buscado no baixa cultura
Semana passada saiu um artigo do economista e professor da USP Ricardo Abramovay chamado “O movimento dos fazedores e o espírito do faça você mesmo“. Provavelmente, através desse texto é que muita gente vai ouvir falar pela primeira vez dos fablabs,
um movimento de mini-fábricas caseiras de tecnologia que iniciou em
2002 e está dando a muita gente a possibilidade de fabricar com
eficiência bens que até recentemente só podiam sair de grandes unidades
fabris.
As fablabs vão dar muito o que
falar também porque o novo livro de Chris Anderson (o mesmo de “A Cauda
Longa”e “Free”) chama-se, justamente, “Makers, The New Industrial Revolution“.
Atento as novidades da era digital como poucos, Anderson já lança sua
provocação marqueteira no subtítulo do livro (“a nova revolução
industrial”) e, também, na pegunta que abre este artigo que fez para o The Guardian
(traduzida/remixada livremente): “Todos com uma boa ideia digital podem
criar negócios online de sucesso. Estariam os “makers” ajudando a
reiniciar a indústria manufatureira?”
Mas o que e quem são os protagonistas dessa proclamada “nova revolução industrial”?
*
Uma reportagem do Le Monde Diplomatique de julho deste ano conta um tanto do início dessa história:
“Em 1998, o físico norte-americano Neil Gershenfeld
criou um curso intitulado “Como fabricar (quase) qualquer coisa”,
incluindo sessões sobre a concepção de protótipos para ajudar os alunos
na elaboração de seus projetos de pesquisa.
Para isso, eles dispunham de todo um
aparato de meios de fabricação digital, em particular
máquinas-ferramentas que, ao aplicarem camadas de plástico umas sobre as
outras, transformam um arquivo em um objeto bastante real – cortador a
laser capaz de talhar madeira ou ferro, fresa digital etc. Os alunos
adoraram, a ponto de voltar ao laboratório nas horas vagas para ali dar
asas à imaginação criativa e transformar em realidade seus próprios
projetos.”
O lance de gênio do professor, como diz a matéria assinada pela francesa Sabine Blanc, foi estruturar esse artesanato altamente tecnológico criando em 2002 o conceito de fab lab (fabrication laboratory),
com portal, logotipo, termos de uso, comunidade etc. Esse leve verniz
de marketing contribuiu para seu crescimento, impondo uma “marca” de
referência.
Concebido para facilitar o acesso às
máquinas, o primeiro fab lab era reservado aos estudantes. Mas
rapidamente a porta se abriu, ampliando o acesso e contribuindo para
democratizar a fabricação digital pessoal em escala mundial. Assim, a
confecção de protótipos, apanágio da indústria e de especialistas como
designers, passava a ser acessível também a particulares. E os trabalhos
manuais, muitas vezes vistos como uma tarefa entediante, tornavam-se
atraentes. E potencialmente subversivos.
É como a realização do velho sonho de Marx de reapropriar-se dos meios de produção.
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O jornalista espanhol Bernardo Gutierrez imaginou um “futuro provável/possível” ao falar dos fablabs, em março deste ano:
“Imagine um mundo onde as fábricas
desaparecem. Imagine que cada bairro, edifício ou incluso sua casa tenha
uma mini-fábrica que constrói os objetos necessários para viver.
Imagine que estas fábricas low cost constroem apenas os objetos
que os vizinhos necessitam. E que é a mesma máquina – uma impressora 3D
– que constrói os objetos. Imagine que uma rede de impressoras 3D
utilize software livre e que seus usuários melhoram o funcionamento
coletivamente com mecanismos transparentes.”
Difícil imaginar, se já não fosse
realidade (em partes ainda, claro). Além do primeiro protótipo de Neil
Gershenfeld para o MIT, existem uma centenas de fablabs em todo o mundo.
Na Espanha, existem em Barcelona (veja este vídeo e comprove),
Valladura, Madrid, Bermeo, León e Sevilla, segundo conta Gutierrez. Na
América Latina, existem em Lima, Medellín e na Costa Rica. Países como
Namíbia, Índia, Áfria do Sul, Gana e Afeganistão contam com seus
fablabs.
