Via MST
Do Jornal da Ciência
A
tramitação da MP 571/2012 do Código Florestal foi concluída no
Congresso e retorna para apreciação da presidente da República. Confira a
íntegra da carta encaminhada pela SBPC e ABC para a presidente Dilma
Rousseff.
Senhora Presidenta,
A
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia
Brasileira de Ciências (ABC) vêm mais uma vez manifestar sua preocupação
com o Código Florestal, desta vez por meio de alterações na MP 571/2012
aprovadas pelo Congresso Nacional, que representam mais retrocessos, e
graves riscos para o País.
O Brasil deveria
partir de premissas básicas que ele próprio aprovou em fóruns
internacionais, como na Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável. O documento aprovado na Rio+20, denominado
“O Futuro que Queremos”, ressalta o compromisso com um futuro
sustentável para o planeta de modo que haja a integração equilibrada das
dimensões social, econômica e ambiental.
O
documento reconhece a importância da colaboração da comunidade
científica e tecnológica para o desenvolvimento sustentável e o
fortalecimento da conexão entre a ciência e as políticas, mediante
avaliações científicas confiáveis que facilitem a adoção de decisões
informadas.
Reafirma a necessidade de promover,
fortalecer e apoiar uma agricultura mais sustentável, que melhore a
segurança alimentar, erradique a fome e seja economicamente viável, ao
mesmo tempo em que conserva as terras, a água, os recursos genéticos
vegetais e animais, a diversidade biológica e os ecossistemas e aumente a
resiliência à mudança climática e aos desastres naturais.
Também
reconhece a necessidade de manter os processos ecológicos naturais que
sustentam os sistemas de produção de alimentos. Além disto, ressalta os
benefícios sociais, econômicos e ambientais que as florestas, seus
produtos e serviços, podem proporcionar para as pessoas e para as
economias. Para que isto ocorra, os países concordaram em envidar
esforços para o manejo sustentável das florestas, a recomposição, a
restauração e o florestamento, para aumentar as reservas florestais de
carbono.
Com a aprovação da MP 571/2012 pelo
Senado o Brasil deixará de cumprir os compromissos que assumiu com seus
cidadãos e com o mundo, aprovando medidas que não privilegiam a
agricultura sustentável e que não reconhecem a colaboração da ciência e
da tecnologia nas tomadas de decisão.
A ABC e a SBPC são contra as seguintes alterações na MP 571/2012:
Definição de Pousio sem delimitação de área
Foi
alterada a definição de pousio incluída pela MP, retirando o limite de
25% da área produtiva da propriedade ou posse (Art. 3o inciso XXIV).
Para a ABC e SBPC as áreas de pousio deveriam ser reconhecidas apenas à
pequena propriedade ou posse rural familiar ou de população tradicional,
como foram até o presente, sem generalizações. Além disto, deveriam
manter na definição o percentual da área produtiva que pode ser
considerada como prática de interrupção temporária das atividades
agrícolas.
Redução da obrigação de recomposição da vegetação às margens dos rios
O
texto aprovado pelo Senado Federal beneficiou as médias e grandes
propriedades rurais, alterando o Art. 61-A da MP 571/2012. Nele, a área
mínima obrigatória de recuperação de vegetação às margens dos rios
desmatadas ilegalmente até julho de 2008 foi reduzida. As APPs não podem
ser descaracterizadas sob pena de perder sua natureza e sua função. A
substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a definição
das APPs torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país,
particularmente na Amazônia e no Pantanal, onde são importantes para a
conservação da biodiversidade, da manutenção da qualidade e quantidade
de água, e de prover serviços ambientais, pois elas protegem vidas
humanas, o patrimônio público e privado de desastres ambientais.
Redução
das exigências legais para a recuperação de nascentes dos rios. A
medida provisória também consolidou a redução da extensão das áreas a
serem reflorestadas ao redor das nascentes. Apesar de que a MP considera
como Área de Preservação Permanente (APP) um raio de 50 metros ao redor
de nascente, a MP introduziu a expressão “perenes” (Art. 4o, inciso
IV), com o intuito de excluir dessas exigências as nascentes
intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com menor
disponibilidade anual de água. Para fins de recuperação, nos casos de
áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno
de nascentes e olhos d’água perene, é admitida a manutenção de
atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo
obrigatória a recomposição do raio mínimo de 15 (quinze) metros (Art.
61-A § 5º).
Reflorestamento de nascentes e matas
ciliares com espécies arbóreas frutíferas exóticas. É inaceitável
permitir a recuperação de nascentes e matas ciliares com árvores
frutíferas exóticas, ainda mais sem ser consorciada com vegetação
nativa, em forma de monocultivos em grandes propriedades. Os cultivos de
frutíferas exóticas exigem em geral uso intensivo de agrotóxicos, o que
implicará contaminação direta dos cursos de água (Art. 61-A, inciso V).
