domingo, 5 de junho de 2011

O desmonte da Infraero

GilsonSampaio

É indispensável para a compreensão do Brasil a leitura de Aloysio Biondi – O Brasil Privatizado. No livro de apenas 85 páginas pode-se constatar o crime de lesa-pátria perpetrado pelos fariseus tucanos com a indispensável ajuda da mídia venal.

O Brasil Privatizado IO Brasil Privatizado II


“Povo duplamente lesado
O governo Fernando Henrique Cardoso implantou as privatizações a preços baixos, financiou os “compradores”, sempre alegando não haver outros caminhos possíveis. A experiência de outros países, que a equipe de governo conhecia muito bem, mostra que essa argumentação é falsa. Como foi possível ao governo agir com tal autoritarismo, transferindo o patrimônio público, acumulado ao longo de décadas, a poucos grupos empresariais que nem sequer tinham dinheiro para pagar ao Tesouro? Como explicar a falta de reação da sociedade?” 



Mauricio Dias
Na terça-feira 31 de maio, a presidenta Dilma Rousseff anunciou a concessão de três aeroportos, Guarulhos, Viracopos (Campinas) e Brasília, que passarão ao controle societário da iniciativa privada, que, também, será responsável pela operação desses locais.
Dois dias depois, foi anunciado que também serão privatizados os aeroportos do Galeão, no Rio de Janeiro, e Confins, em Belo Horizonte.
A presidenta Dilma Rousseff ignorou o documento elaborado pela Infraero e encaminhado às autoridades competentes pelo conselho de administração da empresa, que aniquila inteiramente o relatório da multinacional McKinsey, que, contratada pelo governo, elaborou o relatório Estudo do Setor do Transporte Aéreo no Brasil, que norteia as decisões tomadas agora.
Uma observação à parte: a iniciativa mostra um descaso absoluto com a engenharia nacional.
Se o governo supôs que os técnicos nacionais optariam pela manutenção do modelo (estatal) existente, deveria considerar que as empresas estrangeiras, como a McKinsey, estão inevitavelmente comprometidas com o processo de privatização.
O modelo da concessão prevê a entrega de 51% do controle dos aeroportos para os investidores privados. A Infraero ficará com 49%. Isso marca uma mudança de modelo que, na prática, significa a implosão da Infraero, uma das mais bem-sucedidas empresas aeroportuárias do mundo.
Criada na década de 1970, a Infraero administra hoje 67 aeroportos, 34 terminais logísticos de cargas, torres de controle e outros meios auxiliares de navegação aérea. Nesse estoque, formado também para atender a conveniências políticas, é possível notar que a empresa administra aeroportos pequenos como o Júlio César, em Belém (PA), com 30 mil passageiros por ano, e gigantes como Cumbica, em Guarulhos (SP), com 20 milhões.
Dilma anuncia a decisão a governadores e prefeitos. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
A concessão muda radicalmente a lógica do sistema implantado no Brasil, que, na verdade, reflete o modelo de países de dimensões continentais, como o nosso, nos quais o serviço aéreo é um meio essencial para o transporte de pessoas e mercadorias. Isso significa que o estado não pode abrir mão do controle do sistema. É o que o Brasil está fazendo agora.
Curioso é que os nossos “patriotas”, que olham para os Estados Unidos com o sentimento de que admiram a sociedade perfeita, desconheçam que, lá, o poder público controla o sistema aeroportuário.
Todos os grandes aeroportos do mundo, excetuando Londres e Cingapura, são controlados e operados por empresas públicas. No Brasil, isso permite que os aeroportos lucrativos, como os do Rio e São Paulo, financiem aqueles de pequeno movimento, como Londrina (PR) e Cuiabá (MT), que, no entanto, são também essenciais para a economia nacional. Os lucrativos financiam os não lucrativos.
Pergunta: a iniciativa privada sustentará isso? Claro que não. E isso faz sentido. Mas será justo os
empresários ficarem com o filé e o Estado com o osso?
O sistema federal que, a partir de agora, começa a ser desmontado em benefício das regras ortodoxas da privatização seguiu cegamente à seleção feita pela McKinsey, que se norteou somente pelos grupos interessados na privatização.
Tudo isso foi precedido pelas tentativas de sufocar a Infraero e provocar pequenos escândalos inspirados pelos interesses privados, em detrimento das necessidades dos usuários. Um exemplo: as tarifas portuárias nos custos operacionais das empresas aéreas, de 1,5%, estão bem abaixo da média internacional, de 3,8%.
Abaixo, notas sobre os acontecimentos da semana.

