domingo, 15 de maio de 2011

O assassinato de Pablo Neruda




Por: Francisco Marín
Original em: proceso.com.mx

Tudo estava pronto para que o poeta e Prêmio Nobel de Literatura Pablo Neruda se exilasse no México. Ele viajou de sua casa em Isla Negra, no litoral chileno, para Santiago do Chile e um avião enviado pelo governo mexicano estava pronto para levá-lo. No entanto, ele teve que ser internado na Clínica Santa Maria da capital chilena. Avisou por telefone a sua esposa, Matilde Urrutia, e ao seu assistente, Manuel Araya, que um médico havia lhe dado uma injeção no estômago. Poucas horas depois ele morreu. Araya – que esteve ao lado do poeta nos seus últimos dias - conta a Proceso um segredo que o afoga: O poeta “foi assassinado”.

O poeta chileno Pablo Neruda “às quatro horas da madrugada (de 11 de setembro de 1973), soube do golpe de Estado. Ficou sabendo através de uma emissora de rádio argentina que captava por ondas curtas. A emissora informava que a Marinha tinha se amotinado no porto de Valparaíso.

“Ele tentou se comunicar com Santiago, mas foi impossível. O telefone estava fora de serviço. Somente às nove horas da manhã confirmamos que o golpe tinha estava acontecendo. (...) Esse 11 de setembro foi um dia caótico e amargo, porque não sabíamos o que aconteceria com o Chile e com a gente”.

Manuel Araya Osorio fala de Neruda com a familiaridade de alguém que dividiu momentos cruciais com uma personagem histórica. E de fato. Ele foi assistente do poeta desde novembro de 1972 – quando ele voltou da França – até sua morte em 23 de setembro de 1973.

Este correspondente reuniu-se com esta personagem em 24 de Abril, no porto de San Antonio, próximo a Valparaíso. A entrevista foi realizada na casa do dirigente dos pescadores artesanais Cosme Caracciolo, para quem Araya pediu ajuda para desvendar um segredo que o sufocava: “Tudo que eu quero antes de morrer é que o mundo conheça a verdade: Pablo Neruda foi assassinado”, disse a Proceso.

Somente o jornal El Lider, de San Antonio, mostrou parcialmente a sua versão em 26 de junho de 2004. Mas não teve repercussão pela pouca influência deste meio.

Araya afirma que sempre quis ver a justiça ser feita. Conta que, em 01 de maio de 1974, propôs a Matilde Urrutia, viúva de Neruda, que se esclarecesse essa morte. Ambos foram testemunhas de suas últimas horas: dormiram, comeram e conviveram na mesma casa a partir do golpe de 11 de setembro de 1973 até a morte do poeta, 12 dias depois, na Clínica Santa Maria em Santiago.

Mas Araya afirma que Matilde – que faleceu em janeiro de 1985 – não quis tomar nenhuma ação para estabelecer eventuais responsabilidades. Segundo ele, Matilde lhe disse: “Se eu começar um processo judicial vão tirar todos meus bens”. Araya conta que em outra ocasião tiveram uma discussão que marcou a ruptura definitiva da relação com a viúva. “Ela me disse que o que tinha acontecido era assunto dela e não meu, porque eu já tinha terminado de trabalhar com Pablo, já não era mais seu funcionário e não tínhamos mais ligação”.

“Neruda queria que, quando ele morresse, a casa em Isla Negra ficasse para os por mineiros do carvão (...) Mas a fundação (Pablo Neruda) apropriou-se da sua obra e não realizou nenhum dos seus sonhos. Eles (os diretores da fundação) estão interessados apenas em dinheiro”, espetou.

Afirma que há dois anos entregou para Jaime Pinos, então diretor da Casa Museu de Isla Negra, da fundação, um relato sobre os últimos dias do poeta. “Mas eles não fizeram nada com essa informação, nem sequer a tornaram pública. Não querem que se conheça a verdade (...) Nunca me deram a palavra nos eventos organizados e nem mesmo nas comemorações da sua morte”.

Araya vem de uma família de camponeses da fazenda La Marquesa, perto de San Antonio. Quando tinha 14 anos foi acolhido em Santiago pela dirigente comunista Julieta Campusano, que lhe o tratou como afilhado.

Esta relação o ajudou, pois Campusano chegou a ser senadora e a mulher mais influente do Partido Comunista, e conseguiu que Araya recebesse um treinamento especial em segurança e inteligência, entre outros assuntos. Araya subiu rápido. Foi mensageiro pessoal de Allende antes de servir como principal assistente de Neruda.

Araya, que era motorista, mensageiro e encarregado da segurança de Neruda, concorda que o autor de Canto Geral tinha câncer de próstata, mas não acredita que essa doença o matou. Garante que essa condição “estava controlada” e que Neruda “gozava de boa saúde, com as fraquezas próprias de uma pessoa de 69 anos”.

