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No Direto da Redação
Urariano Mota
Imprensa com Alzheimer
Recife
(PE) - Este artigo nasceu do comportamento da imprensa brasileira em
geral, e da recifense em particular, quando “esqueceu” no último dia 8
as notícias dos assassinatos de janeiro de 1973 no Brasil. É certo e
claro que não podemos esperar dos jornais uma colossal memória, a ponto
de que façam voltar às páginas acontecimentos trágicos em datas
significativas. Não. A falta vem da história da ditadura que não está
fechada, que pede urgência para a denúncia de crimes insepultos, no
instante em que cresce a Comissão da Memória e da Verdade em todo o
país. É a pauta do dia mesmo, é o gancho de sangue, que exige um
destaque para o 8 de janeiro de 1973.
O
problema é que o título acima, se é bom como achado, é falho em
ciência. Isso porque os pacientes do mal de Alzheimer não perdem bem o
passado, perdem o presente. Então corrijo, pois dos jornais brasileiros
podemos escrever que sofrem de um Alzheimer muito pior: não veem o
presente e perderam o passado. Para não dizer que na marcha em que vão
perdem também o futuro. Entendam por quê.
Em
8 de janeiro de 1973 as manchetes de todos os jornais anunciaram:
“seis terroristas mortos em tiroteio”. Foram seis homicídios, todos
unidos e simplificados em um aparelho da Chácara São Bento, um sítio na
região metropolitana do Recife. Todos, pelo anúncio dos jornais,
perigosos terroristas, que resistiram à bala ao cerco das forças da
ordem. Mas só depois de mortos se fez a maquiagem nos jovens
socialistas: com tiros, para melhor coerência do suplício com o papel
dos jornais. Foram eles: Pauline Reichstul, José Manuel, Soledad
Barrett, Evaldo Ferreira, Jarbas Pereira e Eudaldo Gomes. Todos, a
investigação histórica revelou, mortos que denunciaram o rastro do Cabo
Anselmo.
E
que histórias têm esses mortos, amigos. E que tragédias vivas perderam
as notícias do último dia 8, vivas, pois suas vidas clamam ser
conhecidas por todos. Que grandeza épica tiveram esses jovens
massacrados. De um deles, Jarbas Pereira Marques, com quem bebi cerveja
no Pátio de São Pedro, tendo ao lado a sua esposa grávida, assim falou
Mércia Albuquerque, advogada fundamental dos anos de terror de Estado
em Pernambuco:
“Três
dias antes da sua morte, Jarbas me procurou à noite e entregou
fotografias da família, uma fotografia que dizia ser do Cabo Anselmo, e
mais Carteira do Trabalho, Certidão de Casamento, Certidão de
Nascimento e Certificado de Reservista. Ele me disse que estava para
ser preso e que Fleury se encontrava no Recife com a sua equipe, e que o
Cabo Anselmo usava os nomes de Daniel, Jadiel, Américo Balduíno, que o
Cabo era companheiro de Soledad, mas ele já havia descoberto que esta
pessoa era infiltrada na organização, daí porque ele estava muito
assustado... Jarbas era um tipo romântico, ingênuo, e eu conversei com
ele, pedi que ele fugisse, mas ele se negou dizendo que isso não faria
pela segurança da filha e da esposa. Eu pedi que ele deixasse a criança
sob meus cuidados, mas ele me falou que não ia levar Tércia Rodrigues
para uma aventura, porque ela era uma pessoa frágil e seria também
assassinada”.
Que
grandeza. Para salvar a fragilidade da esposa, foi morto. A sua única
filha, Nadejda Marques, vive nos Estados Unidos, onde escreveu um
livro cujo nome é Born Subversive. Nascida Subversiva, que nome,
amigos. No texto presente não cabe a dimensão dessas pessoas e de seus
destinos. Mas não posso deixar de esboçar com a rispidez e a brevidade
de um lead duas mulheres:
“Pauline
Reichstul nasceu em Praga, filha de judeus poloneses. Ainda bebê, a
família mudou-se para Paris, onde viveu até 1955, voltando então a
migrar para o Brasil.
Completou
o curso de Psicologia na Universidade de Genebra em 1970. Nesse tempo,
passou a ter contatos com brasileiros de resistência à ditadura.
Trabalhou em órgãos de divulgação na Europa denunciando as violações de
Direitos Humanos no Brasil, em especial as torturas e mortes de
militantes. Foi namorada e companheira de Ladislas Dowbor. O irmão de
Pauline, Henri Philippe Reichstul, ex-preso político, foi presidente da
Petrobras”.
E
de Soledad Barrett, guerreira, atraiçoada mulher do cabo Anselmo, que
ele entregou grávida para a morte a seu amigo Fleury? Lembro rude como
uma síntese. Para ela, para a sua memória, escrevi “Soledad no Recife”.
Na medida do possível, os escritores escrevemos o que falta aos
jornais. Os impressos sofrem do novo Alzheimer, sem presente e sem
passado. Dizem os médicos que a demência começa com o esquecimento.
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