
Essas distopias de
pesadelo se estendem da África subsaariana ao Paquistão e à China.
Nesses locais, assassinatos propositais são executados, ataques
militares brutais são feitos a pessoas deixadas sem defesa, sem
exército, sem marinha e sem força aérea. Todas as tentativas de
resistência, embora ineficazes, deparam com a carnificina que
caracteriza a moderna indústria da guerra.
No novo cenário
global, como nos territórios ocupados por Israel e nos projetos
imperialistas dos EUA no Iraque, no Paquistão, na Somália, no Iêmen
e no Afeganistão, massacres de milhares de inocentes indefesos são
classificados como “guerra”.
A resistência é
denominada provocação, terrorismo ou crime contra a humanidade. O
respeito às leis, assim como as mais básicas liberdades civis e o
direito à autodeterminação, é uma ficção usada como
relações-públicas para aplacar a consciência de quem vive nas
zonas de privilégio.
Prisioneiros são
rotineiramente torturados ou “desaparecidos”. A falta de
alimentos e de suprimentos médicos são uma tática de controle
aceita. Mentiras permeiam as ondas eletromagnéticas (rádios e TVs).
Grupos religiosos, raciais e étnicos são demonizados. Chovem
mísseis sobre casebres de alvenaria, unidades mecanizadas atiram em
aldeões desarmados, canhoneiras esmagam campos de refugiados com
bombardeios pesados, e os mortos, incluindo crianças, enfileiram-se
em corredores de hospitais aos quais faltam eletricidade e
medicamentos.
O colapso iminente da
economia internacional, os ataques ao clima e suas consequências,
como secas, alagamentos, declínio rápido de safras e aumento no
preço dos alimentos estão criando um universo onde o poder se
divide entre elites restritas, que têm nas mãos sofisticados
instrumentos de morte, e massas enraivecidas.
As crises vêm
incentivando uma guerra de classes que sobrepujará tudo aquilo que
Karl Marx poderia ter imaginado. Elas estão construindo um mundo
onde a maioria terá fome e viverá com medo, enquanto poucos irão
se empanturrar com delícias em fortins protegidos. E mais e mais
pessoas serão sacrificadas para manter esse desequilíbrio.
Por ter poder para
isso, Israel – assim como os Estados Unidos – desrespeitam [2] o
direito internacional para manter na miséria uma população
dominada. A presença continuada das forças de ocupação
israelenses [nos Territórios Palestinos Ocupados- TPOs] desafia
quase cem resoluções do Conselho de Segurança da ONU pedindo sua
retirada [dos TPOs].
O bloqueio israelense a
Gaza, estabelecido em junho de 2007, é uma forma brutal de punição
coletiva que viola o artigo 33 da IV Convenção de Genebra, que
determina as regras para a “proteção de civis em tempo de
guerra”.
O bloqueio transformou
Gaza num pedaço de inferno, num gueto administrado por Israel onde
milhares morrem, incluindo os 1,4 mil [são quase 1,5 mil] civis
assassinados na incursão israelense de 2008. Com 95% das fábricas
fechadas, a indústria palestina virtualmente parou de funcionar. Os
restantes 5% operam com 25% a 50% de sua capacidade. Até o setor
pesqueiro está moribundo. Israel recusa-se a permitir que os
pescadores ultrapassem três milhas náuticas da costa, e dentro
desse limite os barcos pesqueiros com frequência são alvo dos tiros
israelenses.
As patrulhas de
fronteira israelenses confiscaram 35% das terras cultiváveis de Gaza
para criar nelas zonas-tampões [3].
O colapso da
infraestrutura e o confisco israelense dos aquíferos fazem com que
em muitos campos de refugiados, como Khan Yunis, não haja água
corrente.
A Agência das Nações
Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em
inglês) estima que 80% de todos os habitantes de Gaza dependem,
atualmente, de ajuda alimentar. E a alegação israelense de
autodefesa esconde o fato de que Israel mantém uma ocupação ilegal
e viola o direito internacional ao impor a punição coletiva aos
palestinos.
