quinta-feira, 5 de abril de 2012

Omelete Entrevista: Alan Moore

buscado no Omelete

O criador de V de Vingança, Watchmen e Do Inferno fala sobre sua nova obra, Lost Girls

Joaquim Ghirotti
19 de Junho de 2007

Alan Moore
Lost Girls
Lost Girls
Moore e Melinda
Moore e Melinda
Lost Girls
Lost Girls
Lost Girls
Entrevistar Alan Moore é uma experiência um pouco estranha. Mas uma das pessoas responsáveis por revolucionar a maneira como as histórias em quadrinhos são criadas (e percebidas) é, no fundo, um sujeito bem normal. Apesar, é claro, da aparência excêntrica e da fama de "ocultista que lida com deuses antigos em estranhos rituais", conquistada nas fotografias em que empunha cajados ornamentados, com a profética barba dançando ao vento, longos cabelos desgranhados e um olhar sinistro para a câmera. Era justamente esse tipo assustador que esperávamos encontrar - e ele sabe muito bem disso. E gosta.
Moore tem completa ciência da imagem curiosa que passa, com seus longos anéis prateados cobrindo a maior parte de seus dedos, e papos sobre adoração de antigos deuses-cobra (que, ele mesmo admite, já não passavam de um embuste no seculo II). Escolhas deliberadas que introduzem uma visão de mundo que resulta em histórias muito bem construídas e personagens realistas e tridimensionais. Ele percebe o lugar em que vivemos, suas relações e as pessoas com perigosa clareza, com fria objetividade. Ele vê como as peças se encaixam e entende com sensibilidade diversos lados de um mundo assustador, inseguro e muitas vezes feio e desagradável. Com esses dados, ele compõe suas histórias, que nos parecem incrívelmente verossímeis e incrivelmente inteligentes.
Moore tornou-se popular, entre dezenas de outras obras, ao criticar a extrema direita em V de Vingança. Depois, explorou as intrigas políticas da Guerra Fria em Watchmen, mostrou o coração negro e as diferenças sociais da Inglaterra Vitoriana em Do Inferno, fundiu a ficção fantástica e as aventuras do século XIX em A Liga dos Cavaleiros Extraordinários e, mais recentemente, concluiu uma obra íntima e controversa, Lost Girls, que alça a pornografia (Moore prefere a palavra à mais recatada "erotismo") a status de arte.
Lost Girls, escrita ao longo de 16 anos com uma artista que acabou tornando-se sua esposa, Melinda Gebbie, junta três personagens da fantasia clássica dos séculos XIX e XX: Dorothy, de O Mágico de Oz, Alice, de Alice no País das Maravilhas, e Wendy, de Peter Pan. As três se encontram em um pequeno hotel art noveau na Áustria em 1916 e relatam suas iniciações sexuais. O resultado é uma obra que mistura análise política do século passado, a vida pessoal das personagens, pressões sociais, arte, pintura, música e literatura, com muito, muito sexo.
Mas, antes de começar a entrevista, na qual ele define o mundo e seu trabalho, Moore avisa que vai fazer uma xícara de chá. Só então começamos a conversa.

