Virgilio Gomes da Silva, o comandante Jonas, nasceu no dia 15 de agosto de 1933, no município de Sítio Novo – RN. Aos 20 anos, parte para São Paulo em busca de emprego. Trabalha num banco, depois numa fábrica de bebidas e, por fim, no Sindicato dos Químicos, período em que ingressa também no Partido Comunista Brasileiro (PCB). Quando Carlos Marighella rompe com o PCB por divergir de sua política conciliadora e forma a Ação Libertadora Nacional (ALN), Virgilio o acompanha e se prepara para a luta armada. Virgilio ou comandante Jonas, seu nome de guerra, foi o comandante militar de uma das ações mais importantes da luta armada contra a ditadura militar: o sequestro do embaixador norte-americano no Brasil Charles Burke Elbrick, em 1969, que resultou na libertação de quinze revolucionários de diversas organizações em troca da soltura do diplomata. Por sua firmeza revolucionária, bravura, o operário e comunista Virgilio foi barbaramente torturado e selvagemente assassinado nos porões da ditadura fascista. Seus assassinos acabam de serem anistiados pelo Supremo Tribunal Federal. Mas, com certeza, o povo brasileiro saberá um dia ajustar às contas com os assassinos do comandante Jonas. A seguir, um extrato do livro Virgilio Gomes da Silva – De retirante a guerrilheiro, de autoria de Edileuza Pimenta e Edson Teixeira, lançado pela Plena Editoria e Núcleo Memória, que narra o momento de sua prisão, tortura e morte pelo Estado burguês. Segunda-feira, 29 de setembro de 1969. Vinte e poucos dias após a ação mais bem-sucedida da esquerda armada brasileira, da qual Virgilio Gomes da Silva foi o comandante. Seis e meia da manhã, a repressão invade, com truculência, o apartamento 23 do edifício situado na Av. Duque de Caxias, 312, no Centro de São Paulo. Essa era a casa da família Fon, na qual residia Aton Fon Filho, companheiro de muitas ações armadas de Virgilio. Ao entrarem em seu quarto, os agentes da Operação Bandeirantes (Oban) encontraram apenas seu irmão, Antonio Carlos Fon: “– Eles mandaram que me vestisse e fui levado para a sala, onde meus pais e minhas irmãs já se encontravam detidos, para ser acareado com um homem baixo e entroncado, que eles chamavam David, e que mais tarde eu vim a saber se chamar Francisco Gomes da Silva”. Antonio Carlos relata sua prisão no livro Tortura: A história da repressão política no Brasil, produto de uma investigação jornalística que gerou duas reportagens para a revista Veja, publicadas em 1979. O autor dedica o sei livro “A todos aqueles que sofreram nas câmaras de tortura, especialmente a Virgilio Gomes da Silva”. Antonio dormia no quarto de seu irmão Aton porque este se encontravam no Rio de Janeiro, com seus companheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN). Francisco foi levado para o apartamento da família Fon porque tinha sido preso no dia anterior, na pensão em que morava, à Rua Martinico Prado, também no Centro de São Paulo. Embora Aton Fon Filho tenha escapado por pouco de sua prisão (estava voltando de São Paulo quando soube da prisão de sua família pelo jornal e retornou imediatamente ao Rio), Francisco não contava que nesse mesmo lugar seriam presos mais dois companheiros de organização: Maria Aparecida Santos e seu próprio irmão, Virgilio Gomes da Silva, que foi preso um pouco mais tarde, por volta das nove e meia da manhã, ao visitar o apartamento, pois um grupo de militares da Oban lá se encontrava de prontidão. Virgilio, o Jonas da ALN, tinha 36 anos e estava a poucas semanas de partir para o campo, para se engajar na guerrilha rural. Resistindo com todo vigor a sua prisão, Virgilio, após a última bala, desferia uma série de socos e pontapés naqueles que o prenderam e encapuzaram. Menos de uma hora depois, estavam todos na Rua Tutoia, 721, no bairro do Paraíso, em São Paulo, na famigerada sede da Oban. Existia um preso no pau de arara, Celso Horta, igualmente companheiro de Virgilio, preso horas antes, que experimentou um momento de alívio quando suas torturas foram interrompidas porque grande alvoroço estava tomando conta daquele lugar: um homem baixo, de 1,66 m, vencia, com dignidade, uma pequena multidão que formava um corredor polonês. Eram gritos, palavrões e chutes naquele que, mesmo com mãos e pés algemados, não desistia de devolver cada golpe, cada palavrão, que cuspia na cara de seus torturadores mesmo sabendo que eles estavam se tornando cada vez mais violentos com sue comportamento incomum e revolucionário. Os murros não cessavam, e sua testa começava a sangrar. Virgilio gritava, ininterruptamente, a plenos pulmões: “– Vocês estão matando um brasileiro! Vocês estão matando um patriota! Filhos da puta! Malditos! Um brasileiro, vocês estão matando um brasileiro!”. Celso Horta foi retirado do pau de arara para dar lugar a Virgilio. Trocaram um breve olhar, um último olhar. Um olhar de cumplicidade e interrogação por parte de Virgilio, pois Celso já sabia o que estava acontecendo, já sabia as informações que a repressão detinha ao seu respeito e já estava formando uma ideia de como tinha ocorrido a “queda”, e Virgilio ainda estava imerso naquele turbilhão, embora já tivesse em si a forte convicção de que não abriria nada, nem uma palavra. E assim foi feito. A equipe do capitão Benone de Arruda Albernaz queria saber nomes de outros militantes, endereços de aparelhos, tudo. A toda e qualquer pergunta, ele respondia: “– Meu nome é Virgilio Gomes da Silva”. Retirado da primeira sessão de pau de arara, onde sofreu mais uma série de golpes e uma infinidade de choques elétricos, Virgilio ainda preservava seu orgulho e o olhar confiante e desafiador. As horas passavam e os torturadores não conseguiam quebrar sua resistência. Ele ainda tinha energia guardada e mais uma vez entrou em luta corporal contra seus torturadores, que começaram a lhe dar muitos chutes na cara e a bater a sua cabeça no chão e na parede. “– Vocês estão matando um brasileiro!”, ele continuava gritando. Aquele chuvoso 29 de setembro estava transcorrendo de forma muito movimentada naquele centro de torturas. Colocaram-no na cadeira do dragão, e ele continuava: “– Meu nome é Virgilio Gomes da Silva”. Jogaram-no no chão. Mais chute na cara, socos no estômago. Continuava com mãos e pés algemados e pularam em cima dele. Virgilio, que tinha resistência física, contraiu o abdômen. Todas as partes de seu corpo estavam em carne viva. E muitas fardas estavam sujas de sue sangue. Já era noite e Virgilio estava em uma sessão de afogamento que já durava horas, e ele estava dando muito trabalho, não hesitava em despertar a fúria de seus torturadores. Mais uma vez, fez o inesperado diante daqueles que conseguiram quebrar a resistência de tantos outros presos: mesmo com falta de ar, guardou um pouco de água na boca e cuspiu em seus torturadores assim que emergiram sua cabeça. Isso já era demais para aquela gente. Outra sessão de pau de arara, já não se sabia se era a terceira, a quarta ou a quinta no mesmo dia. Terminando esse suplício, algemaram seus pulsos às costas e continuavam sendo xingados. Depois de mais uma cusparada, vários homens, uns dez, se precipitaram sobe ele e começaram a chutar Virgilio com toda a fúria, principalmente na cabeça, até não agüentarem mais. Foram aproximadamente quinze minutos de chutes ininterruptos, e começaram a bater sua cabeça no chão e na parede. Virgilio desmaiou. Era pouco mais de 21 horas. Ofegantes, os torturadores viram que a cabeça dele tinha se transformado em uma pasta, e, ausentes os gritos de Virgilio, escutaram alguns poucos gritos esparsos de outros presos que estavam sento torturados naquele momento. De repente, o silêncio, após doze horas de tortura. Eles mataram um brasileiro. Esse não foi um “acidente de trabalho”, nome que os torturadores deram às inúmeras outras mortes que ocorreriam mais tarde nos centros de tortura pelo Brasil afora. Virgilio foi assassinado, intencionalmente assassinado. Ele tinha orgulho demais, resistência demais, coragem demais para um inimigo do regime, para um terrorista, como o chamavam, e não à toa que sua viúva, Ilda, escutou de seus torturadores, talvez os mesmos que assassinaram Virgilio, a seguinte declaração: “– Bem que ele podia estar do nosso lado”. Em 30 de setembro, foi encontrado em um local baldio um cadáver, cujas vestes eram seguintes: “calça de nylon verde, calção de algodão fantasia, camisa de algodão amarelo, meias de algodão vermelho e sapatos de couro marrom”. Era Virgilio, que costumava se vestir socialmente e com cores neutras, e que dificilmente sairia de casa com uma calça verde, uma blusa amarela e uma veia vermelha, tudo ao mesmo tempo. Essa é, sem dúvida, a representação de mais um ato de sadismo da ditadura: Virgilio insistiu tanto com seus torturadores que eles estavam matando um brasileiro que eles não hesitaram em fantasiá-lo como tal, mas com um detalhe: a meia vermelha. Virgilio era um brasileiro comunista. Extraído do livro Virgilio Gomes da Silva – De retirante a guerrilheiro, de autoria de Edileuza Pimenta e Edson Teixeira; Plena Editorial Fonte: A verdade |
Minha capacidade de ver, sentir deu um pinote com a entrada do computador em minha vida. Este blogue é sem duvida uma canalização para o meu dia a dia dentro do passado e presente do meu trabalho. Com certeza dará continuidade a minha eterna insatisfação, sei que nunca deixarei de ser migrante mas é o resultado do meu jeito de ser.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
Assim mataram o comandante Jonas
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