Áreas de Preservação Permanente no Cômputo das Reservas Legais
As
Áreas de Preservação Permanente não podem ser incluídas no cômputo das
Reservas Legais do imóvel. As comunidades biológicas, as estruturas e as
funções ecossistêmicas das APPs e das reservas legais (RLs) são
distintas. O texto ainda considera que no referido cômputo se poderá
considerar todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal, ou
seja, regeneração, recomposição e compensação (Art. 15 § 3o ). A ABC e a
SBPC sempre defenderam que a eventual compensação de déficit de RL
fosse feita nas áreas mais próximas possíveis da propriedade, dentro do
mesmo ecossistema, de preferência na mesma microbacia ou bacia
hidrográfica. No entanto, as alterações na MP 571/2012 mantêm mais ampla
a possibilidade de compensação de RL no âmbito do mesmo bioma, o que
não assegura a equivalência ecológica de composição, de estrutura e de
função. Mantido esse dispositivo, sua regulamentação deveria exigir tal
equivalência e estipular uma distância máxima da área a ser compensada,
para que se mantenham os serviços ecossistêmicos regionais. A principal
motivação que justifica a RL é o uso sustentável dos recursos naturais
nas áreas de menor aptidão agrícola, o que possibilita conservação da
biodiversidade nativa com aproveitamento econômico, além da
diversificação da produção.
Redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico
O
Art. 61-B, introduziu a mudança que permite que proprietários
possuidores dos imóveis rurais, que em 22 de julho de 2008, detinham até
10 (dez) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris
nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente, recomponham
até o limite de 25% da área total do imóvel, para imóveis rurais com
área superior a 4 (quatro) e até 10 (dez) módulos fiscais, excetuados
aqueles localizados em áreas de floresta na Amazônia Legal. Este
dispositivo permitirá a redução da área de recomposição no Cerrado
Amazônico. Toda a Amazônia Legal seguia regras mais rígidas. Com a
mudança, apenas áreas de florestas da Amazônia Legal ficam excluídas do
limite de 25%.
Delegação aos Estados para
definir, caso a caso, quanto os grandes proprietários devem recuperar de
Áreas de Preservação Permanente (APPs) ilegalmente desmatadas. A
delimitação de áreas de recuperação, mantidos os parâmetros mínimos e
máximos definidos pela União, foi remetida para o Programa de
Regularização Ambiental (PRA) a delimitação de áreas de recuperação.
Atualmente esta competência é compartilhada entre municípios, Estados e
governo federal. Determinar que cada estado defina o quanto os grandes
proprietários terão de recuperar das áreas de preservação irregularmente
desmatadas, pode incentivar uma “guerra ambiental”.
Diminuição da proteção das veredas
O
texto até agora aprovado diminuiu a proteção às veredas. A proposta
determina ainda que as veredas só estarão protegidas numa faixa
marginal, em projeção horizontal, de 50 metros a partir do “espaço
permanentemente brejoso e encharcado” (Art. 4o, inciso XI), o que
diminui muito sua área de proteção. Antes, a área alagada durante a
época das chuvas era resguardada. Além desse limite, o desmatamento será
permitido. As veredas são fundamentais para o fornecimento de água,
pois são responsáveis pela infiltração de água que alimenta as nascentes
da Caatinga e do Cerrado, justamente as que secam durante alguns meses
do ano em função do estresse hídrico.
Regularização das atividades e empreendimentos nos manguezais
O
artigo 11-A, incluído pela MP, permite que haja nos manguezais
atividades de carcincultura e salinas, bem como a regularização das
atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e
implantação tenham ocorrido antes de 22 de julho de 2008 (§§ 1o 6º). Os
manguezais estão indiretamente protegidos pelo Código Florestal desde
1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia.
Esse artigo, além de promover a regularização de áreas desmatadas
irregularmente, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de
criações de camarões.
Senhora Presidenta, se
queremos um futuro sustentável para o País, se queremos promover o
desenvolvimento do Brasil, se queremos que a agricultura brasileira
perdure ao longo do tempo com grande produtividade, que minimizemos os
efeitos das mudanças climáticas, que mantenhamos nosso estoque de água,
essencial para a vida e para a agricultura, que protejamos a rica
biodiversidade brasileira, temos que proteger nossas florestas.
Portanto
solicitamos cordial e respeitosamente que Vossa Excelência atue para
garantir que os itens acima apontados sejam considerados na MP 571/
2012, aprovada pelo Senado Federal.
Atenciosamente,
Helena B. Nader
Presidente SBPC
Jacob Palis
Presidente ABC
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