domingo, 25 de julho de 2010

Desaparecidos

Um longo artigo de Sergio Barone, docente de Relações Internacionais em Bolonha.

O assunto é a Colômbia.


Se a nossa ideia é que os conflitos sejam só aqueles que envolvem tanques e aviões, então estamos redondamente enganados. Existem outras guerras, silenciosas mas nem por isso menos letais.


E a Colômbia é, desde muitos anos, um dos palcos de eleição para este tipo de conflito.


Desaparecidos na Colômbia: os números do genocídio
A Colômbia tem sido sempre um país turbulento (ainda combatem o mais longo conflito armado do continente entre a guerrilha marxista, por um lado, e Estado e outros grupos paramilitares do outro) e os desaparecimentos de pessoas ligadas à oposição política e social não são um facto novo; o que é novo é a magnitude desse fenómeno: números ainda maiores dos da ditadura chilena e das várias juntas militares argentinas combinados.

Esta triste prática começou a ser conhecida nos anos '70, se pensarmos que, durante o governo de Turbay Ayala (1978-1982), foram denunciados às autoridades 273 casos de desaparecimentos em quatro anos, mas o número foi aumentando gradualmente: entre 1978 e 1986 desapareceram cerca de 1.000 pessoas, 1.560 em 1987, enquanto entre 1988 e 2003 ultrapassou-se a cifra de 27.000 desaparecidos, no entanto nada comparado aos 38.255 "desaparecidos" relatados por "Medicina Legal" somente nos últimos três anos (2007-2009) .


Apesar destes números assustadores (a senadora Piedad Córdoba fala dum valor total de 250.000 vítimas), o Estado colombiano tem demorado muito para reconhecer o fenómeno como uma verdadeira urgência nacional que tem de ser sanada através de medidas adequadas.


A Lei de combate aos desaparecimentos é de 2000 e, apesar do grupo paramilitar AUC  ter oficialmente entregue as suas armas em 2004 para desfrutar dos benefícios proporcionados pela Ley Paz y Justicia (prisões especiais, sentenças favoráveis, acesso à Internet) uma vez confessados os crimes, o jornal La Semana publicou um documento pelo qual, com as escutas da prisão, foi descoberto que os líderes paramilitares ainda dão ordens aos seus homens para fora da prisão acerca de execuções, tráfico ilícito de droga e grupos armados oficialmente desmobilizados.


No processo, um dos comandantes das AUC, Hernán Giraldo Serna, declarou que não foi o instigador de todos os óbitos para os quais tinha sido acusado, dado que o grupo tinha ordens para eliminar "tudo o que cheirava a guerrilha", ou seja qualquer movimento social organizado.


O target das vítimas é o de pessoas provenientes de ambientes populares, colombianos activos nas cooperativas, nas acções municipais, nos movimentos estudantis, nas organizações sociais ou para a protecção dos direitos humanos, simpatizantes de partidos ou de organizações de esquerda  que vivem em áreas de elevado conflito, ricas em recursos naturais e simples camponeses que defendem as próprias terras.


De acordo com o sub-director da Comissão Colombiana dos Juristas, Carlos Rodriguez Mejia, "o desaparecimento violento na Colômbia tornou-se um instrumento de luta política contra os sectores populares e os adversários, diferentemente da Argentina, onde as vítimas eram na maioria profissionais e estudantes da média ou alta classe."


A responsabilidade do Estado

A responsabilidade do Estado colombiano perante o fenómeno é evidente, tanto do ponto de vista "passivo" quanto "activo", como mostrado pelos contactos dos homens nos círculos do governo com os vértices paramilitares e como demonstra o escândalo dos chamados "falsos positivos", ou seja, mais de dois mil civis mortos em execuções extra-judiciais por parte do exército e "transformados" em guerrilheiros mortos em combate, encontrados em centenas de valas comuns em todo o país.

Além disso, as declarações feitas no seu julgamento por Noguera, director do DAS (Departamento Administrativo de Segurança, o serviço de inteligência colombiano), apontam para o Presidente Uribe qual mandante das perseguições ilegais e intimidações contra sindicalistas, juízes, jornalistas e membros da oposição. Uribe também tem sido criticado recentemente nos meios académicos por ter nomeado Fabio Valencia, irmão de um homem detido por ter dado informações valiosas para a AUC, como ministro de seu gabinete.


 Áreas mais afectadas

As regiões mais atingidas pelo fenómeno dos desaparecimentos são Arauca, Antioquia, Magdalena Medio e Cundinamarca, áreas ricas em recursos naturais, flora, fauna, biodiversidade e com forte presença das multinacionais.

De acordo com Miguel Cifuentes, líder camponês, o aumento da violência paramilitar nestas áreas não corresponde a um aumento da presença de guerrilheiros, mas está ligado à luta pela terra por potências económicas que utilizam os grupos paramilitares para defender os seus interesses nessas regiões ricas em ouro, petróleo, biodiversidade e terras para explorar. Os massacres, na prática, resultaram na paralisação das reivindicações sociais, bem como a fuga de 4,5 milhões de pessoas (que fazem da Colômbia o Estado com mais pessoas internamente deslocadas no mundo, depois do Sudão), que deixaram livres e incultas cerca de 10 milhões de hectares de terras férteis, logo monopolizadas pelas multinacionais estrangeiras e os latifundiários locais, aliados dos paramilitares.

Situação internacional

A maciça existência na Colômbia do fenómeno dos desaparecimentos de líderes sindicais, activistas indígenas e simples trabalhadores deve-se principalmente a duas causas fundamentais, uma económica e uma de natureza puramente geopolítica.

A motivação económica parte da flexível legislação do mercado de trabalho colombiano que permitiu ao País crescer a uma taxa constante a cada ano e atrair investidores estrangeiros, principalmente americanos, bem como tornar-se o Estado sul-americano com as maiores desigualdades sociais.


Além dos EUA, principais investidores, também a UE tem interesses para proteger, uma vez que Espanha, Holanda e outros têm investido fortemente nessa área; como prova desse interesse, associações empresariais colombianas, representantes do governo e movimentos sociais reuniram-se nos dias 15-17 de Abril 2010 para discutir o Acordo de Livre Comércio entre Colômbia e UE, que deverá entrar em vigor em Maio, apesar da situação humanitária e social vigente no País.


Do ponto de vista geopolítico podemos ver como o espaço indo-latino se tornou cada vez mais independente da influência norte-americana após a Guerra Fria e, como a Colômbia, neste contexto de emancipação geral, é um mundo aparte daqueles que estão à procura de formas de integração regional, económica e política, independentes dos vizinhos do norte.


A Colômbia continua sendo, pelos Estados Unidos, a última parte da América do Sul para manter ainda sob controle total e, portanto, têm um forte interesse em manter um regime amigo no governo, não só para evitar que a Colômbia seja governada por um movimento nacionalista, mas também para controlar militarmente a área onde há países que ameaçam os seus interesses como Venezuela, Bolívia, Equador e Brasil; além disso, como relatado pela senadora colombiana Piedad Córdoba, os grupos paramilitares da Colômbia também foram utilizados em Honduras para reprimir os protestos sociais após o golpe que depôs o presidente Zelaya, A seguir, o País da América Central saiu do ALBA e caiu na órbita de Washington.


Os EUA, depois de terem perdido a base de Manta, no Equador, assinaram um acordo militar com a Colômbia, sob o pretexto do combate ao tráfico de droga, mas envolvente a construção de sete novas bases americanas em território colombiano, isentas de limites dos efectivos ou meios além de estar acima da lei colombiana.


Como explicava um documento oficial da Força Aérea dos Estados Unidos em Maio de 2009, Washington necessitava de garantir a sua presença na Colômbia para poder realizar operações militares de "amplo espectro" na América do Sul e para "lutar contra a ameaça constante de anti-EUA na região."

Ao mesmo tempo, o documento explica que, através das novas bases na Colômbia, os militares americanos poderiam ter melhorado "a capacidade de executar qualquer guerra-relâmpago".

Da mesma forma, no final de 2009, foi assinado um acordo entre Washington e Panamá para estabelecer 11 bases militares operacionais, visando sempre o aumento da luta contra o tráfico de drogas.


Os Estados Unidos - que já tinham uma base militar no Panamá, Howard, fechada em '99 - em vez de abrir uma outra base tão grande na região, e com o pretexto de combater o tráfico de droga, preferiram optar por uma estabilização nas "áreas de operação avançadas" (FOL - Forward Operating Locations), isso é: El Salvador (Comalapa), Equador (Manta), Aruba e Curaçao.


Em 2009, todos os contratos para o estabelecimento dessas bases foram renovados, excepto no Equador.

No entanto, a presença militar na base de Manta foi facilmente substituída por novas bases na Colômbia, após a assinatura de um novo acordo com Washington.

Bases que permitem aos Estados Unidos um controle regional no ar e no mar.

Também é fácil supor que essas bases possam ser utilizadas como "pontes" para o mercado americano das drogas, como acontece no caso da base americana no Quirguistão, acusada de ser um corredor de transição para o ópio afegão chegar aos mercados ocidentais.

A Colômbia ficou praticamente transformada num autêntico porta-aviões americano na América do Sul e é claro que qualquer movimento social organizado é um perigo para os projectos norte-americanos, razão pela qual estes têm o interesse em defender o status quo: o governo Uribe e a continuação do conflito entre as Farc e os paramilitares, sob o qual esconder o desaparecimento de opositores políticos e sociais.


Para os americanos, a presença de governos amigos na América é fundamental para continuar a propor-se como uma potência marítima e poder assim desempenhar um papel dominante na Eurásia, onde fica em jogo o destino para o controle dos recursos energéticos e do mundo no século XXI.


Das próximas eleições irá sair o novo presidente da Colômbia, incluindo Santos, o homem de Uribe e dos Estados Unidos, e Mockus, que, se vitorioso, poderia seguir uma política mais independente e de distensão com os vizinhos.


Ainda é muito difícil que a situação mude, especialmente porque os investimentos militares dos EUA são consideráveis e dificilmente poderão ser prejudicados.

Fonte: Eurasia






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