Novas revelações sobre o desaparecimento do jornalista brasileiro Edmur Péricles Camargo – que, conforme documentos sigilosos agora abertos à consulta pública, teria sido preso pela polícia argentina em 1971 – comprovam que os aparatos repressivos da América Latina já mantinham estreitas relações de cooperação muito antes da oficialização da Operação Condor, a aliança político-militar firmada em 1975 entre os governos do Brasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Najla Passos - Brasília
Brasília - Documentos sigilosos da ditadura, tornados públicos após o início da vigência da Lei de Acesso à Informação, ajudam a esclarecer as circunstâncias da prisão e do desaparecimento do jornalista Edmur Péricles Camargo, classificadas pela Comissão de Mortos e Desaparecidos como ainda mais imprecisas do que as dos demais desaparecidos políticos do país. E indicam que a ditadura brasileira mantinha estreitas relações de cooperação com os aparatos repressivos dos países vizinhos muito antes da oficialização da Operação Condor, a aliança político-militar firmada entre os governos ditatoriais do Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e Argentina, em 1975, que resultou na perseguição de militantes de esquerda de nacionalidades diversas.
Edmur, também conhecido como Gauchão, foi um dos 70 presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, sequestrado no Brasil pela VPR, organização de esquerda que atuava contra o regime. Banido do país, Gauchão buscou exílio no Chile socialista do ex-presidente Salvador Allende, onde continuou atuando contra a ditadura, em contato permanente com outros exilados brasileiros até 16 de junho de 1971, quando embarcou em um voo de carreira da Lan-Chile, com destino à Montevidéu, no Uruguai. Entretanto, não chegou a desembarcar. E nunca mais foi visto.
Levantamento sobre os mortos e desaparecidos políticos feito pelo Grupo Tortura Nunca Mais aponta que Edmur teria desaparecido em 1974, quando tentava retornar clandestinamente ao Brasil. A Comissão de Mortos e Desaparecidos, que o reconheceu como desparecido político em 1995, adota junho de 1974 como data provável do seu desaparecimento. Mas ressalta a imprecisão do registro ao acrescentar que um relatório da Marinha informa que ele foi preso em 1975, por policiais brasileiros e argentinos, quando o avião em que viajava do Chile para o Uruguai fez pouso em Buenos Aires.
Documentos do Serviço Nacional de Informação (SNI), o órgão de inteligência da ditadura, e do Centro de Informações do Exterior (Ciex), o serviço secreto implantado pelo Itamaraty para auxiliar o regime, agora abertos à consulta pública, revelam que a prisão realmente se deu em território argentino, mas quatro anos antes. Mais precisamente no mesmo dia 16 de junho de 1971, em que outros exilados brasileiros no Chile tiveram contato pela última vez com o jornalista.
No dia 19 de junho de 1971, o SNI divulgou um alerta, acusando a descoberta do “Plano Geral de Ação para a Revolução Brasileira”. Segundo o informe, o plano previa a retomada da atividade terrorista de esquerda no Brasil, a partir da exploração dos antagonismos entre as principais repúblicas da América Latina e o Brasil, da adesão das unidades das forças revolucionárias favoráveis, da criação de uma escola de quadros político, militar, técnico revolucionários e da execução de ações combinadas de sabotagem, guerra psicológica e guerrilha.
No dia 30 de junho de 1971, novo relatório do SNI detalhava que o plano subversivo foi apreendido em poder de Edmur Péricles Camargo. “O terrorista brasileiro EPC, banido e asilado político no Chile, foi preso na Argentina, em 16 de junho de 1971, quando passava naquele território, e entregue às autoridades brasileiras”, revela o documento. Ainda segundo o informe, o plano, de autoria do exilado Amarildo Vasconcellos, deveria ser aplicado no Brasil pela VPR e fora, inclusive, entregue à Allende, objetivando o apoio do governo chileno ao “processo revolucionário brasileiro”.
