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Olhe bem pra essa foto p&b com esses senhores sisudos e bem vestidos. São integrantes da Motion Picture Patents Company, o primeiro grande truste de estúdios de cinema dos Estados Unidos. Entre as nobres figuras está Thomas Edison, empresário/inventor de mais de 2 mil patentes. Data: 1908.
Um ano antes, Thomas Edison – que mais do que inventor, foi um patenteador – tinha ganho na corte dos EUA o monopólio de exploração de uma novidade tecnológica: o cinetógrafo,
na época a primeira câmera de cinema bem-sucedida. Esse monopólio
significava que qualquer câmera de cinema igual ao cinetógrafo que
estivesse rodando nos Estados Unidos tinha que ter permissão do senhor
Edison para funcionar.
Até então, o assédio de Edison sobre os
fabricantes ou distribuidores “não autorizados” de sua máquina eram bem
conhecidos. O apoio jurídico foi o que ele esperava para criar a MPPC,
um cartel de patentes composto das principais empresas da película e
fornecedores da época, principalmente de Nova York, a meca do cinema do
cinema mudo do início do século.
Como se esse tipo de controle não fosse suficiente, a MPPC fundou outra companhia, chamada “General Film Company“,
cujo objetivo era adquirir todo o estoque de filmes do país e bloquear a
importação de filmes estrangeiros. Em 1911, a General Film adquiriu 68
“sacos” de distribuição de filmes e negou a licença para outras 11,
segundo informa este livro.
Foi o que bastou para uma das empresas afetadas se rebelar. A ”Greater New York Film Rental Company”
optou por não vender nem aceitar o preço de Edison. O proprietário era
um empresário de origem húngara que tinha começado no negócio em 1904,
com a compra de uma empresa no Brooklyn por 1 600 dólares – e que, anos
depois, seria dono de um império de 400 milhões de doletas. Seu nome era William Fox.
Eufemismos
Desafiando Edison e
seus amigos da MPPC, um grupo de donos de sala de cinema e produtores
decidiu ignorar o monopólio e a lei. Ainda que a MPPC produzisse filmes
num ritmo alucinante de um por semana em seus estúdios, Fox e seus
comparsas achava que havia um mercado muito maior, para qual essa oferta
não era suficiente.
Muitos desses empreendedores do cinema
se chamavam de “independentes” para se diferenciar da turma de Edison.
Mas estes claramente poderiam ser chamados de “ilegais”, ou “piratas”,
ou “ladrões de propriedade intelectual”, segundo os parâmetros da época,
porque não pagavam royalties pelas patentes nem pediam permissão para
usar o invento dos outros. Ainda fabricavam equipamentos “ilegalmente” e
mantinham uma rede de distribuição de filmes clandestina. Por conta da
perseguição que sofriam, resolveram fugir de Nova York e da sanha
gananciosa da turma de Edison.
Nasce Hollywood
Os exibidores, produtores e diretores
“independentes” tinham por objetivo fugir da Big Apple e se estabelecer a
uma distância razoável da cobrança de royalties dos advogados da MPPC. O
lugar encontrado foi do outro lado do país, um subúrbio de 5000
habitantes chamado Hollywood, a 4500 km de NY – convenientemente próximo
da fronteira com o México, caso precisassem fugir de novo.
O resto é conhecido. Longe da sanha
patenteadora de Edison e da MPPC, o grupo de “independentes” fundou os
principais estúdios de cinema dos Estados Unidos – Fox, Warner Brothers, Universal, Paramount, MGM. E os que se mantiveram sob a guarda da tecnologia de Edison morreram esquecidos com seus estúdios – “Biograph Studios”, “Essanay Film Manufacturing Company”, “Kalem Company”.
Este mesmo grupo de independentes que
criou Hollywood está atualmente na linha de frente de outro grupo que
você conhece muito bem, a Motion Picture Association of America (MPAA).
Um século atrás eles fugiram para evitar pagar royalties para o “dono
da propriedade intelectual” de câmera de cinema, inovação técnica que
tinha permitido todo o seu negócio. Hoje, caçam “piratas” que ousam
distribuir e usufruir de seus produtos sem autorização pela internet.
E a história se repete: novos
empreendedores, agora do ciberespaço, fogem dos advogados de Hollywood
para não pagar pelo conteúdo dos estúdios/gravadoras, ou distribuir
estes mesmos produtos via P2P. Mas, depois de um século de globalização,
parece que não há mais distância suficientemente segura, pelo menos não dentro da terra.
