quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A dialética da independência

Via Jornal do Brasil

 

Mauro Santayana
Entre muitos outros danos causados pelo regime militar, houve o da banalização, no pior sentido, dos símbolos nacionais, entre eles as festas da Independência. Mais do que um dia de desfiles e de discursos repetitivos, 7 de setembro deveria ser — como em algum tempo foi — motivo de reflexões sobre a nossa história e o destino que pretendemos.
Como tudo na vida dos homens, a independência das nações nunca é situação completa, conquista definitiva. Trata-se de um processo, do qual a declaração de autonomia, como a de Pedro I na beira do Riacho do Ipiranga, é apenas um episódio. A independência se faz em nossos atos cotidianos, da mesma forma que ela pode ser negada diariamente, na corrupção, na timidez, no medo, na falta de crença em nossa gente ou na submissão aos outros povos.
“A independência pode ser negada  na corrupção, na timidez, no medo”
Ao aceitar a presumida superioridade de outras nações, renegamos a nossa, da mesma forma que diminui a nossa dignidade imaginar que somos superiores a qualquer outro povo. Não podemos obrigar ninguém a amar a própria pátria, mas é do direito de qualquer nação desprezar os que a desprezam.
Não é independente a nação que, para manter o bem-estar e a segurança de seus membros, explora outras, militarmente mais débeis. Atenas e Roma foram dois impérios importantes, e os mais conhecidos da Antiguidade clássica, mas seria impróprio considerar sua soberania como independência. Independentes são os povos que mantêm, com os vizinhos, relações de igualdade, ainda que possam obter vantagens comerciais, graças ao engenho de seus homens de negócios ou à singularidade de seus recursos naturais. Quando, no entanto, sua prosperidade se assenta nas armas, por mais poderosas pareçam, elas dependem dos povos que exploram.
Tomemos exemplos mais recentes dessa negativa dialética do que convencionamos chamar Independência, o dos Estados Unidos. Como pode ser independente um país que, de acordo com seu então presidente, George Bush filho, é “viciado em energia”, e deve mover guerras distantes, a fim de garantir o suprimento de petróleo? Como se vê, não são os países árabes que dependem dos Estados Unidos.
Nenhum país do mundo foi tão bem dotado pela História, com imensos recursos naturais, entre o Pacífico e o Atlântico. Mas o sistema de vida que adotaram os fez dependentes do saqueio dos bens naturais e do trabalho semiescravo de outros povos. Assim o fizeram na América Latina, na Ásia, na África e no Oriente Médio. Não se trata de um juízo moral — embora também caiba — mas da constatação de um movimento histórico destes dois últimos séculos.
Essa análise sucinta não exclui a liderança natural de alguns povos, quando ela se exerce mediante a solidariedade, embora isso seja raro. A Realpolitic histórica mostra que, quase sem exceção, o império se exerce mediante a força ou a ameaça da força. É esta realidade que obriga as nações ao desenvolvimento científico e tecnológico e à manutenção de corpos militares bem armados e adestrados, com a esperança de que o seu emprego nunca venha a ser necessário.
Enquanto o mundo não for, em si mesmo, independente, isto é, enquanto o egoísmo, pessoal e das nações, mover os homens, vale a advertência de que a paz só se obtém mediante a expectativa da guerra.
O processo de independência, que se iniciou quando começamos a ter consciência de nação, chega, no início do século 21, a um bom momento. Daqui a onze anos fará dois séculos da criação formal do Estado brasileiro, embora a data seja apenas marco simbólico. Ainda enfrentamos dificuldades, mas já podemos considerar que o processo vem avançando, na medida em que se exerce, embora compulsoriamente pela ação do governo, a solidariedade nacional.
 O destino nos dotou de uma natureza rica, o que nos poupa de sonhos expansionistas
Com isso, ampliou-se o mercado interno, com a evolução mais rápida da economia e da cultura. É aqui que mora o perigo: os que sempre exploraram os nossos recursos e o nosso trabalho, com a cumplicidade de maus brasileiros, não titubearão em tentar conter o nosso avanço. Não podemos, confiados no êxito destas horas, baixar a guarda. Temos que empregar os recursos obtidos pela inteligência e pelos esforços de nossos trabalhadores, nos investimentos produtivos, na ciência, na tecnologia, na educação — mas, sobretudo, no fortalecimento de nosso poder bélico. O destino já nos dotou de uma natureza suficientemente rica, o que nos poupa de sonhos expansionistas, mas nos obriga a defender o nosso solo e o nosso povo com todos os recursos das armas e da honra.
É assim que devemos ver, no simbolismo da data, o compromisso da nação consigo mesma e com o destino da humanidade. Isso significa reforçar os pactos de ação solidária com os países que compartilham da mesma visão do mundo futuro que nos estimula.

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