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O diretor do
longa-metragem acusa haver um monopólio da Globo Filmes,
que barra
produções independentes como O som ao redor (Foto:
divulgação)
Nos últimos dias, um
fato vem chamando a atenção da cena cultural brasileira: o sucesso
do filme pernambucano O Som ao Redor. Com orçamento de R$ 1,8
milhão, o primeiro longa-metragem do diretor Kleber Mendonça Filho
A imensa repercussão do filme o tem
feito galgar mais espaço, com novas salas recebendo a produção no
país. Mas foi um intenso caminho até se chegar a conquistar acesso junto
ao grande público nacional – algo que ainda está sendo feito. De
janeiro de 2012 a janeiro de 2013, O Som ao Redor passou
por 40 festivais internacionais e sete nacionais. Logo no início, a
primeira estreia em uma competição já se mostrou vitoriosa, com a
conquista do prêmio de melhor filme pela Federação Internacional de
Críticos, no Festival Internacional de Rotterdam, na Holanda, em janeiro
de 2012. A partir daí, foram dezenas de prêmios, até que, no dia 14 de
dezembro, o New York Times incluiu O Som ao Redor entre
os dez melhores filmes do ano. Foi a única produção brasileira a
figurar na lista do crítico de cinema A. O. Scott, que escreve para o
jornal.
No mesmo dia em que saiu a lista do New York Times, o cineasta André Sturm publicou um artigo na Folha de S. Paulo cobrando maior democratização das salas de cinema do Brasil. “No dia 15 de novembro, estreou a última parte da saga Crepúsculo no
país. O filme entrou em 1.213 salas ao mesmo tempo. Afinal, tantas
pessoas querem ver o filme? Essa quantidade de salas é algo realmente
necessário? O Brasil tem cerca de 2.200 salas. Ou seja, um único filme
ocupa cerca de 60% dos cinemas do país!”, criticou.
No texto, o ex-diretor do Cine Belas
Artes defendeu mecanismos de regulação do Estado para que se desmantele o
monopólio na exibição dos filmes. “Quem quer ir ao cinema é quase
empurrado para ver um desses títulos. Não é o caso de pedir a ação dos
órgãos que deveriam garantir a concorrência, que deveriam evitar o
monopólio, a concentração?”, questionou.
Para o diretor de O Som ao Redor,
Kleber Mendonça Filho, o longa está conquistando espaços, mas ainda
está dentro de um “cercadinho cultural limitado pelo mercado”. O
cineasta entende que o mercado cinematográfico brasileiro impõe papéis
às produções, escolhendo quais seriam adequadas ao grande público.
“Tem essa coisa do papel que é designado a um filme como O Som ao Redor,
como se fosse somente um filme para ser exibido em festivais. O mercado
estabelece que o gênero da comédia estúpida, que vem principalmente do
Rio de Janeiro, será lançado com muito dinheiro, com o apoio da Globo
Filmes e necessariamente irá bem. E um filme como O Som ao Redor não
teria espaço, por ser autoral. Precisamos entender qual a régua que
usamos para medir o sucesso de um filme no Brasil. Há uma discussão
ainda muito subdesenvolvida em relação à forma como o mercado impõe
papeis aos filmes”, provoca.
Feito inteiramente com verbas públicas, através de editais de incentivo à cultura federais e locais, O Som ao Redorcontou
com um investimento de apenas R$ 190 mil para seu lançamento – os
gastos incluem cópias, distribuições e cartazes. Kleber Mendonça Filho
diz que não acredita em “publicidade artificial” para os filmes. “Não
acredito e não levo a sério a publicidade comprada a peso de ouro para
gerar valor artificial em um filme. O Som ao Redor teve
uma publicidade que o dinheiro não compra”, compara, referindo-se à
divulgação boca a boca feita de forma espontânea pelo público e ao
reconhecimento em festivais e na mídia estrangeira.
O diretor critica o modo como a Globo
Filmes opera no Brasil. Braço das Organizações Globo voltado ao cinema, a
empresa promove os filmes que apoia ou produz através do merchandising
em programas de televisão da emissora, vetando a divulgação de títulos
com os quais não possui parceria. “Isso é nefasto e injusto. O monopólio
é muito claro e quem não faz parte dele não tem o mesmo tipo de
exposição. Há inúmeros mecanismos de se promover um filme pela Globo
Filmes. O principal deles é personagens de uma novela da emissora
comentarem quão bom é o filme que acabaram de assistir, por exemplo”,
explica.
Kleber Mendonça Filho conta que a assessoria de imprensa de O Som ao Redor chegou
a propor à produção do Programa do Jô, da Rede Globo, uma entrevista
sobre o longa. “Suspeito que (o filme) é algo que faz parte dos temas
que ele aborda em seu programa. Mas a entrevista foi negada. Se fosse um
filme da Globo Filmes, será que eu não estaria no Programa do Jô?”,
questiona.
O diretor defende a adoção de políticas
públicas que assegurem espaço e incentivo ao cinema nacional
independente. “Existem várias experiências que vêm dando certo em outros
países. Na Argentina, cópias de filmes estrangeiros são taxadas e o
dinheiro arrecadado com esse imposto vai para a produção do cinema
nacional. Na França, em 1998, o Titanic destinou
mais de R$ 20 milhões à produção nacional do país. Isso é absolutamente
correto e inteligente. Mas, para que isso ocorra no Brasil, é
necessário vontade política para peitar um sistema baseado em milhões e
milhões de dólares”, comenta.
O cineasta considera que deveria haver
uma reação maior do público ao loteamento das grandes salas de cinema
por mega produções estrangeiras e nacionais. “O público deveria reagir a
isso, mas as pessoas estão cada vez mais adestradas pelo mercado,
acabam assistindo determinados filmes sem nem saberem por quê”, lamenta.
Para a coordenadora do curso superior de
Tecnologia em Produção Audiovisual da PUC-RS, Aleteia Selonk, a
produção de filmes independentes vem crescendo no Brasil. Ela acredita
que o sucesso de O Som ao Redor serve
como estímulo a outros realizadores. “Nos últimos anos, temos visto um
número muito maior de lançamentos de títulos nacionais independentes.
Ainda que outros não tenham conseguido a projeção de O Som ao Redor, a
quantidade de produções ajuda a firmar o potencial brasileiro nesta
área, sensibilizando o público e formadores de opinião”, comenta.
Aleteia entende que o sucesso do longa
de Kleber Mendonça Filho intensifica o debate em torno da democratização
das salas de cinema. “O resultado de O Som ao Redor é
uma comprovação de que quando esses títulos ficam mais disponíveis, com
boas salas e bons horários, o público tem a chance de corresponder”,
comemora.
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