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O Lugar do Movimento pela Educação
Por Murilo Leal Pereira Neto*, na Caros Amigos
A greve dos professores das universidades federais e de alguns Institutos Federais de Educação (IFETs) filiados ao Sindicato Nacional (Andes) começou no dia 17 de maio e completa 55 dias com ameaça de corte de ponto de professores e a realização, durante todo o período, de apenas uma reunião de negociações com o governo, em 12 de junho. São 56 universidades paralisadas, das 59 existentes.
No dia 13 de junho, foi deflagrada a greve dos professores e servidores técnicos administrativos dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, antigos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFTs), transformados em institutos por lei de dezembro de 2008, filiados ao Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe). Dos 38 existentes, 36 aderiram. Os estudantes, por sua vez, também estão parados em 38 universidades. Trata-se da maior greve no ensino público federal das últimas décadas, com um ímpeto e abrangência que surpreendeu a todos, a começar por seus próprios dirigentes.
Surpreendeu pela facilidade com que professores novos, recém ingressados na docência do ensino público federal com a expansão do Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), criado em 2007, e antigos, que há muito haviam se afastado da luta sindical, compreenderam a justeza do movimento e aderiram. Surpreendeu, ainda, pelo efeito “de onda”, se alastrando por universidades onde o Andes não tem seções sindicais organizadas e a Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes), pró-governo e contrário à greve, mantém hegemonia. Nestas instituições, como as federais de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, apesar da suspensão de assembleias desfavoráveis à sua linha sindical, por dirigentes do Proifes, apesar da tentativa de exclusão de professores não sindicalizados de assembleias e da realização de plebiscitos com votos secretos para a decisão sobre a deflagração das greves, o movimento cresceu, fortaleceu-se e se impôs, com a formação de comandos locais de greve que estão dirigindo o movimento. Como explicar tamanho acontecimento?
Percepções e Sentimentos
Parecem combinar-se duas percepções e sentimentos: a dos professores mais antigos, que viram seus vencimentosperderem poder de compra nos últimos anos e seu plano de carreira perder nexo e coesão com alterações aleatórias efetuadas pelo Ministério da Educação e a dos professores mais novos, concursados nos últimos cinco anos, com a expansão do Reuni, que estão, muitas vezes, trabalhando em campi sem infra-estrutura, com salas de aula superlotadas, sobrecarregados em carga horária e quantidade de disciplinas, assumindo tarefas administrativas por falta de funcionários.
Estes dois tipos de carências podem ser encontrados mais ou menos intensamente em campi mais novos ou mais antigos, ou simultaneamente em uns e outros, mas configuram um quadro nacional em que a expansão do Reuni atingiu metas quantitativas muito positivas (14 novas universidades federais desde 2003, mais de 100 novos campi, contra zero nos governo FHC) e, em contrapartida, instalou uma situação de precariedade e ameaça à qualidade mínima esperada do ensino superior em uma nação que ostenta o 6º PIB mundial. Ao invés de polos capacitados para o desenvolvimento de ensino, pesquisa e extensão, como, aliás, determina a Constituição, as universidades federais brasileiras correm o risco de se transformarem em um mero terceiro grau, com alguns poucos centros de pesquisa, repetindo o que ocorreu com a expansão da oferta de vagas no ensino fundamental nas décadas anteriores. Ouvindo, no Comando Nacional de Greve do Andes, relatos de colegas de diversos estados sobre campi novos sem condições de funcionamento, com prédios cheios de rachaduras, containeres transformados em salas de aula, barracas ao ar livre fazendo as vezes de restaurante universitários, vem a dúvida, inspirada pelo verso de Caetano Veloso (“Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína”): a expansão do Reuni está em construção ou já virou ruína?
Massa Crítica
Se o governo Lula pretendia tirar proveito político-eleitoral da expansão do ensino superior e técnico, produzindo uma massa de manobra político-eleitoral, criou na verdade uma massa crítica, que cresce com a expansão, mas luta para assegurar que os requisitos mínimos de qualidade da educação sejam cumpridos. Sem isto, mais tarde, será difícil consertar.
A greve dos docentes das universidades federais pôs na mesa para negociar com o governo e debater com a sociedade dois eixos de reivindicações: luta pela reestruturação da carreira docente e pela valorização e melhoria das condições de trabalho docente. A greve dos professores dos Institutos Federais de Educação luta por reestruturação da carreira, reposição salarial emergencial, jornada de trabalho de 30 horas para os técnicos administrativos, democratização das instituições. Os técnicos administrativos das universidades lutam por reajuste salarial, contra a terceirização e os estudantes exigem 10% do PIB para a educação pública já e uma expansão com qualidade. Estamos, portanto, diante de uma greve geral da educação federal no país. Não se trata de um movimento unificado em suas pautas e processos de negociação, mas sim em suas ações, comandos e objetivos gerais. Ao exigir 10% do PIB para a educação pública; ao denunciar o comprometimento de 47,19% do orçamento de 2013 com o pagamento da dívida pública, enquanto apenas 3,18% destinam-se à educação; ao descobrir e denunciar, como parte das atividades de greve, que as metas do superávit primário em 2012 foram amplamente superadas até agora e que a despesa com pessoal no serviço público federal vem diminuindo nos últimos anos, em proporção às receitas, a greve põe em questão um dos fundamentos da política econômica dos últimos governos, tanto de FHC, quanto de Lula e Dilma: a prioridade do pagamento da dívida, sem nenhum tipo de questionamento, auditoria ou renegociação, como forma de assegurar uma inserção subordinada, mas privilegiada, no sistema da globalização financeira.