OMELETE ENTREVISTA: ALAN MOORE
Alan Moore: Então, como eu posso te ajudar?
Lost Girls parece ter muita nostalgia associada. Tem muito art noveau, o nascimento do século passado e até o título, Lost Girls (Garotas Perdidas). Isso se relaciona a algo que você acha que foi perdido na sexualidade moderna?
Acho que isso provavelmente é verdade. Nós estávamos tentando capturar um momento na cultura Europeia, antes que a Primeira Guerra tivesse acontecido e mudado essa cultura - talvez para sempre. Eu não sei se nós superamos a Primeira Guerra mesmo agora, em 2007. Foi cataclísmico e devastador. Havia uma cultura tão rica antes daquele ponto, e algo da pura feiura mecânica da Primeira Guerra pareceu trazer à tona uma nova idade de modernismo selvagem, que, apesar de ter muitas coisas interessantes, deslocou algo. Um período talvez mais inocente da cultura foi deslocado. E a ideia de algo perdido, tanto em um nível nacional quando num nível pessoal, ressoa com as três garotas se distanciando das pessoas que elas eram quando mais jovens. Como se um certo tipo de personalidade inocente tenha sido perdida. Eu não quero dizer inocente em um sentido não sexual, eu quero dizer que uma certa maneira inocente de encarar a sexualidade foi inevitavelmente perdida com a passagem do tempo e a maturidade. Portanto, sim, há um elemento de nostalgia mas... Não tanto nostalgia, mas uma tentativa de sublimar a perda.
Nostalgia geralmente é, quero dizer É considerada uma doença, uma espécie de volta para um possível e imaginário passado rosado, ignorando o presente. O que nós queríamos com Lost Girls era ressaltar certas coisas que foram perdidas pela cultura ou por nós mesmos como indivíduos. Não é uma obra completamente retroativa, está falando sobre o presente e... Bem, nesse sentido é bom que Lost Girls finalmente tenha emergido durante a presente administração de George Bush.
Você tece na obra uma comparação entre a violência da Primeira Guerra e a violência que estamos testemunhando agora, em outras guerras.
A coisa é que essas considerações não foram inteiramente intencionais, por que nós começamos a fazer Lost Girls em 1989, quando eu acredito que o pai de George Bush ainda estava na Casa Branca, e nós não tínhamos ideia de quando iríamos terminar este trabalho, e eu acho que poderíamos ter terminado, digamos, durante a administração do Clinton, quando as coisas teriam sido bem mais liberais. Mas eu acredito que muito do viés político do livro teria sido perdido, enquanto que, com ele saindo hoje no meio da tentativa de George W. Bush de transformar os EUA em uma teocracia medieval com "gameboys", ele adquiriu um contraste mais pesado. Eu não posso pensar em uma época melhor para a obra ter saído.
Temos a maior parte do mundo completamente imersa em uma guerra em potencial e, pior, é uma guerra contra uma qualidade abstrata: terror, que, é claro, nunca pode ser vencida. É como a "guerra às drogas", sabe? Você apenas pode declarar guerra a nações, você não pode a declarar guerra a conceitos abstratos - conforme eu acredito que a atual administração Norte-Americana e a Britânica estão provavelmente aprendendo, sete anos tarde demais para beneficiar a qualquer um.
Mas, certamente, nós estávamos cientes de que, com Lost Girls saindo sob a paisagem contemporânea, o livro seria especialmente incisivo, por passar-se numa época em que há uma guerra tomando conta da maior parte do planeta.
Além disso, há também essa volta moralista da direita conservadora Cristã nos EUA que, aparentemente, é muito anti sexo, certamente anti pornografia, portanto Lost Girls está desafiando a visão de mundo corrente de diversas maneiras e eu acho importante que o livro tenha saído agora.
Apesar da relevância política, artisticamente Lost Girls parece não se encaixar com os tempos contemporâneos. Você não tem muito da "pornografia artística" de hoje em dia e, subitamente, você e Melinda trazem esse trabalho que levou 16 anos para ser terminado e tem referencias a Stravinsky, Primeira Guerra, psicologia Freudiana e assim por diante. Onde você encaixaria Lost Girls na história da exploração do erotismo e da pornografia?
Bem, eu acho que Lost Girls é certamente o primeiro livro erótico com esse nível de ambição e com esse tipo de escala e atenção à narrativa e tudo mais, eu acho que é o primeiro livro erótico imaginado em uma escala tão grandiosa (risadas). Também é provavelmente um dos primeiros livros eróticos que verdadeiramente emergiu num mercado de massa, orgulhosamente declarando ser pornografia, portanto é um fenômeno muito moderno. Eu duvido que Lost Girls pudesse ter sido produzido antes de 2007. Quer dizer, nós simplesmente não tínhamos a tecnologia em termos de impressão para reproduzir a arte de Melinda até muito, muito recentemente, e, por outro lado, se tivéssemos demorado um pouco mais nós não teríamos os tambores nas prensas fotográficas, porque eles estão sendo descartados (a maioria dos artistas trabalha com computadores hoje em dia), portanto nós não teríamos conseguido fotografar fisicamente a arte de Melinda.
