sábado, 14 de julho de 2012

Velhos golpistas e seus velhacos apologistas

buscado no História e Politica 

 

 por Gustavo Moreira


          As identidades dos mentores e executores do golpe de 1964 não constituem exatamente um segredo de Estado.  Sem desprezar as inevitáveis lacunas de um documento construído como exposição programática, podemos afirmar que aqueles homens, em boa parte, foram identificados em A linha política do Partido Comunista do Brasil, texto datado do governo Castelo Branco e transcrito parcialmente por Edgard Carone em obra clássica sobre a ditadura:

"Aquele punhado de militares, conhecido como o grupo da Sorbonne, constituiu-se, embora camuflado, em partido político, que se caracteriza, fundamentalmente, por seu aspecto antipopular e antinacional.  Entre os membros mais destacados do grupo contam-se Castelo Branco, Costa e Silva, Cordeiro de Farias, Bizarria Mamede, Décio Escobar, Golbery do Couto e Silva, Sizeno Sarmento, Muniz de Aragão e Ernesto Geisel.  Entre os civis podem-se citar Roberto Campos, Gouveia de Bulhões e Leitão da Cunha.  Em geral, trata-se de militares e políticos frustrados, que jamais conseguiriam, através de processos democráticos, alcançar os postos de mando da nação.  Juntaram-se a este grupo generais aproveitadores e fascistas como Justino Alves Bastos, Amauri Kruel, Mourão Filho, Carlos Luiz Guedes e outros". (CARONE, Edgard.  Movimento operário no Brasil (1964-1984).  São Paulo: Difel, 1984, p. 71)
 
             Na esteira do revisionismo inconsistente que pretende reabilitar perante a opinião pública a pretensa "contra-revolução", diversos articulistas conservadores hoje tentam converter os falecidos conspiradores em patriotas e democratas. Nesta versão, eles teriam agido com constrangimento e até desgosto quando demoliram a ordem constitucional, instigados pelo que entendiam como um avanço acelerado da subversão.        
           Como de hábito, a mitologia reacionária não resiste a uma breve excursão pela historiografia recente ou mesmo pelos registros primários da época.  Encontramos facilmente as personalidades mencionadas, em numerosas situações, por vezes muito distantes no tempo da presidência de João Goulart, envolvidas em tentativas de reverter pelas armas suas derrotas eleitorais; com a mesma frequência, a velha direita golpista, que tanto lutou contra as alas nacionalistas das Forças Armadas, surge empenhada na defesa dos lucros das multinacionais e dos interesses geopolíticos dos Estados Unidos.  Trago para os leitores uma pequena fração destes episódios, sendo que todos trazem a marca de um ou mais dos integrantes da "lista macabra".          

1937- Golpistas desastrados facilitam a execução de outro tipo de golpe:


À altura de setembro de 1937, os comandantes militares de Vargas haviam conseguido isolar a oposição nos estados principais.  Minas Gerais que, em abril do mesmo ano, havia firmado um pacto de defesa mútua com o Rio Grande do Sul e a Bahia, tornou-se cautelosa.  São Paulo, tendo fornecido o principal candidato de oposição, ficou também temeroso de uma ligação com o Rio Grande do Sul, cuja "traição" em 1932 havia deixado os paulistas impotentes diante das tropas de Vargas.  Os planos de golpe aguardavam agora algum novo movimento dramático no Rio de Janeiro.  Impacientando-se com os manejos de Vargas, Góes Monteiro recorreu a um estratagema conhecido: o Estado Maior do Exercito, de repente, "descobriu" um documento que se propunha a ser o plano de combate de uma revolução comunista.  Apresentaram uma falsificação grosseira conhecida como Plano Cohen, fabricada, como sugeria o título, pelos integralistas e entregue a Góes Monteiro por um oficial integralista, o Capitão Olímpio Mourão Filho
.  Foi levada a Dutra e a Getúlio, que a aprovaram como pretexto para o seu golpe.  (SKIDMORE, Thomas.  Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964.  São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 48)

1947- Um futuro ditador, já associado aos "poderes metropolitanos", ajuda a precipitar os comunistas na ilegalidade:  


Foi nos campos de batalha da Itália que o então tenente-coronel
Humberto Castelo Branco
começaria a destacar-se, ao lado de oficiais norte-americanos.  Mais tarde, Castelo Branco seria, ao lado de vários generais, uma das testemunhas-chave no processo em que o TSE decidiu, por 3 votos a 2, cassar o registro do PCB.  Parece remontar a essa época, portanto, a formação da elite militar que seria o núcleo dirigente do golpe de 1964. (POMAR, Pedro Estevam da Rocha.  A democracia intolerante: Dutra, Adhemar e a repressão ao Partido Comunista (1946-1950).  São Paulo: Arquivo do Estado; Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 31)

1954- Golpistas compulsivos se unem aos entreguistas em torno de Café Filho:


O vice-presidente Café Filho, potiguar, de modesta formação intelectual, assume a presidência e organiza um ministério de direita, basicamente udenista, com Eugênio Gudin (da Bond & Share) e Raul Fernandes (da Light), cuja política econômica é implementada por Clemente Mariani e


Otávio Gouveia de Bulhões.  Para o Ministério da Guerra, é nomeado o general Teixeira Lott, legalista e fiel à Constituição.  O medo era que os nacionalistas tomassem o poder pela via popular.  Quando, em 1955, foi lançada a chapa Juscelino e Jango para a presidência, Lacerda passou a atacar Goulart, tentando impedir a eleição presidencial de novembro, para o que açulou os militares. (LÓPEZ, Adriana e MOTA, Carlos Guilherme.  História do Brasil: uma interpretação.  São Paulo: Editora Senac, 2008, p. 760)  

1955- Um partidário da deposição de Getúlio tenta deslegitimar também o mandato de Juscelino:


No início de novembro de 1955, faleceu o presidente do Clube Militar- general Canrobert Pereira da Costa- um dos mais destacados conspiradores contra Getúlio.  Em uma oração fúnebre, pronunciada no enterro de Canrobert, o coronel
Bizarria Mamede, um dos signatários do memorial dos coronéis, fez o elogio do morto.  Atacou os interessados em defender uma "pseudolegalidade imoral e corrompida" e chamou de "mentira democrática" um regime presidencial que concentrava nas mãos do Executivo uma vitória da minoria.  A referência à eleição de Juscelino era óbvia.  (FAUSTO, Boris.  História do Brasil.  São Paulo: Edusp, 1998, p. 421)

Governo JK- as tendências da direita:


Grupos de interesses internacionais articularam-se com o patriciado político tradicional, e as transformações modernizadoras daí provenientes tiveram como contrapartida a desnacionalização.  Nesse contexto, numa sociedade em fase de intensa urbanização, ampliaram-se as condições para a expansão de partidos e para ação sindical.  A direita reorganiza-se (no plano ideológico e na prática), tendo à frente a UDN e Lacerda (na Tribuna da Imprensa e na Câmara); toda a imprensa (exceto a Última Hora, de Samuel Weiner) toma posição contra a Eletrobras e a favor da Light (aglutinando Eugênio Gudin,
Roberto Campos, Otávio Gouveia de Bulhões, Marcondes Ferraz e muitos outros), estimulando o golpismo- desde a tentativa de impedimento da posse de JK ao levante de Jacareacanga.  (História do Brasil: uma interpretação, pp. 723/724)

1961- Jânio Quadros renuncia, estando o vice-presidente, João Goulart, em viagem oficial à China:


Tão logo assume a presidência da República, Ranieri Mazzilli nomeia o comandante militar do Planalto, general
Ernesto Geisel, como chefe da Casa Militar.  Pede a Geisel para expedir telegrama ao vice João Goulart, através da embaixada em Paris, comunicando-lhe que assumia a presidência até seu retorno.  Mesmo depois de pronto o texto, Geisel ainda indaga se queria realmente enviá-lo, no que recebe a confirmação.  Naturalmente não era esse o papel que os ministros militares esperavam de Mazzilli. (BARBOSA, Vivaldo.  A Rebelião da Legalidade: documentos, pronunciamentos, noticiário, documentários.  Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 40)