Paralelismos
Em 1920, quando a
polícia dos EUA chegou ao Oeste para investigar as empresas instaladas
em Hollywood, as patentes de Edison estavam por expirar. Isso porquê,
naquela época, as patentes duravam 17 anos. Isso mesmo: 17 anos. O
copyright do início do século passado (tanto nos EUA quanto em outros
países) lidava com um período bem mais razoável do que os de agora: 14
anos desde a data de publicação. Hoje são absurdos 70 anos após a morte
do autor para a obra entrar em domínio público. E pode ser mais, se o governo dos EUA ceder de novo a armadilha Disney.
Durante os anos de vigência das patentes
de Edison, Hollywood ganhou fortunas “com o trabalho intelectual de
outros” sem pagar um centavo de royalties. Um século depois, casos como o
do Megaupload – em que Kim Dotcom ganha fortunas com publicidade em arquivos digitais
– servem também para dizer pra Hollywood o quanto eles estão perdendo
dinheiro em caçar estes “piratas”, e não roubar seus modelos de negócio.
Outro paralelo entre os dois casos é a conclusão de “é fora do monopólio que se incentiva a inovação“. Assim como as start-ups
inovadoras de hoje, que não raro exploram o mercado do cinema na rede
desafiando o monopólio de Hollywood, a constatação dos “independentes”
que fugiram de NY não foi só tecnológica, mas de mercado: encontraram
formas de criar audiências para filmes mais sofisticados e
longa-metragens, convertendo assim o cinema em algo massivo e rentável.
Coisa que Edson e a MPPC não conseguiram fazer em Nova York.
O esquema produtivo de Hollywood
W. W. Hodkinson é conhecido como “o homem que inventou Hollywood“.
Foi ele que organizou uma forma de comercialização vertical entre
estúdios, produtores e exibidores que permitiu a produção de
longa-metragens e a distribuição em larga escala. Potencializou também o
marketing no cinema e implementou o sistema de promoção conhecido nos
meios teatrais, o “star system”, em que um reduzido grupo de estrelas
garantiam o êxito dos filmes.
Como outros, Hodkinson esteve com Edison
na MPPC, mas teve resistência em aplicar suas ideias. Em 1912,
estabeleceu contato com os “independentes”, em especial com Adolph Zukor, com quem fundaria em 1914 a Paramount Pictures.
Na clandestinidade
Carl Laemmle (na foto acima) foi outro dos personagens desta saga de renegados. Laemmle começou com um “nickelodeon“,
como se chamavam os pequenos cinemas de bairro no início do século, mas
logo cresceu e comprou uma distribuidora de filmes. Passou então a
querer comercializar filmes estrangeiros, e aí a fúria do truste de
Edison o impediu.
O caminho foi a clandestinidade: fundou a “Independent Moving Pictures”, que reuniu vários estúdios descontentes de Nova York, e teve em seu primeiro filme, ““Hiawatha” , de 1914, um sucesso considerável na época.
Em um artigo do New York Times de 1912,
Laemmle relatou alguns dos percalços para conseguir filmar “fora da
lei”. A MPPC leu o texto e, em represália, entrou com uma representação
contra o empresário, alegando que a máquina que usava para fazer filmes (acima)
infringia as patentes da época. Foi o que bastou para Laemmle seguir
para Hollywood e fundar a hoje poderosa Universal Pictures.
Mudanças de nome
Schmuel Gelbfisz é o último personagem
dos “independentes” que destacamos aqui. De origem polonesa, Gelbfisz
primeiramente emigrou para a Inglaterra e lá passou a se chamar “Samuel
Goldfish”. Em 1898 chegou a Nova York e em 1913, junto com seu cunhado
Jesse Lask (futuro co-fundador da Paramount), ingressou na produção de
filmes. Assim como os outros, fugiu para Hollywood, onde esteve
vinculado a Paramount durante alguns anos, até trocar de nome outra vez
e, com ele, criar sua própria companhia: Samuel Goldwyn Pictures, que seria comprada pela Metro Pictures Corporation e passaria a se chamar “Metro-Goldwyn-Mayer” – a famosa MGM do leão que ruge.
Notas:1] Desnecessário dizer que “os independentes” em alguns anos se tornaram os grandes estúdios e um novo monopólio foi criado, que teve de ser desafiado na década de 1940 por gente como Orson Welles, Walt Disney ou Charles Chaplin, que formariam a United Artist… mas isso é outra história. 2] Texto traduzido/adaptado/remixado do Taringa. As fotos são de lá também, exceto Hollywood, MGM, KIm Dotcom,
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