buscado no Gilson Sampaio
Via Jornal do Brasil
“O corporativismo, no Brasil, não se limita aos interesses econômicos, embora neles encontre seus esteios mais sólidos. As representações parlamentares se dividem entre as sindicais (de patrões, como a CNI, a CNA, a CNT, e a Febraban e de empregados, sem nenhum poder de fogo econômico), as religiosas e as empresariais. Os banqueiros, os industriais, as empresas multinacionais, os barões do agronegócio, os grandes mineradores, os exportadores e importadores, mantêm, encabrestadas, suas bancadas particulares, tanto no Senado como na Câmara dos Deputados”.
Mauro Santayana
O
veto da presidente Dilma Rousseff a alguns dispositivos do Código
Florestal provocou a reação irada dos representantes do agronegócio no
Congresso e na imprensa. A questão, além de sua atualidade, retorna à
velha discussão sobre o problema crucial do Estado moderno, que surgiu
das duas grandes revoluções políticas de nossa idade, a de 1789 e a de
1844. Trata-se da natureza e dos valores da democracia, e das
dificuldades do sistema parlamentar representativo, segundo os dois
magníficos ensaios de Hans Kelsen, Da natureza e dos valores de democracia e O problema do parlamentarismo, ambos editados nos anos 20.
O fascismo corporativista retorna nos estados republicanos modernos
Kelsen
mostra as dificuldades do sistema baseado na representação popular para
demolir a atração pela representação “orgânica”, que foi a essência do
fascismo corporativista, em ascensão naquele tempo e que retorna,
solerte, nos estados republicanos modernos — de maneira nem sempre
embuçada. É o que ocorre também no Brasil.
As
representações corporativas penetram nos partidos, como infecção fatal
para a democracia, e os dominam, para além de seus órgãos dirigentes.
Preocupados, na maioria das vezes, com o varejo da política, os
estudiosos e analistas desprezam essa deformação do sistema político
nacional, que ofende os princípios democráticos e faz do Parlamento uma
câmara corporativa, no modelo do fascismo italiano.
O
corporativismo, no Brasil, não se limita aos interesses econômicos,
embora neles encontre seus esteios mais sólidos. As representações
parlamentares se dividem entre as sindicais (de patrões, como a CNI, a
CNA, a CNT, e a Febraban e de empregados, sem nenhum poder de fogo
econômico), as religiosas e as empresariais. Os banqueiros, os
industriais, as empresas multinacionais, os barões do agronegócio, os
grandes mineradores, os exportadores e importadores, mantêm,
encabrestadas, suas bancadas particulares, tanto no Senado como na
Câmara dos Deputados.
Isso não significa que
todos os parlamentares estejam a serviço de tais corporações ou empresas
em particular. Há parlamentares escolhidos pela vontade soberana do
povo, não conspurcada pelo que Serge Tchakhotine definiu como Le viol des foules par la propagande politique
— a violação das massas pela propaganda, maciça e impostora. São
minoria, mas é graças à sua presença nas casas parlamentares que se
preserva um pouco de lucidez nos meios políticos nacionais.
A
propaganda política — como deixa claro Tchakhotine — não se limita aos
tempos e processos eleitorais. Ela é permanente e insidiosa, valendo-se
de especialistas, como é o caso notório de Edward Bernays, um dos
pioneiros na utilização do noticiário dos jornais para a defesa dos
grandes negócios (entre eles, os dos cigarros), mediante a criação de
hábitos de consumo, e — é claro — na influência política sobre as
massas.
É uma guerra de todos os dias, entre o
controle dos corações e mentes, para lembrar a expressão conhecida, e a
reação da autonomia de pensamento e da liberdade política, por parte não
só de poucos intelectuais mas, a cada dia mais intensa, da cidadania
em geral. A internet, para o bem e para o mal (e esperamos que, a prazo
maior, seja só para o bem), está quebrando o monopólio dos que acreditam
ser possível impor para sempre o “pensamento único”, parido pelo
conúbio entre o poder financeiro mundial, a indústria bélica e os
enlouquecidos generais que dominam o Pentágono, a Otan e Israel.
O
agronegócio, como mostra a experiência, e estudos recentes de
conhecidos especialistas, ao levar as relações cruéis entre o capital e o
trabalho para o campo, está aumentando a criminosa desigualdade na
sociedade brasileira. As máquinas lavram a terra, irrigam as glebas
imensas e colhem os grãos; os herbicidas assassinos limpam as eiras,
para plantar as sementes geneticamente modificadas, a fim de resistir
aos agrotóxicos, que envenenam a terra, as águas e a produção.
O agronegócio está aumentando a criminosa desigualdade na sociedade brasileira
Os
pequenos e médios lavradores são expulsos. Vão se amontoar, com sua
miséria, sua revolta e seu sofrimento, na periferia das cidades. O que
já era péssimo, há décadas, tornou-se ainda mais brutal, com a
submissão do país ao Consenso de Washington.
A
lição maior de Kelsen, nos ensaios citados, é a de que não há sistema
que possa substituir o da verdadeira representação popular. Só com a
participação igualitária e consciente de todos os cidadãos pode haver
democracia.
Livramo-nos, graças ao
instituto de legislação participativa (que Kelsen defendia há mais de 80
anos), dos candidatos de ficha-suja. Temos que nos livrar, agora, do
poder nefasto do corporativismo. Como disse, em 1934, Ortega y Gasset,
em discurso no Parlamento da Espanha, “Lo corporativo no resiste al vigor de las ideas y de la pasión política: la política, en la Historia, es el macho”. Vale.
Nenhum comentário:
Postar um comentário