Assim, é muito moderna, mas também é muito retrógrada em certos aspectos. O livro olha para uma era dourada da fotografia. Em todas as sessões do "Livro Branco" de Lost Girls nos referimos a pessoas como Franz Von Bayros, Pierre Louis, há referencias de passagem ao Marquês de Sade, porque ele é muito importante na evolução da literatura erótica, mas eu sempre achei seu trabalho um pouco chato (risadas). Eu entendo o que ele queria, eu vejo o objetivo de todo esse material sadístico e escatológico feito para ultrajar as autoridades de seu tempo, mas a olhos modernos eu o acho um pouco entediante, repetitivo e desagradável.
Nós o referenciamos, mas nos focamos em pessoas como Colette, Oscar Wilde, alguns pintores e ilustradores conhecidos como Egon Schiele e alguns menos conhecidos como Aubrey Beardsley, e essa foi nossa maneira de fazer um pastiche do que pensamos serem alguns dos melhores elementos da era dourada da pornografia vitoriana.
Então nós estávamos tentando fazer algo que era muito contemporâneo na concepção, tendo uma história em quadrinhos com escala tão grandiosa, mas também algo que reconhecesse a história do erotismo e meio que defendesse a continuidade do erotismo e da pornografia livres de sanção ou do desprezo do mundo artístico "oficial".
Essa é uma das razões pelas quais o livro foi feito sem computadores, as cores e tudo mais?
E sei que, por volta da metade do trabalho, Melinda ficou um pouco preocupada, porque ela estava trabalhando sem parar, fazendo vinte camadas diferentes de cores só para atingir um tom de pele, e muitos dos amigos dela estavam ficando empolgados e entusiasmados com colorização por computador - e ela estava se perguntando se ficaria pra trás.
Mas eu assegurei a ela que me parecia provável que, conforme a colorização computadorizada se tornava mais e mais onipresente, as pessoas passariam a dar valor ao toque humano presente naquele trabalho, obviamente desenhado à mão, feito à mão. E eu acho que isso também é verdade em relação à encadernação de Lost Girls em si. Creio que, num futuro onde tudo estará numa tela, os belos artefatos que você pode segurar em suas mãos se tornarão muito mais valorosos. E eu acho que isso parece ter compensado com Lost Girls. Quer dizer, Chris [Staros, editor da Top Shelf Publishing, que lançou Lost Girls nos EUA] quase faliu obedecendo nossos mais delirantes caprichos no que diz respeito a encadernação, mas tudo se pagou. Eu acho que todo mundo aprecia ter um pequeno e maravilhoso artefato para segurar com suas mãos.
Então, sim, é um trabalho moderno em seu planejamento e execução, mas isso não é sinônimo de obsessão com computadores ou outros frutos similares da tecnologia. Eu tenho a tendência a pensar que, como alguém estava me dizendo outro dia, no futuro computadores serão objetos decorativos, você irá a feiras de arte e artesanato e vai encontrar pessoas com esses computadores que parecem antiguidades, como um lembrete dessa fase pela qual nós passamos, e eu acho que mesmo nesse futuro distante ainda haverá mídia impressa, porque as pessoas, no fim das contas, gostam de ter um objeto feito com beleza que elas possam segurar.
Você disse que as cores têm uma qualidade que não pode ser atingida a não ser que uma pessoa esteja fazendo o trabalho com suas mãos. Eu achei elas muito brilhantes, vivas e alegres, é como estar em uma loja de doces...
Bem, em algumas sequências, sim, isso é verdade. Em outras, os esquemas de cores foram alterados para dar os efeitos que queríamos em particular. Por exemplo, a luz amarelada antes da tempestade, a luz cinza e amarela antes do tornado no primeiro flashback da Dorothy e em vários outros lugares. Uma das coisas que nós queríamos fazer era dar uma espécie de "calor amarelado" a todas as cenas que nós estávamos retratando - como você poderia achar, digamos, em belas ilustrações de livros para crianças.
Algumas das mulheres têm tons de pele como lindos confeitos rosa. Isso também tem parcialmente a ver com a psicologia do público que nós queríamos atingir, porque nós queríamos atingir homens e mulheres mas, francamente, você não tem que pensar muito em como deixar homens provocados, sabe? Homens não têm muitos preconceitos e respondem a praticamente qualquer coisa. Mulheres são o problema e, tradicionalmente, pornografia tem sido algo para o qual mulheres realmente não tem muita razão para querer olhar, algo que tem sempre sido feito de acordo com um ponto de vista estritamente heterossexual, é sempre desagradável a qualquer feminilidade, tem uma espécie de sensibilidade brutal e masculina.
Os quartos são feios, as mulheres parecem frias, vulneráveis e um pouco tristes, os homens parecem feios, a luz é sempre colocada como se uma cirurgia cerebral estivesse acontecendo - então você pode ver cada poro e cada ruga, parece que eles têm a intenção de fazer o sexo parecer o mais feio possível, e talvez sexo pareça algo feio se você o filmar sob forte luz de rua, mas essa não é a maneira como a maioria de nós percebe o sexo. A maioria de nós, quando está envolvida em momentos íntimos como união sexual, está vendo o mundo através de luzes muito macias, quentes e românticas, e era isso que nós queríamos capturar com os desenhos de Lost Girls, um ambiente que fosse muito bonito e convidativo, especialmente para leitoras que não haviam encontrado ambientes como esse em histórias eróticas antes.
