segunda-feira, 26 de julho de 2010

O Brasil nuclear

Desde então a pesquisa, apesar de alguns temporários retrocessos, não parou.

Qual a situação actual? O Brasil actua com o próprio conhecimento nuclear na área civil? Ou já estará na posse de bombas? E quais são as perspectivas?


Neste artigo de Limes o ponto da situação.

 O Brasil, o Irão, os EUA e a AIEA
Nos últimos anos, o mundo público assistiu com alguma surpresa ao activismo do governo Lula na arena internacional, tendente a prosseguir sem complexos um processo de política estrangeira soberana e de interesses autónomos de poder regional e global player. As principais questões decorrem dalgumas posições do Brasil em termos de segurança nuclear global, mas vamos com alguma ordem.


Em 2004, devido a uma inspecção de rotina, houve uma crise com a Agência Internacional Energia Atómica (AIEA), com causa na recusa em permitir o pleno acesso às instalações dos técnicos da Agência nas instalações nucleares em Resende, Estado do Rio de Janeiro. As autoridades brasileiras não permitiram a inspecção dos equipamentos de centrifugação para proteger segredos tecnológicos em matéria de levitação electromagnética. Depois de meses de negociações, foi encontrado um compromisso amplamente favorável ao Brasil: a AIEA teria controlado a composição dos gases em entrada e saída das centrífugas, mas não as centrifugas. O então secretário de Estado dos Estados Unidos, Colin Powell, justificou esta fraqueza declarando ter a "certeza" de que o Brasil não tinha planos para desenvolver armas nucleares e dois anos depois a sucessora, Condoleezza Rice, confirmou que não estava incomodada com a hipótese do Brasil tentar obter armas nucleares.


Angra 1
Ao longo dos últimos dez anos, o Brasil resistiu à pressão internacional para assinar o Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), que permitiria inspecções sem aviso prévio por parte da AIEA num grande número de instalações. Nos últimos meses, multiplicaram-se as posições dos altos funcionários do governo que justificam como inadequada a adesão do Brasil. O primeiro deles é o Ministro Chefe da Secretaria dos Assuntos Estratégicos (órgão consultivo directamente dependente do Presidente da República), Samuel Pinheiro Guimarães, para o qual o TNP, do qual o Brasil é signatário desde 1997, é um tratado injusto pois focaliza os poderes em quem já tem armas nucleares e a "aceitação do regime de inspecção equivaleria a um crime contra a nação". Nenhuma surpresa, então, para a recusa da proposta duma moratória sobre novas instalações de enriquecimento.


Nos últimos meses o Brasil tornou-se protagonista, juntamente com a Turquia, da famosa tentativa diplomática para encontrar uma solução para o caso do Irão. Com esta acto, o País ficou realmente colocado em oposição dialéctica às tentativas do presidente Obama para um consenso global em torno da tese do Ocidente de bloquear os avanços nucleares iranianos. Nesta Primavera, o governo dos EUA tem feito um esforço considerável em reforçar a cooperação para combater a proliferação e para segurança de todos os materiais nucleares. Quis colocar a questão no quadro multilateral do direito decorrente do TNP e também assumiu compromissos importantes, como a redução de ogivas nucleares (o Tratado Russo-Americano de Praga) e uma nova doutrina nuclear, limitativa do número de casos em que seria possível a utilização da atómica. O acordo entre o Brasil, a Turquia e o Irão tem tido para muitos o sabor do desafio para a política das potências ocidentais, que têm, de facto, contestado o acordo como insuficiente e decidiram impor sanções ao Irão.


Outras questões em seguida, colocadas pela posição arriscada de defender o Irão e votar contra as mesmas sanções no Conselho de Segurança da ONU, onde o Brasil tem um dos assentos em rotatividade.


Angra 2
O governo Lula tem reavivado a partir de 2006 o programa de energia nuclear, que estava em estagnação desde 1985, com a decisão de investir 8,4 bilhões de Dólares para concluir a construção da central Angra 3 (suspensa por duas longas décadas) e a previsão de 4 - 8 novas centrais nucleares (até 10 GW de potência total) em 2020 e mais 40 estações em 2060. É preciso realçar a determinação dum rumo nacional, que torna o País totalmente independente, tanto tecnologicamente bem como para a capacidade industrial, no inteiro ciclo de produção de combustível nuclear. Esta atitude é severamente criticada por diversos observadores internacionais, que vêem motivações não económicas mas estratégicas ou militares. Além disso, a vocação de "auto-suficiência" é intrínseca ao programa de desenvolvimento, iniciado em 2007, duma frota de submarinos nucleares que serão lançados a partir de 2020.


Numa recente entrevista à BBC, o ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, em resposta à explicita pergunta, declarou: "renunciar à produção de artefactos militares, mas não podemos renunciar ao conhecimento científico", confirmando que isso inclui o "conhecimento da fabricação da bomba atómica". Mais: na revista Isto é Dinheiro, o Vice-Presidente da República, José Alencar, afirmou a importância das armas nucleares como armas de dissuasão para um País com 15 mil quilómetros de fronteiras e uma plataforma continental rica em petróleo (pré-sal) de quatro milhões de km2.

     O programa nuclear brasileiro
O programa brasileiro (clicar para ampliar)


Nos anos '50, o Brasil e os Estados Unidos iniciaram um acordo de cooperação nuclear no âmbito do Programma Atoms for Peace: O Brasil recebeu dois reactores de investigação e, em 1971, o seu primeiro reactor de potência, Angra 1, da Westinghouse Electric . O governo brasileiro decidiu investir no início dos anos '70 para dar ao País a plena capacidade no ciclo do combustível nuclear, na produção de reactores de pesquisa e de potência,  e no reprocessamento de combustível nuclear exausto. O primeiro objectivo foi aumentar a oferta de energia, utilizando as grandes reservas minerais de urânio e tório.  O acordo multi-bilionário de cooperação no sector com a Alemanha, lançado em 1975, previa a realização de oito reactores em 15 anos assim como a transferência do completo ciclo industrial do combustível com a tecnologia de enriquecimento por ultra-centrifugação.


Naquela época, o Brasil não era signatário do TNP e o negócio foi fortemente contestado pelos Estados Unidos: a transferência de tecnologia no Brasil foi impedido pela pressão dos EUA e promissora tecnologia de enriquecimento por ultra-centrifugação foi substituída com a jet-nozzle, que não teria abandonado o nível de protótipo. Houve assim um desperdício de aprox. 100 milhões de Dólares da época para uma instalação de enriquecimento com esta tecnologia não é competitiva e o atraso na inauguração da segunda central, Angra 2.


Também por causa dessa experiência, os governos militares decidiram lançar um outro programa nuclear não dependente da tecnologia estrangeira ou limitado por garantias internacionais: o chamado "programa paralelo", caracterizado por um forte sigilo. Embora houvesse facções militares interessadas em adquirir armas nucleares, o programa operou principalmente com objectivos civis. Envolveu três Forças Armadas brasileiras, bem como centros de pesquisa e industriais. O Exército tinha planos para um reactor de urânio natural moderado a grafite, a Força Aérea começou a pesquisa sobre um método de enriquecimento a laser. Mas foi o programa da Marinha, que adoptou a ultra-centrifugação, o mais bem-sucedido. Tinha identificado a necessidade de operar com submarinos nucleares, na convicção de ter toda a infraestrutura necessária: bases de apoio, produção e manutenção dos componentes principais, enquanto que a dependência do estrangeiro teria implicado vulnerabilidade logística. A partir do mesmo ano, um programa estritamente reservado as armas nucleares (com um site para testes de explosões nucleares no coração da Amazónia, que permaneceu secreto até 1986) foi prosseguido até a chegada dos governos civis em 1985.
Actualmente a Marinha gere o Centro Experimental de Aramar, no Estado de São Paulo, juntamente com A Comissão Nacional de Energia Nuclear Comissão (CNEN), e a Fabrica de Combustíveis Nucleares em Resende, Estado do Rio de Janeiro, juntamente com a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) a partir de 2000, desde quando foi transformada numa empresa comercial.
A Fábrica Combustíveis Nucleares em Resende
Aqui, em 1993, o urânio foi enriquecido pela primeira vez, assim o Brasil no clube muito restrito de Países que têm estruturas de centrífuga em escala comercial, dominando todas as fases da produção do combustível nuclear. Mas acima de tudo usando a tecnologia de levitação electromagnética em que o eixo centrífugo não é mecânico, mas precisamente, electromagnético, permitindo que o rotores (cilindros rotativos que estão no cerne destas máquinas) possam flutuar e girar sem atrito com menor consumo e maior eficiência e durabilidade. Tecnologia que os brasileiros dizem ser 100% local, constitui um sucesso para o País e que levou a outros avanços, como aços de alta resistência e válvulas especiais operando com substâncias corrosivas.


Então os segredo tecnológicos têm fundamento contra os inspectores da AIEA também, os quais, por outro lado, não conseguem não observar que Resende pode potencialmente produzir urânio altamente enriquecido, suficiente para alimentar entre 26 e 31 ogivas nucleares por ano.

A procura e a oferta de material físsil: em busca da auto-suficiência (e além disso)


Apesar do Brasil dominar a tecnologia usada para produzir combustível nuclear, algumas etapas ainda são efectuados no exterior para alimentar as duas centrais de Angra 1 e 2. O País produz mineral de urânio, o "yellow cake", que envia ao estado bruto para o Canadá, onde é gaseificado e enriquecido antes de retornar ao Brasil e ser transformado em "pads", utilizadas para o funcionamento das centrais. Com o aumento da capacidade instalada desde os actuais 2 GW de Angra 1 e 2 para 3,4 GW em 2015, quando estará operacional Angra 3, e com as futuras centrais, haverá um problema de fornecimento de material físsil.
Além disso, é preciso alimentar o futuro reactor de investigação Hyper (Estado de São Paulo) com o qual o País será auto-suficiente na produção de isótopos radioactivos para diagnóstico e tratamentos médicos. A CNEN já cumpre uma demanda anual de 2 milhões de procedimentos médicos com radio-fármacos e outras aplicações tais como a irradiação de alimentos e o controle de pragas.


