buscado no Gilson Sampaio
Quando
os meios de comunicação se referem aos torturadores e assassinos do
período da ditadura argentina esquecem, deliberadamente ou não, em
apontar os vínculos com outras ditaduras, inclusive a do Brasil. Alguns
espaços midiáticos eletrônicos, entre os quais a TV Brasil, têm
apresentado matérias sobre a Operação Condor que ajudam os brasileiros a
lembrar ou conhecer o que representaram para o país e a região os
regimes de exceção.
A propósito, continua sem
solução, no sentido de apontar culpados, o desaparecimento no aeroporto
internacional do Rio de Janeiro do jornalista argentino Norberto
Habegger. Militante peronista, Habegger vinha do México e ao desembarcar
no Rio foi preso e nunca mais se soube dele. Na época, a Associação
Brasileira de Imprensa pediu esclarecimentos à Polícia Federal, que
confirmou a entrada do jornalista, mas não registrou a sua saída.
Agora,
34 anos depois, graças, sobretudo, aos esforços do lutador social
gaúcho Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, o tema
está voltando à tona.
É vergonhoso para o
Brasil ser responsável pelo desaparecimento de um jornalista, vitimado
por ação conjunta de facínoras brasileiros e argentinos. Estes últimos,
por sinal, estão sendo punidos exemplarmente, entre eles o ex-presidente
Rafael Videla, depois que o então presidente Nestor Kirchner mandou
para o lixo da história a legislação que concedia anistia a responsáveis
por crimes contra a humanidade.
Ao baixar no
então Galeão em 30 de julho de 1978, o que foi confirmado, Habegger
usava passaporte em nome de Héctor Esteban Cuello. Tinha encontro
marcado com outros argentinos que não aceitavam o regime de terror
implantado pelos militares. Foi dedurado, e aí então repressores
brasileiros e argentinos armaram a armadilha que o levou a morte e ao
desaparecimento do seu corpo. Segundo Krischke ele foi preso em um hotel
do Rio de Janeiro por agentes que também falavam espanhol.
Crimes
desta natureza precisam ser esclarecidos de uma vez por todas. Se forem
encontrados os responsáveis pela ocorrência devem ser submetidos a
julgamento e cumprirem pena pela responsabilidade nos atos. Terão até
direito de defesa, o que não acontecia quando estavam no poder.
A Operação Condor é relatada em pormenores em um importante livro da jornalista e escritora argentina Stella Calloni (Operação Condor – Pacto Criminoso), que poderia ajudar a Comissão da Verdade a aprofundar o tema com novos documentos ainda não revelados.
Para
ainda maior vergonha dos brasileiros, não só desapareceu no Galeão o
jornalista Habbegger. Stella informa que pelo menos quatro argentinos
também tiveram o mesmo fim quando faziam escala no Rio de Janeiro entre
março e junho de 1980. Foram eles Monica Susana Pinus e Horacio
Campiglia. Da lista consta também os desaparecimentos de Enrique Ruggia
(1974) e Jorge Oscar Adur (1980).
Em Uruguaiana,
na fronteira do Brasil com a Argentina desapareceu Lorenzo Ismael
Viñas. Foram vítimas da Operação Condor, cujos documentos em Assunção
foram descobertos pelo advogado Martin Almada, um incansável lutador
contra a ditadura de Alfredo Stroessner, ditador que teve bom
relacionamento com figuras de destaque da ditadura brasileira, inclusive
o General João Batista Figueiredo, que antes de ser nomeado Presidente
chefiou o famigerado Serviço Nacional de Informações e já tinha sido
adido militar brasileiro em Assunção.
Aliás, em
matéria de adidos militares no exterior, o Brasil, já no governo de José
Sarney, tinha como representante em Montevidéu nada mais nada menos do
que um acusado de torturador, o coronel Carlos Alberto Ustra, comandante
do DOI-CODI de São Paulo no período mais duro da ditadura, início dos
anos 70. Ele foi reconhecido como torturador pela então deputada Beth
Mendes que integrava uma delegação brasileira em Montevidéu.
Por
sinal, o Tribunal de Justiça de São Paulo acabou de aceitar outra
denúncia contra Ustra, acusado neste caso de juntamente com os delegados
Alcides Singillo e Carlos Alberto Augusto, ambos da Polícia Civil, de
sequestrar e torturar o corretor de valores Edgar de Aquino Duarte, em
junho de 1971. Prevaleceu a lógica de que crimes continuados seguem
vigentes.
Da mesma forma que argentinos
despareceram no Brasil com a ajuda de repressores destas bandas, na
Argentina vários brasileiros também foram vítimas da Operação Condor.
Muitos criminosos de lá que ajudaram os criminosos daqui estão sendo ou
já foram julgados pelos crimes contra a humanidade praticados. Aqui
seguem impunes acobertados por uma lei de anistia promulgada ainda
durante a ditadura.
Por estas e muitas horas, os
acontecimentos na Argentina em matéria de julgamentos de violadores dos
direitos humanos devem ser acompanhados em todos os detalhes pelos
brasileiros. Afinal de contas, como comprovam os documentos implacáveis,
as duas ditaduras atuavam conjuntamente. A condenação à prisão perpétua
de Videla, Massera e outros do gênero diz respeito não só aos
argentinos como todos os povos que foram atingidos pela repressão que
atuava em conjunto.
Cabe agora à Comissão da
Verdade investigar tudo isso, inclusive exigir que se autorize a
exumação dos restos de João Goulart, para esclarecer de uma vez por
todas se o Presidente deposto foi ou não vítima de troca de remédios que
resultou em sua morte em uma fazenda de sua propriedade em Las
Mercedes, Argentina.
Da mesma forma é necessário
que a Comissão conclua um parecer sobre as circunstâncias do acidente
automobilístico que resultou na morte do Presidente Juscelino Kubitshek,
já que há também denuncias segundo as quais o motorista do veículo
teria sido atingido por uma bala na cabeça, fato que pode ter sido
escondido pelas autoridades em agosto de 1976.
Com a palavra a Comissão da Verdade.
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