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17/2/2013,
Gilad
Atzmon, Information Clearing House
Traduzido pelo pessoal
da Vila Vudu
Gilad Atzmon
|
Vê-se a história,
quase sempre, como tentativa de produzir narrativa estruturada do
passado. Dizem que nos contam o que realmente aconteceu, mas em
muitos casos, não é bem assim. A história parece existir para
esconder nossas vergonhas, como que para apagar do mundo os vários
elementos, eventos, incidentes e ocorrências com as quais
absolutamente não sabemos lidar. A história, portanto, pode ser
vista como sistema de ocultamento.
Assim sendo, o papel do
verdadeiro historiador é semelhante ao do psicanalista: os dois têm
de desvelar o reprimido. Para o psicanalista, é o inconsciente. Para
o historiador, a nossa vergonha coletiva.
Mas, cabe perguntar,
quantos historiadores abraçam de fato essa tarefa? Quantos
historiadores têm a coragem necessária para abrir a caixa de
Pandora? Quantos historiadores têm a coragem para desafiar a verdade
da História dos Judeus? Quantos historiadores têm a coragem de
perguntar “por que só os judeus”? Por que os judeus padecem
sempre? Será culpa dos Goyim que seriam inerentemente assassinos, ou
há algo que atormenta, por dentro, o coletivismo ou a cultura dos
judeus? Evidentemente, os judeus absolutamente não são os únicos:
todos os passados de todos os povos são também problemáticos.
Como, afinal, os
palestinos explicam a eles mesmos por que, depois de mais de um
século de lutas, ainda acordam, todos os dias, para ver que sua
verdadeira capital está convertida num paraíso de ONGs mantidas
pela Open Society de George Soros?
Os britânicos são
capazes de, de uma vez por todas, olhar a própria cara no espelho e
explicar a eles mesmos por que, no seu Museu das Guerras Imperiais,
meteram uma exposição sobre o Holocausto dedicada à destruição
dos judeus? Não seriam mais valentes, os britânicos, se olhassem
para as muitas Shoas que eles mesmos infligiram a outros? Afinal, os
britânicos podem escolher qualquer uma, na monumental lista de
desgraças que eles mesmos provocaram e provocam pelo mundo.
O Guardião versus
Atenas
O passado é território
perigoso; pode nos levar a histórias inconvenientes. Basta isso,
para explicar por que o verdadeiro historiador é, não raro,
apresentado como inimigo público. Mas a Esquerda inventou solução
acadêmica para lidar com essa questão. O historiador “progressista”
opera para produzir o conto “politicamente correto”,
“inofensivo”, do passado. Com muitos ziguezagues, navega a
própria rota, pagando o que lhe cobrem os eventos ocultados e
criando infindáveis desvios ad-hoc que mantêm o “reprimido”
sempre intactamente reprimido. O sujeito progressista aí está para
produzir narrativas “não essencialistas” e “não ofensivas”
do passado; e o chamado “reacionário” lá está, e paga o pato.
O jornal The Guardian é
emblemático dessa abordagem. Baniu toda e qualquer crítica contra a
cultura judaica ou contra a juidaicidade, e oferece plataforma
televisiva para que dois
sionistas obsessivos, doidos furiosos, discutam cultura
árabe e islamismo. O Guardian não se incomoda com ofender
“islamistas” ou “nacionalistas” britânicos, mas cuida muito
atentamente de não ferir sensibilidades judaicas. Tais versões da
política ou do passado são imunes à qualquer verdade, coerência,
consistência ou integridade. De fato, o discurso progressista
fracassa sempre que se trate de operar como “o guardião da
verdade” – e aqui me refiro, em particular, ao discurso da
esquerda.