Foi Israel que escolheu
aumentar a violência quando, durante uma incursão a Gaza no início
do mês, suas forças mataram um garoto de 13 anos. À medida que o
mundo se arrebenta, este se torna o novo paradigma: senhores da
guerra modernos se inundam com tecnologias e armas aterrorizantes,
que matam povos inteiros.
Fizemos [os
estadunidenses] o mesmo no Afeganistão, no Iraque, no Paquistão, no
Iêmen e na Somália.
As forças do mercado e
os mecanismos militares que protegem essas forças são a única
ideologia que governa os Estados industriais e o relacionamento dos
seres humanos com o mundo natural. É uma ideologia que resulta em
milhões de mortos e outros milhões de desalojados no mundo moderno.
E a espantosa/abominável álgebra dessa ideologia significa que
essas forças irão, eventualmente, também desencadear-se sobre nós.
Aqueles que não são
úteis para as forças do mercado são considerados descartáveis.
Não têm direitos nem legitimidade. Sua existência, seja em Gaza,
seja em cidades pós-industriais doentes como Camden, Nova Jersey, é
considerada dejeto da eficiência e do progresso. Essas pessoas são
vistas como refugo. E como refugo não têm voz nem liberdade, e
podem ser extintas ou aprisionadas à vontade. Este é um mundo onde
apenas o poder corporativo e o lucro são sagrados. É um mundo de
barbárie.
“Ao dispor do poder
de trabalho humano, o sistema disporia, incidentalmente, da entidade
“ser humano” sob os pontos de vista físico, psicológico e
moral”, escreveu Karl Polanyi [4] em The Great Transformation [A
grande transformação].
E continua:
Privados da cobertura
protetora de instituições culturais, os seres humanos pereceriam
diante dos efeitos da exposição social; morreriam como vítimas de
deslocamentos sociais agudos em consequência do vício, do crime e
da fome.
A natureza seria
reduzida a seus elementos, com vizinhanças e paisagens violadas,
rios poluídos, segurança militar ameaçada, poder de produzir
alimentos e matéria prima destruído.
Finalmente, a
administração do mercado de compra de poder periodicamente
liquidaria empresas comerciais porque a escassez e a fartura de
dinheiro provariam ser tão desastrosas para os negócios como os
alagamentos e as secas para as sociedades primitivas.
Sem dúvida, os
mercados de trabalho, da terra e do dinheiro são essenciais para uma
economia de mercado. Mas nenhuma sociedade pode aguentar os efeitos
desse sistema de ficções brutas, nem mesmo pelo menor período, a
menos que sua substância humana e natural, assim como sua
organização de negócios, estejam protegidas contra os estragos
desse moinho satânico.
Existem 47,1 milhões
de estadunidenses que dependem de auxílio-alimentação para comer.
As elites estão tramando acabar com esse auxílio, assim como com
outros programas de “direitos” que evitam que os pobres se tornem
miseráveis.
O ímpeto de trilhões
de dólares do Medicare, Medicaid e de outros programas sociais, dado
o impasse político em Washington e o aumento do “abismo fiscal”,
agora parece incerto.
Há 50 milhões de
pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, mas porque a linha da
pobreza é tão baixa – US$ 22.350 para uma família de quatro
pessoas – esse número nada significa. Acrescente-se a isso as
dezenas de milhões de estadunidenses de uma categoria chamada
“próxima à pobreza”, incluindo as famílias que tentam viver
com menos de US$ 45 mil por ano e ter-se-ão ao menos 30% do país na
pobreza.
Assim que essas pessoas
perceberem que não haverá recuperação econômica, que seu padrão
de vida continuará a cair, que foram enganadas, que a esperança no
futuro é uma ilusão, elas se tornarão tão furiosas como os
manifestantes da Grécia e da Espanha ou os militantes de Gaza ou do
Afeganistão.
Os bancos e outras
corporações financeiras entregaram trilhões em empréstimos sem
juros do Federal Reserve, enquanto acumulavam US$ 5 trilhões, em
grande parte pilhados do Tesouro dos EUA. Quanto mais essas
disparidade e desigualdade mundiais forem perpetuadas, mais as massas
se revoltarão e mais depressa replicaremos internamente o modelo
israelense de controle doméstico – drones acima de nossas cabeças,
todos os dissidentes criminalizados, equipes SWAT rompendo pelas
portas, força mortal como modo aceitável de subjugação, alimentos
usados como armas e vigilância constante.
