quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Uma Rosa para a Professora

Cartapotiguar
Por  Edilson Freire Maciel
(Articulista)

 Havia uma rosa no cabelo, no vestido, sobre o birô da professora. As pétalas soltas tingiam de rubro a madeira lisa, escura, tamanho o zelo pelo ambiente de trabalho, qual extensão do próprio corpo. Dele exalava a mistura de cheiros do óleo de peroba e de rosa.
  Ninguém ousava macular aquele móvel que parecia sagrado. Por trás, o quadro negro; nele, escrito em letras cursivas, arredondadas, simétricas, a frase: Bom dia! Sob a escrivaninha, viam-se os lustrosos sapatos pretos da professora em suaves movimentos excitando olhares logo dispersos, reprimidos do desejo incestuoso para com a representação do imaginário de mãe e musa.
   O mais ousado era ser o príncipe do conto de fadas da Cinderela e encontrar, perdido, o sapatinho da professora; talvez ganhar-lhe simpatia, ou um singelo beijo. Eis a intenção de um aluno edipicamente enamorado que pulava ao tentar alcançar uma rosa pendente sobre o muro, sujar a farda de cal, arranhar mãos e braços, até conseguir arrancar um botão vermelho tal o sangue que brotava da mão furada por espinhos.
   Sensação de infinito era quando se olhava para o alto, pois a rosa parecia estar dependurada no céu, a desafiar corações arrebatadores. O esforço heroico contentava-se com um pequeno resultado, fruto de um enorme sentimento, o jarrinho de porcelana branca, manchado; dentro, um pequeno botão em fragrância adornava a sala de aula.
Havia mil rosas no coração da professora; roubaram-nas com os sonhos. Sem eles não há esperança, o trabalho transforma-se numa atividade depressiva, resume-se na relação de trabalho-pão-trabalho, resultando numa educação maçante e desmotivadora.
  O novo paradigma não fecha o círculo; deixa uma abertura para a criatividade na seguinte relação de trabalho-pão-e-poesia, eis a educação livre e criativa que transcende institucionalismos reacionários e entrópicos da superestrutura do poder, tal qual o vigiar e punir, cujo exemplo encontra-se no excelente artigo do Ilmº professor da rede estadual de ensino, Dickson de Medeiros Sales, editado no Jornal de Hoje, a 20 de Julho do corrente ano, com o título: A Greve, o Judiciário e o Professor Jumentinho.
  Nesse artigo, o professor indigna-se com a metáfora chula de um desembargador, que vilipendiou a nobre categoria dos professores, comparando-os a jumentinhos, afirmando que desde criança era contra a greve. Por ele, os educadores não deveriam receber os seus salários. Quanto maquiavelismo!
    Há uma tradição judaica que diz – O professor é mais importante do que um pai. Em nossa tradição nordestina, as boas famílias ensinavam a respeitar os mestres, considerá-los pais ou mães. Pobres dos que não os veneram; desrespeitam-nos e, com nababos vivem da injustiça.
 Haja luz nas trevas jurídicas potiguares. Não era sem razão que Santo Agostinho qualificava os Estados de “magna latrocínia”. É preciso afirmar, o rei está nu, dito não por uma criança ou bufão, na famosa expressão de Calderón de La Barca: Ao rei, tudo, menos a honra. Não precisa ter a estatura intelectual de um Calderón, basta a estatura física dos comuns dos mortais, a sensibilidade para indignar-se.
  Pedagói, escravo, professor, na infância da civilização grega, onde se originou a etimologia do substantivo professor, essa era uma profissão exercida por escravos. Infelizmente, há quem veja a realidade contemporânea com o olhar da infância da civilização ocidental greco-romana, ache que professor é escravo; o estado, único ente de direito.
  Miopia maior é conceber o mundo com o olhar da própria infância, a qual corresponde à fábula oriental do cego e o elefante, que de tanto tatear os membros do animal, nunca chegava a compreender o todo. Entender o todo é compreender as causas e as consequências, foi o que fez Moisés, ao liderar a primeira greve de pedreiros escravos no Egito, levando-os à libertação do cativeiro, sob a orientação de Deus.
  Aristófanes, 450 anos a.c., usou a temática da greve com a sua personagem Lisístrata, que fez a primeira greve de sexo da história, para evitar o recrutamento de jovens para a guerra do Peloponeso, entre Atenas e Esparta. Sem falar nos bebês, que fazem greve contra o silêncio para serem alimentados; daí a velha expressão tão conhecida: “Quem não chora não mama”. Há também os que mamam sem chorar. Não são crianças, mas adultos glutões contra tudo o que é do povo.
  Foi por compreender a história e o direito, que o historiador romano Tito Lívio, 59 anos a.c., legitimou a luta contra a opressão, ao afirmar que as armas são sagradas para quem delas necessita.
  Ser contra a greve é ir de encontro ao universalismo que rege as constituições dos países democráticos. Seria retroceder à Grécia antiga, no poder dos trinta tiranos. Dámocles, com a espada em punho, arrebatada da deusa Themis, seguindo as ordens do “deus” Thiresias, a fechar ágoras, calar vozes, derramar sangue.
Há quem tenha saudades de um passado recente, tenebroso, que enlutou a vida política brasileira, com os seus Dámocles e Thiresias. O ovo da serpente foi chocado para eclodir a falsa aurora, em que não há uma rosa no cabelo, no vestido, no birô nem prenda de botão de rosa.
 Sem metáfora, sob o sapato cor de rosa da professora, uma rosa esmagada a tingir o chão; na alma agitada, quais trigos de Van Gogh na “Tempestade”, vislumbra-se o poema de Gertrude Stein: uma rosa é uma rosa é uma rosa.

Trágico. A rosa que não é rosa!

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