Este debate tem sido levado às ruas, em atos públicos massivos, como o realizado na Rio+20, reunindo mais de 80 mil pessoas, e em outros menores, como os realizados na quinta-feira, dia 5, em São Bernardo do Campo (SP), na inauguração de uma Unidade de Pronto Atendimento com a presença de Lula e Dilma e, na sexta-feira, dia 6 de julho, no Rio de Janeiro, na inauguração de casas do “Minha casa, minha vida”, com a presença de Dilma. E é assim de Norte a Sul. O debate sobre verbas para investimento social versus para repasses ao capital financeiro tem sido tema de panfletos, jornais sindicais, textos nos sites, é o assunto de inúmeros blogueiros e tuiteiros do Amapá ao Rio Grande do Sul. Artigos de opinião em jornais de grande circulação assinados por personalidades como Marina Silva, denunciam o erro do governo ao apostar que pode derrotar os profissionais da educação ao invés de com eles negociar. Ações dirigidas a parlamentares de todas as esferas de poder se sucedem com regularidade. A greve é um acontecimento político nacional como foi a greve dos metalúrgicos do ABC em 1978.
Acontecimento Político de 2012
Naquele ano, causou surpresa no IV Encontro Regional de História de São Paulo, realizado em Araraquara, um texto apresentado por um estudante de mestrado, intitulado “O lugar do movimento operário”. Kazumi Munakata, autor do trabalho, abria seu artigo dizendo, contra a pauta política estabelecida pela mídia e pelo sistema, que o acontecimento político mais importante do primeiro semestre daquele ano não fora a indicação de Figueiredo para a Presidência da República, nem a candidatura dissidente de Magalhães Pinto ou mesmo a articulação da Frente Nacional de Redemocratização, mas sim a irrupção da greve metalúrgica do ABC. Arrisco-me a parafrasear o polêmico historiador, afirmando que o acontecimento político mais importante do primeiro semestre de 2012 não é a aliança entre Haddad e Maluf em São Paulo, nem a CPI do Cachoeira em Brasília e tampouco a definição da data para o julgamento do “mensalão” no STF, mas as greves dos professores, trabalhadores técnico-administrativos e estudantes da educação federal e dos demais servidores públicos federais.
A greve geral da educação federal é o acontecimento político mais importante de 2012 exatamente pelas mesmas razões que foi a greve dos metalúrgicos do ABC em 1978, embora os problemas da conjuntura política sejam diferentes, o impacto econômico imediato da greve da educação seja reduzido e o poder de mobilização social e política seja muito inferior. Dizia, então, Munakata: “Enquanto os setores oficialmente políticos emendam e remendam o quadro da legalidade existente, o movimento grevista aponta, mesmo sem um projeto explícito – mesmo porque um projeto nunca é um a priori dado, mas um eterno fazer-se – uma perspectiva de ruptura com esse marasmo”. A ruptura se dava em dois níveis: 1) ao “deitar por terra um dos cavalos de batalha do regime: o arrocho salarial, que possibilitou um padrão de acumulação de capital sem precedentes na história brasileira”; e 2) ao jogar o debate sobre e “redemocratização” em outro campo.
Não se tratava mais, dali em diante, meramente de uma passagem do Estado de exceção para o Estado de direito. Ainda segundo Munakata, “não se trata mais de combater a situação vigente meramente por ser de exceção, mas pelo seu significado; da mesma forma, a questão da democracia não se resume na legitimidade da lei, mas inclui necessariamente a questão dos trabalhadores, de sua organização livre e independente em todos os níveis, e da sua participação ativa na vida social”.
Cavalos de Batalha
Pois, a greve geral do setor federal de educação põe em questão um dos “cavalos de batalha” do atual regime, que tenta deslanchar um ciclo desenvolvimentista sem romper com os fundamentos do modelo neoliberal: a prevalência, no modelo, dos interesses do grande capital financeiro, rentista, dos credores nacionais e internacionais. Reservando metade do orçamento para o pagamento da dívida, o que sobra para fazer política econômica? E também coloca em questão um dos “nós górdios” políticos de nossa atual democracia: ao construir-se pela base, democraticamente, optando por explicitar os problemas e lutar por saídas, a greve e os sindicatos que a sustentam, colocam em xeque um novo modelo de sindicalismo no qual a CUT se transformou e a Força Sindical sempre foi: um sindicalismo em que os sujeitos da luta não são respeitados mas cooptados, as reivindicações não são discutidas, mas neutralizadas por acordos de cúpulas, em que governo e trabalhadores, patrões e empregados embarcam no mesmo barco: alguns fazendo banquetes na primeira classe, a grande maioria descascando batatas no porão. A greve da educação é portadora de um outro projeto, indica um outro caminho. A história e a luta dirão se este potencial se transformará em realidade.
*Murilo Leal Pereira Neto é professor de História da Unifesp, em Osasco (SP)
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