Em Gaza e em outras
partes doentes do globo vemos essa nova configuração de poder.
O que está acontecendo
em Gaza, assim como o que ocorre com pessoas negras em comunidades
marginais nos EUA, são o modelo. As técnicas de controle, sejam
elas aplicadas por israelenses, sejam usadas por unidades de polícia
militarizada nas guerras contra drogas de nossas cidades, sejam
empregadas por forças militares especiais ou por mercenários no
Paquistão, no Afeganistão ou no Iraque, são testadas primeiro e
aperfeiçoadas nos fragilizados e nos despossuídos.
Nossa insensível
indiferença ao apelo dos palestinos e das centenas de milhões de
pobres empacotados em favelas urbanas na Ásia ou na África, assim
como de nossa própria subclasse, significa que as injustiças
cometidas contra eles serão cometidas contra nós. Ao falhar com
eles, falhamos conosco.
À medida que o império
dos EUA implode, as mais brutais formas de violência empregadas fora
do império começam a migrar de volta para o país. Ao mesmo tempo,
os sistemas internos de governança democrática calcificaram-se.
A autoridade
centralizada está nas mãos de um setor executivo que serve, como
escravo, aos interesses corporativos globais.
A imprensa e os poderes
judiciário e legislativo tornaram-se desdentados e decorativos.
O espectro do
terrorismo, como em Israel, é usado pelo Estado para desviar
gigantescos gastos para a segurança do país, para a vigilância
militar e interna.
A privacidade é
abolida. A dissidência é traição. Os militares, com seu mantra de
obediência cega e de força, caracterizam a ética sombria da
cultura vasta. A beleza e a verdade são abolidas. A cultura é
degradada em besteiras. A vida emocional e intelectual de cidadãs e
cidadãos é devastada pelo espetáculo, pelo mau gosto e pela
malícia, assim como por montões de analgésicos e narcóticos. A
ambição cega, o desejo de poder e uma grotesca vaidade pessoal –
exemplificadas por David Petraeus e sua ex-amante – são os motores
do progresso.
O conceito de bem comum
não faz mais parte do léxico do poder. Este, como a novelista J.M.
Coetzee escreve, é a “flor suja da civilização”. É Roma sob
Diocleciano. Somos nós. Os impérios, no final, decaem em regimes
despóticos, assassinos e corruptos que enfim consomem a si mesmos. E
nós, como Israel, agora tossimos sangue.
____________________
Chris Hedges*, cuja
coluna é publicada às segundas-feiras em Truthdig, passou quase
duas décadas como correspondente internacional na América Central,
no Oriente Médio, na África e nos Bálcãs. Escreveu reportagens em
mais de 50 países e trabalhou para The Christian Science Monitor,
National Public Radio, The Dallas Morning News e The New York Times,
para o qual foi correspondente internacional por 15 anos.
Notas de rodapé
[1] Dada a vida que
levam, em consequência do bloqueio e dos ataques genocidas de
Israel, os habitantes de Gaza preferem usar a expressão “campo de
extermínio”.
[2] No original,
flout, que também significa caçoar, zombar – termos mais
apropriados ao que Israel e EUA fazem com o direito internacional.
[3] Zonas-tampões são
terras palestinas que Israel confisca para manter, entre a linha de
fronteira e Gaza (ou as vilas e cidades da Cisjordânia), uma área
vazia, de acesso proibido aos palestinos, cercada e vigiada por
soldados armados.
[4] Ver Karl
Polanyi (em inglês). Embora o
trecho citado neste texto seja interessante, é preciso manter um
olhar crítico em Polanyi. Ele falhou exatamente onde o outro Karl, o
Marx, acertou. Como filósofo, Marx foi fundo na ontologia para
entender a formação da riqueza e do capital, ao passo que Polanyi
não fez senão um sobrevoo nessas mesmas questões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário