Muitos revolucinários em geral procuram estar em contato
com a última moda intelectual da esquerda européia, e acaba se
esquecendo dos grandes pensadores revolucionários do Terceiro Mundo:
Devemos ler e compreender melhor o pensamento de Frantz Fannon.
FRANTZ FANON
escritor e teórico anticolonialista francês ( 1925 a 1961)
As suas concepções não poderiam deixar de ter um lugar enorme na definição do imaginário combatente dos movimentos de libertação, das lutas pelos direitos cívicos dos negros e dos sectores mais extremistas e empenhadamente internacionalistas da esquerda. Frantz Fanon foi durante muito tempo um autor de culto no chamado "terceiro mundo". Les Damnés de Ia Terre, um pequeno livro incandescente publicado em 1961 pela lendária editora Maspero, foi uma espécie de bíblia para os militantes anticolonialistas dos anos sessenta. A novidade da obra tinha principalmente a ver com a perspectiva subjectiva, psiquiátrica, do fenómeno colonial. Mas a personalidade do autor contribuiu também para isso. A teorização da subversão tinha até então pertencido a ideólogos europeus ou asiáticos, enquanto nas veias de Fanon, nascido na Martinica, corria o sangue das Caraíbas e da negritude. Muitas consciências contestatárias francesas beberam as palavras deste incendiário, prefaciado por Sartre, que legitimava a violência dos colonizados. Durante os anos cinquenta a realidade parecia com efeito legitimar o seu apelo incondicional à revolta e à luta armada. As democracias ocidentais, e em primeiro lugar a americana, pareciam desacreditadas. Na Argélia, o exército francês massacrava e torturava para preservar um estatuto colonial que reduzia a população árabe à condição de cidadãos de segunda classe. Na frente egípcia, britânicos e franceses combatiam Nasser, "culpado" de haver nacionalizado o canal do Suez. Na conferência de Bandung, en 1955, havia porém nascido a ideia de um terceiro mundo em luta conjunta pela sua emancipação. Movimentos de libertação organizavam-se nessa época por todo o lado. Nascido numa família antilhesa remediada, Fanon fora ferido em combate em França, já no final da II Grande Guerra. Ironia da sorte, o cabo Fanon receberia a cruz de guerra das mãos do coronel Salan, futuro golpista branco em Argel. Uma bolsa de estudo permitira-lhe entretanto inscrever-se, em 1947, na faculdade de medicina de Lyon, acabando por vir a trabalhar no hospital psiquiátrico de Blida. Em 1952, ano em que casa com uma francesa metropolitana, surge na editora Seuil o seu primeiro livro Peau noire, masques blancs. Denuncia logo aí a dominação branca, tomando o partido dos rebeldes argelinos. A insurreição que estes haviam iniciado a 1 de Novembro de 1954 transformar-se-ia na longa guerra da Argélia; Fanon viu aí uma guerra colonialista-tipo, demitindo-se em 1956 do seu lugar de médico-chefe em Blida e juntando-se em Tunis aos dirigentes da FLN. Colabora então em dois jornais da Frente, Résistance Algérienne e depois El Moudjahid, aderindo à FLN na primavera de 57. A trabalhar no ministério da informação do governo provisório da república argelina, seria delegado em 1958 ao Congresso Panafricano de Accra. Na capital do Gana conhece então Kwame Nkrumah, leader ganês e panafricanista da primeira linha, Félix Moumié, revolucionário camaronês que viria a ser assassinado pelos serviços secretos franceses, o sindicalista queniano Tom M'Boya, o angolano Holden Roberto. Deste banho de panafricanismo sairia um ensaio-bomba, L'An V de Ia Révolutíón Algérienne, obra que viria a ser rapidamente proibida em França. Fanon torna-se então uma figura de proa da jovem guarda daquela que viria a ser a extrema esquerda francesa; militantes dissidentes das Juventudes Comunistas ou cristãos de esquerda admiravam o homem de acção, o militante terceiro-mundista, o negro insubmisso que combatia a sua própria pátria. No II Congresso dos Escritores e Artistas Negros que teve lugar em Roma em 1959, Fanon desenvolveu a ideia de uma relação dialéctica entre cultura nacional e luta de libertação Passa a falar alto e forte nas conferências fundamentais do terceiro-mundismo afro-asiático, de Accra a Addis-Abeba. Atingido por uma leucemia, sabia, já nessa altura, que tinha pouco tempo de vida. Les Damnés de la Terre, livro publicado em 1961, algumas semanas antes da sua morte aos 36 anos, constituirá o seu testamento. O livro exalta o terceiro-mundismo com o mesmo lirismo de Aimé Césaire, cujo Cahier d'un retour au pays natal fora saudado por André Breton, Léopold Sedar Senghor e Albert Memmi. O panfleto teve a caução de Sartre e da revista Temps modernes: "Também nós, europeus, somos dessacralizados: purifica-se aqui, através de uma operação dolorosa, o colono que existe em cada um de nós", escreveria Sartre. Acrescentando: "A arma de um combatente é a sua humanidade. Num primeiro tempo da revolta, é preciso usar a violência: abater um europeu é matar dois coelhos de uma cajadada, suprimir ao mesmo tempo um opressor e um oprimido, sobrando daí um homem morto e um homem livre". O jornalista Jean Daniel, chocado, reagiu na Esprit contra essa sacralização do colonizado e um terrorismo cego para o qual não havia vítimas civis inocentes, uma vez que o último culpado da barbárie não era aquele que fazia verter o sangue mas sim o colonizador, o europeu, responsável pela engrenagem da violência. Com uma linguagem vibrante, Fanon fazia a apologia da violência após haver descrito a despersonalização e a humilhação do colonizado, tratado como sub-homem, traumatizado, levado ao suicídio ou empurrado para combates fratricidas. A passagem à violência contra uma ordem e uma dominação todo-poderosa permitiria romper com o seu complexo de inferioridade. Emancipado, o colonizado reencontraria a sua identidade e, através dela, a sua dignidade. Melhor ainda, a violência revolucionária transformaria os indivíduos e permitira estabelecer entre eles novas e melhores relações de fraternidade: "quando elas próprias participam na violência da libertação nacional, as massas não mais permitirão que alguém se assuma como 'libertador'". Franz atribuiria ainda uma grande importância revolucionária aos desclassificados, aqueles sectores sociais que o colonialismo e o capitalismo haviam marginalizado. Numa época de grandes combates anti-colonialistas e do despertar no ocidente dos movimentos anti-racistas, as suas concepções não poderiam deixar de ter um lugar enorme na definição do imaginário combatente dos movimentos de libertação, das lutas pelos direitos cívicos dos negros e dos sectores mais extremistas e empenhadamente internacionalistas da esquerda.
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