"Abandonados"

Araya disse que, após o golpe de 11 de setembro, Neruda, sua esposa e o resto dos habitantes da casa de Isla Negra, estavam “sozinhos e abandonados”. O contato com o mundo exterior era limitado às notícias que chegava através de um pequeno rádio sintonizado Neruda, às conversas telefônicas esporádicas por um telefone que somente recebia chamadas e ao que era contado na Hospedaria Santa Elena, onde a proprietária “era da direita e sabia de tudo o que estava acontecendo”.

Conta que, em 12 de setembro, chegou um jipe com quatro militares. “Todos estavam com o rosto pintado de preto. Eu saí para recebê-los. (...) O oficial perguntou-me quem estava na casa. Tive que dizer que naquele momento estavam Cristina, a cozinheira; a sua irmã, Ruth; Patrício, que era jardineiro e garçom; Laurita (Reyes, irmã de Neruda); a Sra. Matilde, Pablito (Neruda) e eu.

“O oficial disse-nos que na casa não poderia ficar ninguém além de Neruda, Matilde e eu. Então tivemos que no virar entre os três: dormíamos no quarto do casal que ficava no segundo andar. Eu dormia sentado em uma cadeira, enrolado com uma manta. Fazia isso para ficar mais perto de Neruda, porque não sabíamos o que iria acontecer”.

Em 13 de Setembro, por volta das dez horas da manhã, os militares invadiram a casa. Araya conta que eram aproximadamente 40 soldados distribuídos em três caminhões. Armados com metralhadoras, rostos pintados de preto e uniformes camuflados. Vestido e equipados “como se fossem para uma guerra”.

Ele recorda: “Entravam por todos os lados: pela praia, pela lateral (...) Saí ao pátio para perguntar o que eles queriam. Falei com o oficial que dava as ordens. Ele me disse para abrir todas as portas. Enquanto revistavam, destruíam e roubavam, os militares perguntavam se tínhamos armas, se havia pessoas escondidas, se escondíamos dirigentes do Partido Comunista (...) Mas não encontraram nada. Foram embora em silêncio. Nem pediram desculpas. Sentiam-se donos e senhores do sistema. Eles tinham o poder nas mãos”.

Acrescenta que, por volta das três horas da tarde, logo após os soldados do exército irem embora, chegaram os soldados da marinha. “Estiveram por mais de duas horas. Também invadiram a casa e roubaram objetos. Usavam detectores de metal. (...) A Sra. Matilde me contou que o chefão dos marinheiros entrou no quarto de Neruda e lhe disse: 'Desculpas, senhor Neruda’. E foi embora”.

Araya recorda que por vários dias, a Marinha manteve um navio de guerra em frente à casa do poeta. “Neruda dizia: 'Vão-nos matar, vão-nos fazer voar pelos ares’. E eu respondia: ‘Se tivermos que morrer, eu vou morrer na janela primeiro que o senhor’. Fazia isso para encorajá-lo, para se sentir acompanhado. Então ele disse a Sra. Matilde: ‘Patoja – como ele a chamava – veja o companheiro, ele não nós abandonará, ele vai ficar aqui’”.

Araya conta que conversas dessa natureza aconteciam no quarto do casal: eles deitados e Araya sentado na beirada da cama. “Perguntávamos-nos o que faríamos nós sozinhos. Pensávamos que Neruda seria assassinado. Então, decidimos que a única opção era deixar o país”.

A viagem

Araya narra que Neruda lhe disse que seu plano era se estabelecer no México e uma vez lá, pedir “aos intelectuais e aos governos do mundo ajuda para derrotar a tirania e reconstruir a democracia no Chile”.

Relembra “Da Hospedaria Santa Elena – a menos de 100 metros da casa de Isla Negra – entramos em contato com as embaixadas da França e do México. A do México ganhou nota dez. O embaixador (Gonzalo Martinez Corbalá) prontificou-se para nos ajudar. Acho que em 17 setembro ligou para dizer que conseguira um quarto na Clínica Santa Maria. Lá deveríamos esperar a chegada de um avião oferecido pelo presidente Luis Echeverría”.

O problema era transportar o poeta até a clínica. “Com Neruda e Matilde pensamos que a melhor e mais segura forma de chegar lá era de ambulância. Minha missão era conseguí-la. Viajei para Santiago no nosso Fiat 125 e consegui alugar uma ambulância. (...) Lembro que ofereci seis vezes mais do que me cobravam para ter certeza de que realmente fossem nos buscar. Combinamos que fossem no dia 19, porque naquele dia a Clínica teria tudo pronto para receber Pablito”.

“Chega o dia 19 e solicitamos ao quartel do exército da província de San Antonio (Tejas Verdes) permissão para se transportar a Neruda. Disseram-me: 'Não estamos dando passes, menos ainda para Neruda’. Apesar da recusa decidimos partir. A ambulância chegou até a porta que dava para a escada de seu quarto. (...) Ao sair, Neruda despediu-se da sua cadela Panda, subiu na ambulância e deitou na maca. Neruda e Matilde foram de ambulância. Eu os segui de perto no Fiat”.

“A viagem foi triste, caótica e terrível. Controlavam-nos a cada quatro ou cinco quilômetros, parecia impossível chegar ao nosso destino. Saímos às 12:30 h de Isla Negra e chegamos às 18:30 na Clinica em Santiago (uma distancia de pouco mais de 100 quilômetros)”.