ANDANTE MOSSO

Palocciana (1)

Entre 2006 e 2010, Antonio Palocci aumentou o patrimônio em pelo menos 20 vezes. Mas não é um fato raro entre os políticos, como mostra a Transparência Brasil (tabela).

A amostra leva em conta parlamentares em exercício nas 55 principais casas legislativas do País – Senado, Câmara Federal, Assembleias e Câmaras de Vereadores – dos partidos com mais de 20 representantes no conjunto das casas, que, em 2006 e 2010, declararam pelo menos 10 mil reais de patrimônio.
Fonte: Transparência Brasil
Não é preciso ter muita argúcia para perceber, como deduz com ironia Claudio Weber Abramo, da Transparência, que ser político “é um excelente negócio”.
Afinal, quem tem variação patrimonial dessa ordem em quatro anos?

Palocciana (2)

A recusa de Antonio Palocci, ministro-chefe da Casa Civil, em divulgar o nome dos clientes da consultora Projeto, da qual é dono, estimula as dúvidas em torno do fabuloso faturamento da empresa em espaço de tempo tão curto.

O argumento da confidencialidade, usado à exaustão, não resiste à reles obviedade de que a cláusula protege o teor do serviço e não o nome da empresa.

Palocciana (3)

Quem ainda tiver dúvida sobre o fiador do atual titular da Casa Civil deve ir à página 17 do livro Sobre Formigas e Cigarras, de Antonio Palocci, lançado em 2007.

Lá há registro de uma conversa de Lula com o autor, além de José Dirceu e Aloizio Mercadante, logo após a eleição de 2002:
“Entre vocês eu quero o ministro da Fazenda e o ministro-chefe da Casa Civil (…) Se o Zé ficar no Congresso, o Palocci irá para a Casa Civil e o Mercadante fica na Fazenda. Se o Mercadante ficar no Senado, então o Palocci será o ministro da Fazenda”.
Mercadante foi para o Senado, Zé para a Casa Civil e Palocci para a Fazenda.

Sujou!

Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, pode ficar sem os principais prováveis candidatos

à prefeitura da cidade, em 2012.
Vamos lá: o prefeito Paulo Mustrangi (PT) e o ex-prefeito Rubens Bomtempo (PSB) acabam de ser condenados por improbidade administrativa, na 4ª Vara Cível.
Por pouco, Gilmar Mendes não virou nome de avenida. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
O martelo implacável da juíza Cristiane Ferrari, na mesma Vara, condenou também o deputado estadual Bernardo Rossi, pré-candidato do PMDB, por uso ilícito de verbas da publicidade oficial
da Câmara de Vereadores, que ele presidia, em 2010. Reconhecidas essas decisões, em segunda instância, elas tornam todos eles inelegíveis com base na Lei da Ficha Suja.

Batismo de fogo

Finalmente! Após seis anos de tramitação, a juíza Patrícia Ceni, da 4ª Vara Cível de Diamantino (MT), abriu prazo para as alegações finais na ação popular movida contra a denominação, “Avenida Gilmar Mendes”, em homenagem ao ministro do STF.

Como se sabe, é ilegal “batizar” bens públicos com nomes de pessoas vivas.
O advogado Lauro Barreto fará as alegações finais em poucas linhas e diz acreditar que, “se o ministro mudar a conduta, talvez ele faça jus a uma homenagem similar. Mas só após ter falecido”.

STF: Último capítulo?
O ministro Carlos Ayres Britto vai solicitar imediatamente a inclusão, na pauta do STF, de ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a emenda constitucional que estabeleceu regras para o pagamento de precatórios judiciais.
Caso isso ocorra, abre-se a possibilidade de um desfecho ao longo do mês de junho.
Pagamento de precatórios no Brasil é uma novela desgastante para o Judiciário, por provocar prejuízos aos credores públicos. A soma de interesses, os legais e os nebulosos, pode ser medida pela quantidade de dinheiro em jogo.
O volume estimado pelo Conselho Nacional de Justiça aproxima-se de 85 bilhões de reais. Flávio Brando, presidente da Comissão Especial de Defesa dos Credores Públicos da OAB, acredita que o valor pode chegar a 100 bilhões de reais.
“Como os tribunais não sabem atuar com relação aos precatórios, desde que a emenda constitucional foi editada, os recursos à disposição para o pagamento das dívidas ficam nos cofres do Judiciário”, observa Ophir Cavalcante, presidente da OAB.
Para ele, isso põe em risco a segurança jurídica.


Mauricio Dias
Maurício Dias é jornalista, editor especial e colunista da edição impressa de CartaCapital. A versão completa de sua coluna é publicada semanalmente na revista. mauriciodias@cartacapital.com.br

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