Você teve boas respostas de mulheres nesse sentido? Porque, normalmente, mulheres não são protagonistas de histórias pornográficas, muito menos co autoras.
Bem, mulheres frequentemente são protagonistas de histórias eróticas, mas elas são mulheres escritas por homens. Você não tem que ir muito longe para achar um exemplo: Fanny Hill, Moll Flanders... Lost Girls tem mulheres escritas por um homem também, mas eu gosto de pensar que sou bastante bom em escrever mulheres críveis. Em meus outros quadrinhos isso foi algo do qual eu sempre me orgulhei, até certo ponto. Eu não estou dizendo que elas são completamente autênticas, mas eu acho que consigo fazer mais do que muitos dos meus contemporâneos.
Com Lost Girls, obviamente, se não fosse pelo fato de que Melinda estava trabalhando comigo nisso, já que isso foi, como você apontou, uma colaboração entre um homem e uma mulher, eu não acho que teria funcionado, em um milhão de anos eu não acho que teria funcionado. Mesmo se fossem duas mulheres trabalhando, o resultado seria puramente a visão feminina do erótico, e o mesmo aconteceria se fossem dois homens. Mas nossa colaboração permitiu que nós dois pudéssemos expressar nossas sensibilidades e trazer algo na arte e nas palavras que é agradável e empolgante aos dois. Esse foi o critério que usamos nos dezesseis anos em que trabalhamos nesse livro.
Isso foi uma parte muito importante de Lost Girls. Foi um processo quase alquímico. Eu sei que muitos dos alquimistas originais costumavam trabalhar em parcerias de macho/fêmea porque isso expressa a verdadeira natureza da alquimia, que é, num nível criativo ou místico, em muito uma combinação sexual de elementos e eu acho que esse era o nosso objetivo com Lost Girls, combinar ambos os lados da equação sexual nas sensibilidades do livro, com o intuito de trazer uma espécie de fusão nova.
E vocês tiveram boas respostas de mulheres?
Nós tivemos excelentes respostas. Quando a Melinda esteve em San Diego [na Comic-Con] ela me disse que metade das pessoas comprando o livro eram mulheres, e houve essa pequena história particularmente adorável que ele me contou sobre como uma mulher havia comprado o livro no primeiro dia da convenção e voltou no dia seguinte, para agradecer Melinda por ter feito o trabalho, com lágrimas nos olhos. Ela tinha passado a noite inteira acordada lendo.
A resposta tem sido incrivelmente calorosa e acredito que as mulheres têm ficado surpresas por terem gostado. Algumas porque, ao ouvirem que trata-se de um trabalho pornográfico, assumiram que seria como todo e qualquer outro trabalho pornográfico - entediante, talvez ofensivo. Mas nós temos recebido respostas muito boas de mulheres, algo que considero uma das coisas mais importantes para nós.
Em geral, a recepção de Lost Girls tem sido incrivelmente surpreendente e um pouco inspiradora. Nós não sabíamos se seríamos expulsos da cidade, sabe? (Risos). Particularmente devido ao atual clima religioso nos EUA. Mas nós não tivemos problema algum. Na verdade, tivemos o completo oposto. O governo canadense, inicialmente tendo apreendido Lost Girls na fronteira, recebeu um dossiê que o Chris Staros tinha montado, que incluía resenhas de prestigiosos jornais norte-americanos, e uma declaração de intenções, escrita por mim e Melinda. O resultado é que nós recebemos uma brilhante carta do governo canadense, dizendo que, sim, o livro incluía cenas de sexo infantil e bestialismo, mas de maneira alguma poderia ser considerado pornografia infantil - e também não poderia ser considerado obsceno, já que era um trabalho de tremendo benefício artístico e social. Era perfeito, quase uma resenha do governo!
A resposta tem sido tão boa que nós nos perguntamos sempre se isso é algum tipo de estranho e maravilhoso sonho e nós dois vamos acordar e descobrir que na verdade estamos na prisão esperando ser executados ou algo assim (muitas risadas).
Não, não, a resposta tem sido maravilhosa; inicialmente graças à pura beleza física da coisa que é 99% devida à arte de Melinda e à maravilhosa produção da Top Shelf. Isso ajudou a prevenir muitos dos possíveis comentários negativos.
A única resposta negativa que eu ouvi foi do Comics Journal, que tem uma espécie de... bem, porque eu disse que não estava mais interessado em fazer mais entrevistas com eles, eles tendem a ter uma certa birra comigo. Mas eles conseguiram que a Melinda cedesse uma entrevista para eles - algo que ela fez porque estava genuinamente pensando no melhor para todo mundo envolvido e a moça mandada pra entrevistar ela parecia uma pessoa boa -, e então, na edição antes de publicar a entrevista, o Comics Journal publicou uma crítica horrível de Lost Girls, e depois duas críticas piores ainda, para balancear, e mais uma no website, só pra se alguém tivesse perdido as três resenhas ruins na revista (risos). Mas no próximo número o novo editor se desculpou e escreveu um editorial em defesa de Lost Girls (quando na verdade a única coisa da qual a gente precisava de defesa era do Comics Journal). (Risadas.) Mas fora isso tem sido bem bom e, como eu disse, nós estamos com nossos corações acalentados e até certo ponto ficamos atônitos pela resposta, já que ela tem sido tão boa.





Alan Moore
Alan Moore e sua barba
Lost Girls
Lost Girls
Promethea
Promethea 32
A Voz do Fogo
A Voz do Fogo
Do Inferno
Do Inferno
V de Vingança
V de Vingança
The Mindscape of Alan Moore
The Mindscape of Alan Moore
Liga dos Cavaleiros Extraordinários
Liga dos Cavaleiros Extraordinários

Melinda [Gebbie, a ilustradora de Lost Girls] comentou que, inicialmente, trabalhar com seus roteiros foi dificil para ela, pois eles são tão detalhados e grandes, e que por isso você teve que desenvolver um novo método para esse projeto...

Alan Moore: Sim, eu desenvolvi. Até então, Melinda sempre havia trabalhado completamente sozinha, tanto como escritora quanto como artista. Era a primeira vez que ela trabalhava com um roteiro de história em quadrinhos, e ainda mais um dos meus roteiros de quadrinhos, que são coisas imensas, meio que do tamanho de uma lista telefônica, e que inundaram ela com um monte de informações detalhadas.
Portanto, depois de alguns capítulos de Lost Girls, Mel me perguntou se eu poderia fazer pequenos desenhos indicativos. Desse ponto em diante eu comecei o que para mim foi uma maneira nova de trabalhar - especialmente porque antes os meus outros colaboradores viviam longe demais para que eu pudesse sentar com eles e explicar do que o desenho desse pequeno rascunho realmente se tratava. Mas com Melinda, que estava vivendo aqui metade da semana, nós podíamos sentar e fazer os rascunhos. Eu não faria o diálogo de verdade, o que é minha prática normal. Eu esperaria até que Melinda tivesse terminado a arte e então se houvessem elementos que ela tivesse inventado e colocado por si mesma, como a expressão no rosto de um personagem ou algum pequeno detalhe na mobília, ou algo assim, eu poderia integrar as mudanças dela de maneira fluida no diálogo e, como resultado, eu acho que Lost Girls acabou sendo uma das colaborações mais naturais que já tive. Acho que isso é o mais próximo que eu já trabalhei com um artista em qualquer um dos meus livros. Eu tinha entrada na arte com os rascunhos em miniatura que eu fazia e ela tinha entrada no texto. Cada cena era discutida em detalhes e se houvessem partes dele sobre as quais Melinda não estava certa, ou que pareciam soar erradas, então elas seriam abandonadas e repensadas, até que nós tivéssemos algo com o qual ambos estivéssemos 100% de acordo. Pareceu-me um bom processo, mas não tenho certeza se eu poderia trabalhar assim novamente, tão próximo de alguém quanto trabalhei com Melinda. Foi uma experiência interessante, me educou bastante.