Evidentemente, há
alternativa à atitude “progressista” em relação ao passado. O
verdadeiro historiador é um filósofo – e um essencialista –
pensador que propõe a questão “o que significa estar no mundo e o
que se exige para viver entre outros?”. O verdadeiro historiador
vai além do singular, do particular e do pessoal. Ele ou ela vive em
busca da condição de possibilidade do que comanda nosso passado,
presente e futuro. O verdadeiro historiador opera entre o Ser e o
Tempo; ele ou ela, em busca de uma lição humanista e de um insight
ético, procurando no poema, na arte, na beleza, a razão, mas
procurando também o medo. O verdadeiro historiador é um
essencialista que escava em busca do ocultado, porque sabe que o
reprimido é o núcleo duro da verdade.
Leo Strauss oferece
insight muito útil nesse campo. A civilização ocidental, argumenta
ele, oscila entre dois polos intelectuais e espirituais – Atenas e
Jerusalém. Atenas – berço da democracia, lar da razão, da
filosofia, da arte e da ciência. Jerusalém – cidade de Deus, na
qual a lei de Deus vige. O filósofo, o verdadeiro historiador, ou,
no que tenha a ver, o essencialista, é, obviamente, o ateniense. O
jerusalemita, no que tenha a ver, é “o guardião do discurso”, o
que vigia a entrada, só para manter a lei, à custa do êxtase, da
poesia, da beleza, da razão e da verdade.
Spielberg versus
Tarantino
Steven Spielberg
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Hollywood nos oferece
via para assistir a essa oscilação entre Atenas e Jerusalém: entre
o jerusalemita “guardião do discurso” e o opositor ateniense –
o inimigo público “essencialista”. No campo esquerdo do mapa,
temos Steven Spielberg, o gênio “progressista”. À direita dele
encontramos a poiesis encarnada, Quentin Tarantino, o
“essencialista”.
Spielberg nos supre com
o mais consumado épico histórico desinfetado. Os fatos são
selecionados a dedo para produzir um conto premeditadamente pseudo
ético que mantém o discurso, a lei e a ordem “corretos”, mas,
muito mais importante, mantém o primado do sofrimento exclusivo dos
judeus (Lista de Schindler e Munique). Spielberg dá vida a uma
grande visada épica, retrospectiva, do passado. A tática de
Spielberg é, quase sempre, bem simples. Ele simplesmente expõe,
justapostos, os termos de uma oposição binária transparente:
nazistas X judeus; israelenses X palestinos; norte X sul; decência X
escravidão. Sempre se sabe, de saída, quem são os bonzinhos e quem
são os malvados. Sabe-se de saída, claramente, a quem se aliar.
A oposição binária,
sim, é rota segura. Oferece clara distinção entre “Kosher” e
“proibido”. Mas Spielberg está longe de ser mente simplória.
Também permite oscilação milimetricamente calculada, premeditada.
Em gesto universalista, admitirá um nazista na família dos bons.
Deixará que um palestino esquisito apareça como vítima. Qualquer
coisa pode acontecer, desde que a moldura básica do discurso
permaneça intacta. Spielberg é claramente um arquiguardião do
discurso – mestre na própria arte, sem dúvida prenderá a atenção
do público, ininterruptamente, por pelo menos 90 minutos de um
coquetel histórico feito de semifatos. Ao espectador, só compete
seguir a trama até o final, quando então a mensagem ética
pré-mastigada e pré-digerida já estará replantada, em segurança,
no coração do universo de autoadoração narcísica de cada
espectador.
Quentin Tarantino
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Diferente de Spielberg,
Tarantino não se preocupa com a factualidade; pode até rejeitar
qualquer historicidade. Tarantino pode bem acreditar que a noção de
“mensagem” ou de moralidade ande superestimada. Tarantino é
essencialista, interessado na natureza humana, no Ser; e parece
fascinado, em especial, pela vingança e a universalidade da
vingança. Por razões óbvias, seu integralmente ficcional Bastardos
Inglórios lança luz sobre a sede
coletiva de sangue dos israelenses, claramente detectada no
momento da Operação Chumbo Derretido. A criação cinemática
ficcional de um comando assassino e vingativo de judeus na 2ª Guerra
Mundial ali está para lançar luz e fazer ver a devastadora
realidade contemporânea dos lobbies judeus sedentos de vingança, em
sua sanha incansável em busca de uma guerra mundial contra o Irã e
o resto todo. Mas Bastardos Inglórios pode bem ter também um apelo
universal, porque o “olho por olho” do Velho Testamento já está
convertido em impulso político que move os anglo-norte-americanos
depois do 11/9.
Abe Lincoln versus
Django
Nos trabalhos recentes,
vê-se, bem claro, o choque espiritual entre o jerusalemita Spielberg
e o ateniense Tarantino.
A história da
escravidão nos EUA é, sim, tópico problemático, e, por razões
óbvias, muitos aspectos desse capítulo ainda permanecem secretos,
sob domínio do ocultado. Mais uma vez, Spielberg e Tarantino
produziram relatos marcadamente diferentes do mesmo tema.
No seu épico histórico
recente, Lincoln, Spielberg converteu Abraham Lincoln num
neoconservador “moral-intervencionista” o qual, contra todas as
possibilidades (políticas), aboliu a escravidão. Acho que Spielberg
conhece o suficiente da história dos EUA para dar-se conta de que
seu relato cinematográfico não passa de tentativa, nua e crua, de
fugir do tema, porque a campanha política contra a escravidão nunca
passou de pretexto para uma guerra sangrenta, orientada por
interesses econômicos bem claros.
Como se deveria
esperar, Spielberg tempera sua ficção com pitadas de passagens
históricas genuínas. Com isso, paga o necessário tributo para
conseguir manter a vergonha bem escondida por baixo do tapete. Seu
Lincoln é apresentado como herói movido por ímpeto moral da
fraternidade humana. Todo o roteiro manifesta sintomas bem visíveis
do assalto que o AIPAC contemporâneo mantém em andamento dentro do
Senado dos EUA. Sendo um dos arquiguardiões do discurso, Spielberg
saiu-se bastante bem, da empreitada. Aplicou uma substancial camada
de cinema por cima de tudo, para assegurar que a verdadeira vergonha
norte-americana continue profundamente reprimida ou, pode-se dizer,
intocada.
Desnecessário dizer
que a visão à Spielberg, de Lincoln, foi muito elogiada pela
imprensa judaica. Batizaram o presidente de Avraham Lincoln Avinu
(‘'nosso pai'’, em hebraico), na The Tablet Magazine. “Avraham”
– segundo a Tablet, é o bom judeu definitivo. “Como imaginado
por Spielberg e Kushner, o Lincoln de Lincoln é o mensch consumado.
É psicólogo naturalmente dotado, interpretador de sonhos, homem
abençoado pela mais extraordinariamente lúcida e sutil alma legal”.
Em resumo, o Lincoln de Spielberg combina as competências, o dom e
os traços de Moisés e também de Freud; praticamente um Alan
Dershowitz.
Mas alguns judeus
reclamaram do filme. “Como historiador judeu-norte-americano,
escreve Lance
J. Sussman, “temo ter de dizer que estou desapontado, em certo
sentido, com o novo filme de Spielberg. Há coisas muito boas, no
filme. Mas melhorariam muito, se o diretor tivesse posto pelo menos
um judeu, no filme, em algum lugar”.
Acho que Spielberg
talvez encontre dificuldades para agradar a tribo toda. Já Quentin
Tarantino, esse, nem tenta. Tarantino, de fato, está fazendo
exatamente o contrário. Mediante um épico fantasmático que declara
interesse zero por qualquer forma de historicidade ou de
factualidade, sejam quais forem, ele consegue – em Django, sua mais
recente obra prima – desencavar e trazer à luz os mais obscuros
segredos da escravidão. Esgravata o reprimido e, a julgar-se pela
reação de outro gênio do cinema, Spike Lee, não há dúvida de
que consegue ir bem fundo.
