buscado no Gilson Sampaio
Via facebook do Idelber Avelar
IDELBER AVELAR
A
história dos atritos entre o Galo e a ditadura militar começou em 1969,
quando o ditador Emílio Garrastazu Médici exigiu a convocação de Dario,
nosso Dadá Maravilha, para a Seleção Brasileira. João Saldanha, o João
sem Medo, então técnico da Seleção e homem de conhecidas ligações com o
Partido Comunista, retrucou com a célebre frase “o presidente escala o
ministério dele que eu escalo o meu time”. Ela foi um dos estopins de
sua demissão e substituição por Zagallo, figura bem mais dócil,
obediente e antenada com o poder. Levando a equipe que Saldanha já havia
armado, acrescida de mínimas modificações, como o recuo de Piazza para a
zaga, Zagallo conquistou o tricampeonato de 1970 no México com Dadá no
banco, sem atuar um minuto sequer. A vontade do ditador havia sido
satisfeita.
Antes disso, no dia 03 de setembro
de 1969, ainda dirigida por Saldanha, a Seleção Brasileira visitou Belo
Horizonte e, completinha, com Pelé, Tostão, Jaizinho, Gérson, Carlos
Alberto e cia., enfrentou o Galo de Dadá, que atuou com a camisa da
Seleção Mineira. O Galo vivia vacas magras e amargava o pentacampeonato
estadual do Cruzeiro, que acabara de igualar nosso recorde de 1956
(depois, em 1983, estabeleceríamos outro recorde, o hexa, ainda não
igualado na era profissional). A presença de Zé Carlos, Piazza e Tostão
com a camisa canarinho reforçava o clima de guerra. Com atuação
magistral do maior lateral-esquerdo de nossa história, o uruguaio
Cincunegui, o Galo venceu por 2 x 1, gols de Oldair e Dario. Pelé
descontou em escandaloso impedimento (http://youtu.be/uVGC24Ud-jE).
Depois da comemoração do segundo gol, Dadá levantou a camisa da Seleção
Mineira, deixando a multidão entrever o uniforme do Galo por baixo. A
Massa foi ao delírio e os militares não gostaram, nem do gesto, nem do
resultado.
Nos anos 1970, antes da Democracia
Corinthiana, os jogadores de futebol que ousavam se pronunciar sobre
política ou mesmo demonstrar uma mínima consciência de classe eram
implacavelmente perseguidos. O craque Afonsinho, do Botafogo,
homenageado numa canção de Gilberto Gil (http://youtu.be/-HHW-UoiTtg),
foi um gênio da bola que não deixava nada a dever a Dirceu Lopes,
Rivellino ou Gérson, mas teve sua carreira na Seleção bloqueada como
consequência de sua militância em favor dos direitos dos atletas.
Naquela
atmosfera de intimidação e terror, Reinaldo, com suas declarações
políticas corajosas e a famosa comemoração com o punho direito erguido,
em alusão aos Black Panthers, não demorou para chamar a atenção dos
poderosos. Para quem não o viu jogar, cabe a palavra de Romário, que não
só idolatrou Reinaldo como também já disse que o Rei foi um
centroavante superior a ele, apesar de ser menos conhecido no exterior e
ter menos conquistas. Eram características de Reinaldo a inteligência
genial para antever a jogada, o absurdo talento para driblar de forma
seca, dentro do espaço de um guardanapo, a batida fulminante com
qualquer uma das pernas, o cabeceio certeiro, apesar da baixa estatura, o
senso de colocação impressionante, a arrancada implacável e a concisão
na genialidade: Reinaldo não era jogador de encadear cinco ou seis
dribles em sequência. Era muito mais comum que ele driblasse dois ou
três defensores com um único toque. Essa capacidade de entender o espaço
do campo e a projeção dos corpos chega ao paroxismo no famoso gol de
placa contra o América-RN pelo Brasileirão de 1977, em que o Rei dribla
toda a defesa do time potiguar com um giro do tronco, sem encostar na
bola.
A partir do segundo semestre de 1977,
Reinaldo passou a defender publicamente eleições diretas, a anistia e o
fim da ditadura militar. Sob o título “Reinaldo, bom de bola e bom de
cuca”, o jornal Movimento, ligado à oposição de esquerda à ditadura,
estampava Reinaldo na capa da edição de 06 de março de 1978. Foi o
suficiente para que o Almirante Heleno Nunes, Presidente da Confederação
Brasileira de Desportos, que em janeiro de 78 havia saudado Reinaldo
como a grande revelação da Seleção (http://bit.ly/Zp8Zvw), declarasse que “Reinaldo não possui as condições físicas exigidas por uma competição de alto nível” (http://bit.ly/Zp9xBA).
Ficou clara a manobra de Heleno Nunes, que tentava excluir Reinaldo da
Seleção Brasileira na Copa de 1978, num momento em que o atacante estava
em seu auge.
Pela primeira vez desde Afonsinho,
voltava à esfera pública o debate sobre os direitos de os jogadores se
posicionarem politicamente. Reinaldo passou a receber centenas de cartas
de solidariedade, o próprio jornal Movimento fez outra matéria
denunciando a manobra e o técnico Cláudio Coutinho não teve como não
bancar a ida do Rei à Copa da Argentina. Entre os militares, o grande
medo era que, se Reinaldo marcasse um gol, ele repetisse o gesto Black
Panther já conhecido nos gramados brasileiros. A Argentina vivia,
naquele momento, uma ditadura militar sanguinária, que terminaria em
1983 com o saldo de mais de 20.000 mortos e desaparecidos. A Copa do
Mundo era, naquele ano, seu grande instrumento de propaganda.
Quando
ficou claro que não seria possível excluir da Seleção o jogador que
havia chegado à absurda marca de 1,55 gol por jogo no Campeonato
Brasileiro, o próprio Almirante Heleno Nunes e o diretor da CBD na
época, André Richer, chefe da delegação brasileira na Copa,
aconselharam-no a evitar o gesto político na comemoração dos gols.
Ninguém menos que o ditador Ernesto Geisel em pessoa se dirigiu a
Reinaldo no Palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul, com a
frase "Vai jogar bola. Deixa que a política a gente faz".
Na
estreia, Reinaldo marcou o gol do Brasil no empate em 1 x 1 contra a
Suécia e não se acovardou. Comemorou o tento com o seu gesto Black
Panther, provocando enorme mal estar entre a chefia da delegação. Depois
do jogo, Reinaldo recebeu um envelope em espanhol, vindo da Venezuela,
com supostas informações sobre a Operação Condor, a colaboração entre as
ditaduras sul-americanas para o assassinato e desaparecimento de
ativistas de esquerda ou pró-democracia. Depois do empate em 0 x 0 com a
Espanha, em que toda a equipe atuou mal, Reinaldo foi substituído por
Roberto Dinamite. No auge da carreira, reconhecido nacionalmente como um
gênio da camisa 9, Reinaldo era tirado do time e nunca mais voltaria a
jogar uma partida de Copa do Mundo pela Seleção Brasileira.
Na
próxima semana, conto a história de como Reinaldo foi vítima de
homofobia, apesar de ser hétero. Relatarei também algumas das
misteriosas circunstâncias que cercaram a sua exclusão da Copa de 1982.
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