E no Brasil, o primeiro Fablab criado é em SP,
instalado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em dezembro de
2011, através do grupo de estudos DIGI FAB, coordenado pelo Prof. Paulo Eduardo Fonseca de Campos. Já existe um portal bem completo de fablabs por aqui, com informações úteis sobre se tornar um, sobre a rede internacional já estabelecida, que tem uma centena de pontos “oficiais”.
***
“Estamos falando de criar, mais do que de consumir“,
diz o criador Gershenfeld, na contramão da lógica econômica que,
sabemos, elegeu o crescimento e o consumo como dogmas indestrutíveis e
inelutáveis.
Esboça-se assim a possibilidade de uma
política econômica que provoca um curto-circuito na indústria
tradicional, diz a matéria do Le Monde. Por exemplo: “Seu botão da
máquina de lavar não funciona? Com a ajuda de um programa (software) de
concepção assistida por computador (CAC) você faz um desenho, um pequeno
projeto e, em seguida, a impressora 3-D modela o material e produz o
objeto tangível.
Outra: Você precisa de uma prateleira
para sua casa que não encontra em nenhuma loja? Simples: você compra a
madeira e fabrica a prateleira sob medida, com a ajuda de uma serra a
laser. Com o “detalhe” que, depois que o objeto estiver pronto, é
possível compartilhar os desenhos e projetos pela internet com outros
utilizadores, que podem fazer sugestões ou melhorias, dando assim vida
ao produto, depois da fabricação – tal qual acontece no trabalho com o
software (e com a cultura) livre.
A impressora 3D é o símbolo dessa, vá lá, revolução. Está em quase todos os fablabs, especialmente o modelo RepRap,
uma ferramenta autorreplicante que é capaz de fabricar suas próprias
peças sozinha. Seu criador, o engenheiro e matemático inglês Adrian
Bowyer, disse que não tem a intenção de minimizar as carências da
sociedade de consumo, mas suplantá-las: “Eu posso imaginar, numa cidade
pequena, um coletivo de dez famílias utilizando juntas sua impressora
3-D doméstica para imprimir durante uma semana os desenhos de um carro
que pertence a uma das famílias, baixados em um site open source”.
No Brasil, as impressoras 3D de preços
populares tem sido uma das grandes novidades no mundo digital deste ano,
a ponto de encabeçarem uma lista de “tendências” para os grandes centros urbanos organizada pelo Laboratório BMW Guggenheim, de Berlim. Só a Metamáquina – uma das primeiras empresas nacionais do ramo, que participou do ciclo Copy, right? que organizamos em julho de 2012 – já apareceu muitas vezes na “mídia tradicional” este ano, além de estar funcionando a todo vapor em uma sala nova (e maior) na Casa da Cultura Digital, fruto dos bons negócios realizados.
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Por fim, alguém há de lembrar: mas e os hackerspaces? o que eles tem a ver com os fablabs?
São, talvez, dois lados da mesma moeda que envolve a popularização do hardware (livre ou não).
Um hackerspace, você sabe (ou a Wikipedia nos diz), é um espaço com o formato de um laboratório comunitário/oficina que segue a Ética Hacker,
tendo espírito agregador, convergente e inspirador. Nele, pessoas com
interesses em comum, normalmente em ciência, tecnologia, arte
digital ou eletrônica podem se encontrar, socializar e colaborar. O mais
conhecido (e primeiro) deles aqui no Brasil é o Garoa Hacker Clube, localizado no porão da mesma CCD, mas a rede internacional de hackerspaces é imensa - e maior que a dos fablabs.
Já o fablab parece ser um hackerspace
mais organizado e rico, como disse Felipe Sanches, sócio da Metamáquina e
integrante do Garoa: “Eu vejo FabLabs como um hackerspace pró, em termo
de equipamentos. Mas, por outro lado, também é meio coxinha… sinto
falta nos FabLabs do espírito anárquico típico de hackerspaces. Visitei
o FabLab de Barcelona
e me senti pouco à vontade. Parecem ser mais burocratizados e também
muito mais amigáveis a arquitetos e designers do que a
hackers/geeks/engenheiros/ professores-pardais…
P.s: O Felipe Fonseca lembrou, nos
comentários aqui abaixo, que já tinha escrito sobre o tema láá em
fevereiro de 2010, a partir de um livro ficcional do Cory Doctorow. Olha aí.
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