A repórter Nicole Johnson, da rede de TV Al Jazeera, num dos túneis que ligam Gaza ao Egito. Passar por eles é colocar a vida em risco: a qualquer momento, uma bomba israelense pode explodir os túneis... e os homens que fazem dele o seu meio de vida. |
Fala-se muito, aqui no Ocidente, nos túneis que ligam Gaza ao Egito. Eles dão vida ao comércio de produtos cuja entrada legal na faixa costeira é proibida por Israel. Segundo os sionistas e sua mídia, por eles passam as "armas" que o Irã supostamente enviaria ao Hamás há muito tempo. Bobagem. Se isso fosse verdade, o Hamás já teria invadido e dominado, no mínimo, o sul israelense. Aliás, se fossem verdadeiras as acusações que a propaganda sionista faz ao grupo de resistência palestina, Israel inteiro estaria sob o comando do Hamás.
A verdade é que o sionismo dá ao Hamás um poder que ele não tem. Por quê? Porque, enquanto fingir que considera o Hamás um risco à segurança israelense, o governo de Israel pode satanizá-lo à vontade e mantê-lo na lista dos "terroristas" que representam perigo ao mundo. Pode atacar Gaza, aterrorizar seus habitantes e assassiná-los, alegando motivos de "segurança nacional". No fundo, "Hamás" é uma espécie de senha, de palavra mágica que os sionistas usam para tentar legitimar seus atos criminosos em Gaza e na Cisjordânia (para onde, dizem eles, membros do grupo de resistência vão a fim de realizar atentados que ninguém vê). Outro motivo é que, demonizando o Hamás, os sionistas atingem também o Irã, considerado o principal apoiador do grupo palestino.
Em 2 de fevereiro, no debate na Folha, o sionista Jorge Zaverucha explicou que Israel não pode deixar entrar cimento em Gaza -- necessário para reconstruir casas e escolas destruídas no ataque militar de 2008-2009 -- porque ele poderia ser "desviado" para a construção dos túneis. Pode-se argumentar que Israel não tem nada com isso e que a população de Gaza é que decide como usar o material que lhe chega. É verdade. Mas pode-se também mostrar o que são esses túneis, para que o Ocidente não os imagine à imagem e semelhança das sofisticadas soluções da engenharia e da arquitetura ocidentais.
Você vai ver a excelente reportagem que a excelente jornalista Nicole Johnson, da Al-Jazeera, fez num dos túneis. Assista e testemunhe mais um motivo pelo qual não devemos dar ouvidos à propaganda sionista. E lembre-se: aquele é o ambiente de trabalho de dezenas de palestinos. Com o bloqueio, esse tipo de comércio prospera, elevando o preço dos produtos e criando uma classe de comerciantes "ricos" em Gaza -- ressaltando que, naquele pedaço do mundo, ser "rico" corresponde a pertencer à classe média ocidental. Esse comércio também dá emprego e salário a palestinos que, sem ele, não teriam como alimentar suas famílias. Nesse contexto, arriscar diariamente a vida não passa de mero detalhe.
A tradução é minha. Fiz adaptações para que o texto ficasse inteligível em português, mas sem alterar o relato de Nicole.
"Fazer uma reportagem num túnel que liga Gaza ao Egito parecia uma boa ideia. Entramos nele e, quando estávamos a meio caminho dos 450 metros que iríamos percorrer, as luzes se apagaram.
As matérias sobre os túneis entre Egito e Gaza geralmente apresentam algumas fotos da entrada e os primeiros 50 a 100 metros da passagem.
Mas queríamos mostrar o local exato da grossa parede de aço que os palestinos conseguiram atravessar. Essa é uma das paredes que o Egito tem martelado na areia para tentar quebrar o contrabando de produtos para Gaza.
Isso significava que precisaríamos rastejar ao longo de todo o caminho, até a fronteira egípcia.
Há alguns túneis grandes o suficiente para dar passagem a um carro. Nós não tiveram tanta sorte. Nosso túnel não tinha mais do que 1,5 m de altura. Para ir até a fronteira, teríamos de rastejar, andar de quatro.
Dois "guias", o cinegrafista e eu iniciamos nosso trajeto através do túnel com luz fornecida por cabos de eletricidade pendurados acima de nossas cabeças. A eletricidade, porém, não se manteve por muito tempo. Então, contamos com as fracas luzes de nossos telefones celulares para iluminar o caminho.
Foi um rastejar escuro e silencioso.
No ano passado, cerca de 1.200 túneis estavam em operação. Hoje [junho de 2010] esse número caiu para cerca de 400.
O Egito tentou impedir o comércio via túnel no final do ano passado, colocando muros de aço maciço no subsolo. Mas seria preciso mais do que isso para parar os comerciantes. Eles usam oxigênio e queima de gás para cortar o aço.
E assim o comércio de bens floresce. Geladeiras, geradores, fornos de microondas, alimentos, peixe [Israel proibiu os pescadores palestinos de ir até o ponto do mar onde há peixes] e cigarros vêm através dos túneis. Israel alega [mas nunca conseguiu provar] que o Hamás também usa os túneis para o contrabando de armas e dinheiro.
Depois de 30 minutos que mais pareceram três horas, chegamos à parede subterrânea de aço, na fronteira com o Egito. Havia um buraco nela, e por isso era possível rastejar até o Egito. Mas só conseguimos chegar até ali.
Os contrabandistas dizem que o Egito envolve a parede de metal com areia para torná-la vulnerável a quedas. Decidimos não ficar ali por muito tempo.
Depois de 30 metros rastejando para trás, paramos. Nossos guias nos disseram que pegaríamos um "trem" para alcançar a entrada do túnel. Nós não os levamos a sério e ficamos pensando no que eles realmente queriam dizer com aquilo.
Mas, fiel à palavra, três minutos depois o trem chegou.
Era um carro de plástico preto grosso, ligado à entrada do túnel por um cabo. Pulamos dentro dele e nos agachamos, nossas cabeças entre as pernas.
A câmera continuava filmando, levada por um dos "guias", que estava na frente do carro.
Eu só esperava que o trem não descarrilasse...
Sete minutos depois, uma viagem que eu nunca vou esquecer tinha terminado.
Estávamos de volta à entrada do túnel, com todo mundo a salvo. Fomos içados do poço para a superfície, onde encontramos um Sol ofuscante.
Fora dos limites de Gaza, o Egito segue enfiando na areia o muro de aço, martelando grossas colunas no chão.
Parece um desperdício de tempo. Assim que a nova parede bloquear o túnel, será cortada, dizem os contrabandistas.
Com o bloqueio de [Israel a] Gaza, o comércio dos túneis prospera e nem mesmo as paredes egípcias poderão detê-lo."
Buscado no Parallaksis
3 comentários:
Caro Jader,
Duro de aguentar é assistir a essa midiazinha sem-vergoinha e venal reverberando as hipocrisias do imperialismo ocidental.
A iraquização da Líbia é por motivos humanitários, já o genocídio palestino... nossa! verdade! eu nem sabia que eles estavam brigando.
Abeaços
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