“Na localidade de Melipilla encontramos o controle mais amaldiçoado. Lá Neruda viveu o pior momento. (...) Os militares o tiraram da ambulância e o revistaram. Eles disseram que estavam à procura de armas. Neruda pedia clemência, dizendo que era um poeta, um Prêmio Nobel, que tinha dado tudo por seu país e que merecia respeito. Para amolecer seus corações disse-lhes que estava muito doente, mas a humilhação continuou. Em certo momento nós três choramos de mãos dadas porque pensávamos que chegara o nosso fim”.

Finalmente a ambulância chegou à clínica, três horas mais tarde do que o combinado. “Como chegamos muito próximo da hora do toque de recolher, não podíamos fazer nada mais que permanecer na clínica para pernoitar (...)”.

“O embaixador Martinez Corbalá foi nos ver no dia seguinte. E também o francês, que nunca soube seu nome. Recebemos também a visita de Rodomiro Tomic e Máximo Pacheco (dirigentes democratacristãos), de um diplomata sueco, e mais ninguém”.

A injeção Misteriosa

Araya disse que os primeiros dias na clínica transcorreram sem problemas. Em 22 de setembro, a Embaixada do México avisou que o avião colocado à disposição por seu governo estava previsto para deixar Santiago rumo ao México em 24 de Setembro. Comunicou ainda que o regime militar havia autorizado o vôo.

"Então Neruda pediu a Matilde e a mim que viajássemos a Isla Negra para procuras suas coisas mais importante, entre elas suas memórias inacabadas. Penso que era ‘Confesso que Vivi’. No dia seguinte – 23 de setembro – partimos bem cedo para a casa em Isla Negra. (...) Deixamos Neruda muito bem na clínica, acompanhada por sua irmã Laurita, que chegou nesse dia para acompanhá-lo”.

Garante que Neruda estava “em excelente estado, tomando todos seus medicamentos”. Nenhum deles era injetável, todos eram comprimidos. Tomamos o cuidado de pegar tudo que ele recomendou. Nisso estávamos quando, perto das quatro da tarde, Neruda ligou para a Hospedaria Santa Elena, onde deram o recado para Matilde, que retornou a ligação. Neruda disse: “Venham depressa, porque enquanto estava dormindo entrou um médico e me pôs uma injeção”.

“Quando chegamos à clínica, Neruda estava muito febril e avermelhado. Ele disse que tinha tomado uma agulhada na barriga (estômago) e que não sabia qual fora a substância. Então verificamos que havia uma mancha vermelha na barriga”.

Araya recorda que momentos depois, quando estava lavando o rosto no banheiro, entrou um médico que lhe disse: “Você tem que comprar urgente para o Senhor Pablito um remédio que não tem na clinica”.

Fui comprar o remédio e Neruda ficou com Matilde Neruda e Laurita. “No caminho fui seguido sem perceber. O médico tinha me dito que não havia esse medicamento no centro de Santiago, mas em uma farmácia da rua Vivaceta ou Independência. Quando saí pela rua Balmaceda para entrar em Vivaceta apareceram dois carros, um atrás e outro pela frente. Homens desceram dos carros e me bateram com socos e pontapés. Não soube quem eram eles. Me esbofetearam muito e depois me deram um tiro numa das pernas”.

“Depois de apanhar, fiquei muito ferido e fui para a delegacia de polícia de Carrión, que fica em Vivaceta esquina de Santa Maria. Então me transferiram para o Estádio Nacional onde sofri graves torturas que me deixaram a um passo da morte. O Cardeal Raúl Silva Henríquez conseguiu me tirar desse inferno. Por isso estou vivo’”.

Neruda morreu às 22:00 horas em seu quarto – o número 406 – da Clínica Santa Maria.

Consultado por Proceso.com.mx, o diretor dos arquivos da Fundação Neruda, Dario Oses, anunciou a posição da instituição sobre a morte do poeta:

"Não há uma versão oficial manipulada pela Fundação. Esta se limita aos testemunhos de pessoas próximas a Neruda no momento da sua morte e de biógrafos que obtiveram fontes confiáveis. Há muitas coincidências entre as versões de Matilde Urrutia, em seu livro ‘Minha vida junto de Pablo’, a de Jorge Edwards em ‘Adeus poeta’ e a de Volodia Teitelboim em sua biografia ‘Neruda’. A causa da morte foi câncer. Um dos médicos que o tratou, aparentemente o Dr. Vargas Salazar, tinha avisado a Matilde que a agitação produzida ao poeta de saber sobre o que estava acontecendo no Chile nesse momento podia agravar seu estado. Para esta situação também contribuíram a invasão de sua casa (...), o transporte em ambulância (...) com controles e revistas militares na estrada”.

Mas Manuel Araya diz que não tem a menor dúvida: “Neruda foi assassinado”. E argumenta que a ordem veio de Augusto Pinochet: “De onde mais poderia vir?”.


Fonte: ANNCOL

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