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Ao
contrário da época em que o Oscar foi criado, em 1929, e sobretudo
do período após a Segunda Guerra, hoje Hollywood padece da mesma
anemia de poder que se apoderou do império norte-americano. Embora
não tenha deixado de impor valores culturais ao mundo, o glamour de
suas estrelas já não brilha como antes, e seu modelo de narrativa
já não produz tanto impacto.
Buenos Aires - Os
prêmios do Oscar foram entregues pela primeira vez em 16 de maio de
1929. O contexto político e social não poderia ser mais
significativo: faltando poucos meses para o grande crash de outubro
daquele ano, os Estados Unidos estavam montados na maior bolha
especulativa de sua história, a Europa era agitada por crises
políticas e a periferia do mundo pouco sabia do significado da
palavra Hollywood - ainda que muitos já percebessem no que consistia
aquele novo poder norte-americano.
O prêmio de melhor
filme foi vencido por Wings, um melodrama de William Wellman sem
importância hoje, mas cuja história é reveladora do papel
desempenhado pelo cinema norte-americano na maior parte do século
XX. O filme conta a história de dois homens (Jack Powell e David
Armstrong) que disputavam o amor de uma mesma mulher (Jobyna
Ralston), até que a Segunda Guerra Mundial estourasse e os
sentimentos patrióticos superassem as disputas amorosas. No final
todo mundo acaba feliz, os homens compreendem que nenhuma mulher vale
mais do que a amizade desenvolvida por eles na guerra e que matar o
inimigo é mais importante do que qualquer zelo doméstico.
Desde que formulou uma
extraordinária maneira de narrar histórias, no início do século
XX, com base na síntese extrema dessas histórias, na maior
importância das imagens do que do texto, e na construção de heróis
facilmente assimilados, o cinema americano cumpriu dois papéis
políticos vitais: enviou uma mensagem de unidade nacional para a
conturbada América da época, construindo uma poderosa mitologia
patriótico, e estabeleceu um modelo ideal de narrativa, repleto de
densos valores morais, a se tornou o padrão de contas histórias na
periferia do mundo. O novo império político e econômico havia
encontrado no cinema um instrumento de poder mais suave e de
primordial importância.
Ao glamour de novas
estrelas, que começaram a brilhar mais fortemente com filmes os
sonoros dos anos 30, se opôs, a partir de 1933, uma história muito
mais crua e menos suave: a propaganda nazista delirante orquestrada
por Joseph Goebbels. Como Hollywood, Goebbels também pretendia criar
heróis e celebrar os valores patrióticos - mas sem levar em conta
que os principais recursos artísticos alemães haviam rumado para o
exílio e estavam à disposição dos EUA. Iluminadores, atrizes,
diretores, muitos dos grandes mestres de esplendor preto e branco do
cinema norte-americano nos turbulentos anos 40 haviam vindo da
Alemanha para deixar uma forte marca estética em Hollywood.
A história americana
se torna tão poderoso, especialmente após a vitória sobre a
Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, que não demora para se
tornar o modelo por excelência e ser copiado pela incipiente
indústria cinematográfica da periferia, especialmente na América
Latina. Para perceber essa influência, basta o exercício de se
olhar, e misturar, os filmes produzidos naqueles vinte anos cruciais,
sobretudo pelas poderosas indústrias mexiana e argentina: é sempre
a mesma iluminação, o mesmo uso da música, dos temas amorosos, a
construção dos herois.
Hollywood impôs, desse
modo, uma narrativa poderosa que se reproduziu internamente em cada
país, graças à numerosa trupe de imitadores que surgiram em todos
os cantos. Em 1956, como uma espécie de resposta indireta aos
primeiros questionamentos europeus - principalmente franceses - a
essa narrativa invasiva, a Academia estabeleceu definitivamente o
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Esse prêmio havia sido dado pela
primeira vez em 1947, quando os EUA fazia sua estreia como nova
potência hegemônica global, mas não se firmou até meados dos anos
50.
Em um primeiro momento,
o prêmio foi usado para recompensar o melhor do cinema europeu
contemporâneo. Honrando De Sica, Fellini, Buñuel, Truffaut ou
Bergman, Hollywood permitiu um toque de arte diferente ao que ela
própria produzia, e tentava desviar as críticas sobre sua narrativa
mais ideológica. O chamado Terceiro Mundo, entretanto, não mereciam
sua atenção. Com exceção de um filme japonês e algum diretor de
cinema europeu que filmava em países africanos, a periferia do mundo
não ganhou nenhum prêmio da Academia até 1985, quando o argentino
Luis Puenzo venceu com 'La historia oficial', um duro relato sobre
aqueles que desapareceram durante a ditadura militar do general
Videla. E teve de esperar até a primeira década deste século para
ver produções premiadas de África do Sul, Taiwan e
Bósnia-Herzegovina.
Hoje em dia, a Academia
padece da mesma anemia de poder que pouco a pouco se apoderou do
império americano. Embora não tenha deixado de impor densos valores
culturais para o mundo, o glamour de suas estrelas já não brilham
como antes, e seu modelo de narrativa já não produz tanto impacto.
Vítima de seu próprio sucesso, Hollywood tem a cada ano mais
dificuldade para renovar suas expectativas em um mundo em que as
histórias se tornaram mais dispersas e menos hegemônicas, graças à
proliferação de novas tecnologias de comunicação. "And the
Oscar goes to..." a periferia do mundo, que ainda tem muito a
dizer e não pode e não quer fazer isso usando os códigos de
Hollywood.
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