O Projecto Hyper, São Paulo
Ponto firme da política industrial do governo Lula é o desenvolvimento das indústrias a partir dos recursos disponíveis no País e evitar a exportação de matérias-primas ou semi-brutas: isto também aplica-se aos recursos energéticos. O governo quer usar as reservas nacionais de mineral de urânio como matéria-prima para próprias fábricas e, ao mesmo tempo gerir o processo de enriquecimento do urânio. Essas reservas são enormes, muito maiores da procura doméstica em qualquer cenário: 310 000 toneladas, as sextas no mundo, mas deverão chegar ao segundo ou primeiro lugar quando será mapeado todo o País.


Alguns observadores internacionais afirmam que, graças à actual maior oferta em relação à procura de serviços de enriquecimento, seria economicamente muito mais conveniente adquirir esses serviços no estrangeiro, dada o modesto (actual) demanda brasileira de material físsil.
O argumento poderia ser válido para uma economia europeia, onde não são previstos grandes aumentos da demanda energética, mas é muito fraco num País em desenvolvimento, onde é esperado um aumento na produção de electricidade de 68,7% (de 112 GW para 189 GW) ao longo dos próximos 10 anos. Também não considera a oportunidade de exportar material físsil e tecnologia: hoje cerca de 90 por cento das centrais nucleares do mundo dependem dos serviços de enriquecimento para o próprio combustível.


É um mercado global de 5 bilhões de Dólares anuais, em crescimento, em que o Brasil pretende participar no futuro com papel de protagonista: espera ser inserido no círculo restrito dos poucos Países exportadores de urânio enriquecido, serviços, equipamentos e fornecimentos centrais nucleares .


Implicações na política internacional


Como o governo brasileiro e boa parte do público entendem os equilíbrios geopolíticos relativos ao domínio da tecnologia nuclear? Há cinco potências mundiais (EUA, Reino Unido, Rússia, França e China) equipadas com armas nucleares, que asseguraram com os termos do TNP o direito de exercer qualquer investigação e o progresso e, por enquanto, trabalhando para concentrar o enriquecimento do urânio e limitar a produção e a pesquisa em outros Países.
O jogo é puramente industrial, com o desejo de impedir o surgimento de novos concorrentes e tentando fortalecer um oligopólio existente. Um punhado de outros Países (europeus e / ou ocidentais), com bom nível de domínio tecnológico e parceiros das potências, compartilham com estas as escolhas políticas e comerciais. Outros quatro poderes (Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte) estão fora do regime internacional do TNP, pois simplesmente não assinaram o Tratado (e têm pleno direito de fazê-lo do ponto de vista jurídico).


Este "regime assimétrico" seria particularmente prejudicial para os Países que cumprirem os seguintes requisitos: dominar o ciclo de enriquecimento, têm grandes reservas de mineral de urânio, não estão entre as potências nucleares do "oligopólio".


Apenas três Países no mundo satisfazem as duas primeiras condições: os EUA, a Rússia e o Brasil. Só o Brasil todas as três. Isso explica a crescente impaciência com o TNP e o protocolo de controlo mencionado, visto como instrumento disfarçado de revisão do TNP, podendo até mesmo implicar, segundo alguns, a centralização dos processos de enriquecimento em instalações internacionais.


Aceita-lo seria violar a "conditio sine qua non" ["condição irrenunciável", NDT] da adesão brasileira ao TNP: o direito de desenvolver tecnologias para uso pacífico da energia atómica. A ideia do governo Lula (recentemente exposta na Conferência de Washington sobre a Segurança Nuclear e no Summit do Grupo BRIC) é que este direito pertence à todos os Países em desenvolvimento, incluindo o Irão.


Outra "conditio sine qua non" (incluída na ratificação do TNP) é o desarmamento geral, já presente no texto do TNP (artigo VI) assinado em 1968, confirmado pela Quinta Conferência para a Revisão e Extensão do TNP (1995) onde o objectivo final do desarmamento é a "eliminação total das armas nucleares sob um efectivo controle internacional". Durante a VI Conferência (2000), o Brasil assumiu um papel de liderança da New Agenda Coalition (NAC), grupo de Países que pedia às potências nucleares para dar um novo impulso aos objectivos do TNP, o desarmamento nuclear completo em primeiro lugar.
Finalmente, afirma-se nos círculos governamentais e académicos, são as potências que têm arsenais nucleares a não cumprir a obrigações do tratado, criando um precedente para os Países que podem ter a tentação da arma nuclear.


Fonte: Limes
Tradução: Informação Incorrecta




voltar ao topo

Nenhum comentário: