buscado no Brasil de Fato
Um homem que cresce, cresce e cresce. E mesmo depois de morto não para de crescer
Cristiano Navarro,
da Redação
Ernesto aparece com um curativo que cobria uma recente estilingada na testa (Calica está ao lado) - Foto: Reprodução |
Em 1933, no pequeno município de Alta Garcia, província de Córdoba na Argentina, Carlos “Calica” Ferrer Zorrilla de quatro anos foi apresentado por seus pais a um amigo de cinco que marcaria para sempre a sua vida, e mais tarde a história de toda humanidade: Ernesto Guevara de La Serna, ou apenas Ernestito como era chamado. Como dizia um amigo em comum, Guevara e Calica foram reunidos pelo bacilo de Koch, que provoca asma. No ano de 1932, a família Guevara mudou- se para a região serrana em busca de alívio para o problema respiratório do pequeno Ernesto.
Em seu livro “De Ernesto a Che” – A segunda e última viagem de Guevara pela América Latina, Calica conta que não se lembra quando conheceu o amigo. Mas com certeza deve ter sido em um dos típicos aniversários infantis a que nossas mães nos devem ter arrastado, depois de lavados, engomados e emperiquitados como era costume naquele tempo. Com certeza, devem ter dito a Guevara: "Venha, você vai conhecer o filho do doutor Ferrer, o médico que o atendeu; quem sabe se tornam amigos”.
Já com 15 anos, Ernesto e Calica (os dois primeiros à esquerda) posam abraçados - Foto: Reprodução |
Na conservadora e provinciana cidade de Alta Garcia, além da asma, os Guevara e os Ferrer tornaram-se próximos por compartilharem visões progressistas sobre diferentes assuntos e simpatizar ideologicamente com o socialismo clássico. Um exemplo das posições que compartilhavam, estava relacionada à situação da Espanha na década de 1930. Ambas as famílias declaravam apoio incondicional à nova República que havia se instalado no país, que logo se explodiria em uma guerra civil e por, consequência, na ditadura fascista de Francisco Franco.
Assim, brincando e brigando como qualquer par de amigos, cresceram juntos. E em 7 de julho 1953, os amigos partiram em uma viagem pela América Latina (descrita no livro de Calica).
Ernesto e Calica, na Bolívia, em uma das poucas fotos que fizeram juntos durante a viagem pela América Latina - Foto: Reprodução |
A viagem, a segunda pelo continente de Ernesto, acabaria transformando o amigo de Calica no Comandante Che Guevara. “Mas quando viajamos, Ernesto não sabe que vai chegar a ser Che, isso é uma coisa que é preciso ter cuidado para não super dimensioná-lo. Para não tirá-lo da realidade. Che é um homem de carne e osso. E quando era criança, adolescente e jovem fez as travessuras que faz qualquer ser humano”.
O escritor acompanhou de perto as transformações do amigo. Pode conhecê- lo intimamente. "Haver estado viajando com ele por muitas horas, ombro a ombro, e comentar e conversar. Acompanhar e entender. O importante é que Che, por ser muito inteligente, foi captando o que ia acontecendo e foi armando um plano em sua mente. Ele percebeu que pelo caminho convencional não conseguiria nada e que era o momento das armas. A América Latina, quando nós estávamos viajando, era um lugar de ditadores: Somoza, Papa Doc, Trujillo, Batista... Era gente que os norte-americanos manipulavam fácil, e assim quando manipulavam um homem, comandavam um país. Ernesto foi desenvolvendo até conhecer Fidel. E depois de Fidel, sim, Ernesto se torna Che”.
Calica Ferrer atualmente - Foto: Reprodução |
Ecos
Quarenta e quatro anos depois de sua morte, ainda parece impossível dimensionar o personagem histórico Ernesto “Che” Guevara. Calica cita um outro amigo pessoal de Guevara, o ex-ministro cubano Orlando Borrego, para ajudar a sintetizar a falta de proporção. “A biografia de Che ainda não está escrita. Todas as boas verdades vão se somando pra que ela seja escrita. É Fantástico imaginar que a vida de um homem de 39 anos, depois de tantas coisas escritas, ainda não se pode condensar o que foi”.
Na visão do amigo, quando triunfa a revolução, Che se consolida como a figura forte, jovem e revolucionária. “É importante destacar a idade que tinha. Aos 32 anos era o primeiro comandante. Depois foi Ministro. Instituiu fábricas, colégios, foi educador. Foi embaixador itinerante da revolução”.Durante a viagem de 1957, Che fotografou Calica em Machu Picchu, Peru - Foto: Reprodução |
Carne, osso e mito
Para Calica, mesmo os seus opositores, em sua maioria e de alguma forma, respeitam o revolucionário. “Das pessoas, digamos mais indiferentes, em geral pelo menos reconhecem em Che um homem muito valente, que deu sua vida por um ideal. Já os que fazem uma crítica implacável como a que sai da cabeça de Mário Vargas Llosa, que por exemplo vai ao jornal mais conservador da Argentina, La Nación, e publica disparates ridículos, creio que estes não tenham efeito. É tão contundente o peso de Che, que para seus detratores não há muitos argumentos”.
Reunião das famílias Ferrer e Guevara - Fotos: Reprodução |
Das tantas produções, “Diários de Motocicleta” de Walter Salles e “Che” partes 1 e 2 de Steven Soderbergh são citados por Calica como bons filmes a respeito do amigo. No entanto, ele diz que não são poucas as vezes que escuta, lê e vê bobagens. “Tenho escutado cada mentira, que muitas vezes tenho que intervir.”
Com orgulho e saudade, Calica fala do amigo. Mas se perguntado sobre uma autobiografia sua ele responde “Veja bem, se você conhecesse um amigo de Karl Marx, iria querer saber sobre Marx. Não sobre o seu amigo”.
De Ernesto a Che - A segunda e última viagem de Guevara pela América Latina
Autor: Carlos "Calica" Ferrer
Editora: Planeta
Páginas: 238
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