Em agosto, o Ciex informou que os exilados brasileiros haviam pedido ao governo chileno providências sobre o desaparecimento do colega que, na condição de asilado, estaria sob sua responsabilidade. No mês seguinte, o serviço de inteligência do Itamaraty expediu novo comunicado relatando que o Ministério do Interior do Chile teria confirmado aos asilados brasileiros a prisão de Edmur na Argentina e que iria solicitar sua devolução. Comentava também que os asilados estavam em pânico, porque teriam sido informados de que a polícia argentina dispunha de uma lista de cerca de 15 mil brasileiros, entre deliquentes comuns e subversivos foragidos, que deveriam ser presos, caso cruzassem o território do país.
Documento produzido pelo Ciex em 16 de fevereiro de 1972 revelou o resultado da investigação para saber como a notícia da prisão de Edmur na Argentina havia chegado até os brasileiros. Segundo o relatório, a informação fora repassada pela chilena Sônia Lafoz, espiã do serviço secreto cubano. De acordo com as informações dos agentes do Itamaraty, Sônia mantinha uma relação amorosa com o então adido naval do Brasil no Chile, identificado apenas como Jordão, que teria comentado com ela sobre a prisão do brasileiro. “Ela contou aos banidos brasileiros que Jordão recebeu noticias da viagem de Edmur, que transmitira mensagem ao adido de Buenos Aires, que organizou a ‘operação prisão’”, diz o relatório.
O militante Edmur
Nascido em São Paulo, em 1914, Edmur Péricles Camargo foi militante do PCB, tendo atuado ativamente nas mobilizações camponesas que o partido dirigiu, entre 1951 e 1953, na região de Porecatu, no Paraná. Exilado no Uruguai depois de abril de 1964, retornou ao Brasil e trabalhou em duas publicações do PCB, Tema e Combate. Conforme informações da Comissão de Mortos e desaparecidos Políticos, acompanhou Marighella na cisão do partido que gerou o Agrupamento Comunista de São Paulo, depois ALN. Também militou na Val-Palmares, a mesma organização clandestina em que atuou a presidenta Dilma Rousseff.
Os vários dossiês sobre ele que constam nos arquivos dos órgãos de segurança do regime militar apontam que Gauchão assassinou, por ordem de Mariguella, o latifundiário José Gonçalves Conceição, o Zé Dico, acusado de perseguir, agredir e matar sem-terra da região de Presidente Epitácio (SP). O jornalista foi um dos fundadores da pequena organização clandestina M3G (Marx, Mao, Marighella e Guevara), para a qual realizou, entre 1969 e 1970, pelo menos cinco assaltos a bancos do Rio Grande do Sul. Acabou preso nas dependências do DOPS em Porto Alegre.
Documentos do Ciex comprovam que, no Chile, ele participou da elaboração do “Plano Geral de Ação para a Revolução Brasileira”, ao lado de outros exilados brasileiros, como o coronel Jefferson Cardin, que também desapareceu posteriormente, provavelmente em território argentino.
Edmur, também conhecido como Gauchão, foi um dos 70 presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, sequestrado no Brasil pela VPR, organização de esquerda que atuava contra o regime. Banido do país, Gauchão buscou exílio no Chile socialista do ex-presidente Salvador Allende, onde continuou atuando contra a ditadura, em contato permanente com outros exilados brasileiros até 16 de junho de 1971, quando embarcou em um voo de carreira da Lan-Chile, com destino à Montevidéu, no Uruguai. Entretanto, não chegou a desembarcar. E nunca mais foi visto.
Levantamento sobre os mortos e desaparecidos políticos feito pelo Grupo Tortura Nunca Mais aponta que Edmur teria desaparecido em 1974, quando tentava retornar clandestinamente ao Brasil. A Comissão de Mortos e Desaparecidos, que o reconheceu como desparecido político em 1995, adota junho de 1974 como data provável do seu desaparecimento. Mas ressalta a imprecisão do registro ao acrescentar que um relatório da Marinha informa que ele foi preso em 1975, por policiais brasileiros e argentinos, quando o avião em que viajava do Chile para o Uruguai fez pouso em Buenos Aires.
Documentos do Serviço Nacional de Informação (SNI), o órgão de inteligência da ditadura, e do Centro de Informações do Exterior (Ciex), o serviço secreto implantado pelo Itamaraty para auxiliar o regime, agora abertos à consulta pública, revelam que a prisão realmente se deu em território argentino, mas quatro anos antes. Mais precisamente no mesmo dia 16 de junho de 1971, em que outros exilados brasileiros no Chile tiveram contato pela última vez com o jornalista.
No dia 19 de junho de 1971, o SNI divulgou um alerta, acusando a descoberta do “Plano Geral de Ação para a Revolução Brasileira”. Segundo o informe, o plano previa a retomada da atividade terrorista de esquerda no Brasil, a partir da exploração dos antagonismos entre as principais repúblicas da América Latina e o Brasil, da adesão das unidades das forças revolucionárias favoráveis, da criação de uma escola de quadros político, militar, técnico revolucionários e da execução de ações combinadas de sabotagem, guerra psicológica e guerrilha.
No dia 30 de junho de 1971, novo relatório do SNI detalhava que o plano subversivo foi apreendido em poder de Edmur Péricles Camargo. “O terrorista brasileiro EPC, banido e asilado político no Chile, foi preso na Argentina, em 16 de junho de 1971, quando passava naquele território, e entregue às autoridades brasileiras”, revela o documento. Ainda segundo o informe, o plano, de autoria do exilado Amarildo Vasconcellos, deveria ser aplicado no Brasil pela VPR e fora, inclusive, entregue à Allende, objetivando o apoio do governo chileno ao “processo revolucionário brasileiro”.
Em agosto, o Ciex informou que os exilados brasileiros haviam pedido ao governo chileno providências sobre o desaparecimento do colega que, na condição de asilado, estaria sob sua responsabilidade. No mês seguinte, o serviço de inteligência do Itamaraty expediu novo comunicado relatando que o Ministério do Interior do Chile teria confirmado aos asilados brasileiros a prisão de Edmur na Argentina e que iria solicitar sua devolução. Comentava também que os asilados estavam em pânico, porque teriam sido informados de que a polícia argentina dispunha de uma lista de cerca de 15 mil brasileiros, entre deliquentes comuns e subversivos foragidos, que deveriam ser presos, caso cruzassem o território do país.
Documento produzido pelo Ciex em 16 de fevereiro de 1972 revelou o resultado da investigação para saber como a notícia da prisão de Edmur na Argentina havia chegado até os brasileiros. Segundo o relatório, a informação fora repassada pela chilena Sônia Lafoz, espiã do serviço secreto cubano. De acordo com as informações dos agentes do Itamaraty, Sônia mantinha uma relação amorosa com o então adido naval do Brasil no Chile, identificado apenas como Jordão, que teria comentado com ela sobre a prisão do brasileiro. “Ela contou aos banidos brasileiros que Jordão recebeu noticias da viagem de Edmur, que transmitira mensagem ao adido de Buenos Aires, que organizou a ‘operação prisão’”, diz o relatório.
O militante Edmur
Nascido em São Paulo, em 1914, Edmur Péricles Camargo foi militante do PCB, tendo atuado ativamente nas mobilizações camponesas que o partido dirigiu, entre 1951 e 1953, na região de Porecatu, no Paraná. Exilado no Uruguai depois de abril de 1964, retornou ao Brasil e trabalhou em duas publicações do PCB, Tema e Combate. Conforme informações da Comissão de Mortos e desaparecidos Políticos, acompanhou Marighella na cisão do partido que gerou o Agrupamento Comunista de São Paulo, depois ALN. Também militou na Val-Palmares, a mesma organização clandestina em que atuou a presidenta Dilma Rousseff.
Os vários dossiês sobre ele que constam nos arquivos dos órgãos de segurança do regime militar apontam que Gauchão assassinou, por ordem de Mariguella, o latifundiário José Gonçalves Conceição, o Zé Dico, acusado de perseguir, agredir e matar sem-terra da região de Presidente Epitácio (SP). O jornalista foi um dos fundadores da pequena organização clandestina M3G (Marx, Mao, Marighella e Guevara), para a qual realizou, entre 1969 e 1970, pelo menos cinco assaltos a bancos do Rio Grande do Sul. Acabou preso nas dependências do DOPS em Porto Alegre.
Documentos do Ciex comprovam que, no Chile, ele participou da elaboração do “Plano Geral de Ação para a Revolução Brasileira”, ao lado de outros exilados brasileiros, como o coronel Jefferson Cardin, que também desapareceu posteriormente, provavelmente em território argentino.
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