Ao criar espetáculo
estilístico clássico do gênero Western, consegue enfrentar todos
os aspectos em relação aos quais somos adestrados para jamais
tocar. Enfrenta o determinismo biológico, o suprematismo e a
crueldade dos brancos. Mas não deixa passar sem registro a
passividade dos escravos, a subserviência, o colaboracionismo ativo.
Diretor ateniense,
constrói aqui um conjunto de deuses mitológicos gregos, à guisa de
personagens. Django (Jamie Fox) é o indomável rei da vingança; e
Schultz (Christoph Waltz), o dentista alemão convertido em caçador
de recompensas, é o mestre da convenção, da gentileza, da
humanidade, com um gigantesco dente da sabedoria divina (e cofre)
balançando sobre a lona de sua carroça. Calvin Candie (Leonardo
DiCaprio) é o patrão hegeliano (racista); e Stephen (Samuel L.
Jackson) é o escravo hegeliano, emergindo como a personificação da
transformação social. Em vários sentidos, o relacionamento entre
Candie e Stephen pode ser visto como uma das representações
cinematográficas mais profundas (e mais subversivas) da dialética
senhor-escravo.
Na dialética
hegeliana, duas autoconsciências constituem-se por espelhamento. Em
Django Liberto, Stephen, o escravo, parece manifestar a mais
consumada forma de subserviência, ainda que só na aparência. De
fato, Stephen é muitíssimo mais sofisticado e bom observador que
seu patrão Candie. Está em plena ascensão, na cadeia de comando.
Difícil decidir se Stephen é colaborador, ou se é, de fato, quem
dirige todo o show. Mas na obra mais recente de Tarantino, a
dialética hegeliana é, em certo sentido, compartimentalizada.
Django, uma vez liberto, é absolutamente imune ao feitiço da
dialética hegeliana. A libertação induz nele um autêntico
espírito de resistência. No que dependa dele, mata o Senhor, o
Escravo e quem mais apareça pelo caminho. Rompe todas as regras,
inclusive as “regras da natureza” (o determinismo biológico). Ao
final do épico, Django deixa atrás de si a plantation de Candie em
ruínas, símbolo em cinema do velho sul moribundo e, com ele, a
“dialética do senhor/escravo”. Quando Django cavalga rumo ao sol
que nasce, levando na garupa sua esposa liberta Broomhilda von Shaft
(Kerry Washington), nós acordamos da fantasia cinematográfica. No
“mundo real”, digo, no mundo externo ao cinema, a plantation de
Candie permaneceria, com alta probabilidade, praticamente intacta, e
Django, muito provavelmente, voltaria às cadeias. Na prática,
Tarantino justapõe, com cinismo máximo, o sonho (a realidade do
filme) e a realidade (como a conhecemos). Ao fazê-lo, consegue
iluminar o mais profundo da miséria que há, entretecida firmemente,
na condição humana e, em especial na América Negra.
Tarantino absolutamente
não é “guardião do discurso”. Bem ao contrário, é o mais
amargo inimigo da estagnação. Como em trabalhos anteriores, o mais
recente espetáculo que nos oferece é assalto essencialista à
correção e ao “autoamor”. Tarantino revira muitas pedras e
solta muitas víboras na sala de jantar. E, ateniense devoto, não se
interessa por produzir, nem resposta alguma, nem qualquer lição
moral. Deixa-nos perplexos e exultantes. Para Tarantino, acho, a
essência existencial é o dilema. Spielberg, por outro lado, oferece
abundantes respostas necessárias. Afinal, no discurso do
politicamente correto progressista, as respostas é que determinam,
em retrospectiva, que perguntas somos autorizados a fazer.
Se Leo Strauss está
certo, e a civilização ocidental deve ser vista como uma oscilação
entre Atenas e Jerusalém, verdade seja dita: quantos mais atenienses
e suas reflexões essencialistas, melhor! Dito de outro modo: vivemos
desesperadora carência de mais Tarantinos, para fazermos frente a
Jerusalém e seus embaixadores. Spielberg
versus Tarantino: Hollywood e o passado
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