1961- Mauro Borges, governador legalista, teme Geisel:


Mauro Borges, coronel do Exército, sabia da delicadeza da sua posição militar para o confronto.  Seus 300 soldados da Polícia Militar eram poucos para enfrentar os quase 900 integrantes dos três batalhões do Exército em Goiás, cujos comandos eram obedientes ao ministro e ao comandante do Planalto,
Ernesto Geisel.  ( A Rebelião da Legalidade, p. 143)

1961- Mauro Borges, em manifesto publicado no Jornal do Brasil, fala sobre as lideranças golpistas:


Os ministros militares e alguns poucos generais estariam tentando degradar o Congresso, tornando-o vil ajuntamento de hiletos [insetos?], ao pretender impor-lhe uma mistificação sob uma solução pseudolegal que consideraria impedido o sr. João Goulart e manteria o atual presidente da Câmara, sr. Ranieri Mazzilli, ou qualquer outro civil, que se prestasse a esse papel, na presidência da República.  Nestas condições, qualquer eleição, que convocassem, não passaria de uma farsa, pois não haveria liberdade no clima de tensão popular reinante e adredemente preparado.  Duas conclusões resultam desses fatos, caso o Congresso se submeta à pressão dos ministros militares, manipulados, ao que parece, pelo general
Cordeiro de Farias.  (A Rebelião da Legalidade, p. 144)

1961/1963- O caixa dos golpistas:    


O IPES era uma entidade sofisticada, pretensamente científica, e ligou-se à Escola Superior de Guerra, aliciando os generais

Golbery do Couto e Silva, Heitor de Almeida Herrera e muitos outros, reformados ou na ativa.  Sua influência estendeu-se também aos jornais e a outros órgãos de divulgação, sustentada não apenas pelas verbas que espalhava, diretamente, como pelo interesse das agências de publicidade, manipuladoras das contas das grandes empresas estrangeiras.  Estas contribuíram com grandes somas para a atuação do IPES.  Somente a Light & Power, entre dezembro de 1961 e agosto de 1963, concorreu mensalmente para a sua caixa com a quantia de Cr$ 200 mil, autorizada por um de seus diretores, Antônio Galotti.  (BANDEIRA, Luiz Alberto Muniz.  O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil, 1961-1964.  Rio de Janeiro: Revan; Brasília: UnB, 2001, p. 82)

1963- As articulações "patrióticas":


(...) o general Ray E. Bell chegara ao Brasil, numa fortaleza-voadora, e o brigadeiro Eduardo Gomes, que tramava contra o governo fora recebê-lo.  "Esse general"- Goulart acrescentou- "esteve com o general
Castello Branco e até mesmo o meu ministro da Guerra o visitou".  Provavelmente também soube que ele almoçou com o embaixador Lincoln Gordon no dia 4 de dezembro de 1963.  As atividades do coronel Vernon Walters, no Brasil, eram ainda mais sintomáticas e apontavam a extensão do conluio.  Ele estava engajado em uma Track B operation, embora Lincoln Gordon posteriormente o negasse, dizendo que, se ela houve, foi com sucesso cancelada, sem que ele tivesse qualquer evidência disso.  Os relatórios do SFICI falavam de seus encontros com os generais
Golbery do Couto e Silva, Ayrton Salgueiro de Freitas, Hugo Bethlem, Cordeiro de Farias,
Juraci Magalhães, Nelson de Melo, brigadeiro Eduardo Gomes, e de suas viagens a Belo Horizonte, onde seu reunia, na residência do Cônsul, com o governador José Magalhães Pinto e o generalCarlos Luís Guedes, comandante da 4a Divisão de Infantaria e elemento de confiança do marechal Odylio Denys. (O governo João Goulart, p. 149)


Apesar de todos os malabarismos retóricos que presenciamos em alguns órgãos da mídia burguesa e em certos sites, o golpe continua e deve continuar relegado a seu posto de direito: a lata de lixo da História do Brasil.

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