Você gostou tanto quanto aprecia seu processo normal?

Sim, eu gostei. Foi diferente. Eu sempre posso compôr um painel razoavelmente bom com meus esboços, mas se Melinda tivesse idéias visuais que fossem ainda melhores do que as minhas, então eu as aceitava.
Então, sim, foi completamente diferente da maneira como eu trabalhei antes e eu gostei desse processo apenas por essa razão. Quer dizer, todas as colaborações são levemente diferentes, dependendo da pessoa com quem você está trabalhando, mas essa com Melinda foi muito diferente, portanto muito, muito revigorante.

Existe algo que está sempre muito presente em seu trabalho, que é uma maneira de lidar com a narrativa muito ligada ao potencial das histórias em quadrinhos. Por exemplo, quando Wendy e Alice têm seu encontro sexual e você justapõe os sete pecados capitais às imagens delas juntas, ou quando elas estão no Balé assistindo ao Stravinsky e você mostra uma grande sequência das duas na parte de baixo e o Balé em cima. Você sempre está explorando as possibilidades da narrativa em quadrinhos. Você acredita que isso é tão importante quanto o drama?

Ah, bem, pra mim eles tem que ser igualmente importantes. Sim, eu sou meio que um "formalista", eu realmente gosto de experimentar com a forma, pois já que vou trabalhar na mídia de Quadrinhos, então eu quero ter certeza de que estou testando aquilo ao máximo possível. Estou constantemente tentando ter novas ideias de como contar uma história em quadrinhos e, ao mesmo tempo, tentando criar uma narrativa forte, sobre algo no qual acredito apaixonadamente. É preciso ter substância na história, assim como uma forma elegante. Um não irá funcionar sem o outro. Em Lost Girls buscamos algo que tivesse substância emocional, intelectual e moral, e queríamos entregar essa mensagem da maneira mais elegante e atraente que pudéssemos. Então sim, eu adoro truques formais, eu fiz muito disso no meu trabalho, é verdade. Algumas das coisas em Promethea...

Ah sim, o pôster…

Eu adoro essas coisas. De qualquer forma, eu tento fazer as coisas de maneira que o formato não pese demais sobre o conteúdo e vice-versa, portanto eles são igualmente importantes.

Você já teve uma idéia para uma história a partir de um truque estético? Algo como "Eu vou fazer uma história com formato de pôster e preciso de algo para preencher esse conceito"?

Sim, essa foi a maneira através da qual aqueles dois particularmente notáveis e inteligentes números de Promethea - o com as cartas de tarô e com pôster - surgiram. Nós estávamos pensando se era possível fazer um número inteiro como uma longa cena estática que incluísse todos esses elementos como uma progressão de cartas de Tarô, uma história resumida da raça humana e os anagramas do nome Promethea. Isso é algo que veio de uma ideia abstrata: "Será que é possível?" Eu acho que veio de ler um velho número da revista underground britânica Oz, na qual ao invés de terem artigos produzidos com cinco páginas por artigo e então uma página para uma tira de quadrinhos, e depois mais um artigo de seis páginas... e assim por diante... eles tinham pedaços de todos os artigos em todas as páginas. Então a tira de quadrinhos tinha um painel por página através da revista inteira, e havia uma figura correndo com balões de texto dando um pensamento diferente de narrativa que passavam pela revista inteira, e eu estava pensando "Isso é interessante, eu me pergunto se existe uma maneira mais formal na qual você poderia fazer esse experimento anárquico."
E aí veio a coisa com o pôster. Aquilo foi no meio de uma visão mágica e psicodélica. Eu subitamente fui tomado por uma espécie de percepção arrogante da minha própria onipotência e de repente decidi que iria fazer Promethea 32 o último número, e que ele seria uma maravilhosa narrativa psicodélica que, de alguma forma, magicamente se transformava em um pôster psicodélico de dois lados, e eu pensei "Ok, vai ser isso" e uns dois dias depois, quando estava pensando sobre o assunto eu percebi "Isso vai ser bem, bem difícil" (Risos) e eu sentei com um amigo meu e nós fizemos um boneco de papel pequeno, com uma folha, e o dobramos em um livrinho de 32 páginas, e numeramos as páginas, e percebemos que era quase impossível, que você não poderia fazer um desenho em linha que não se quebraria em fragmentos em diferentes lados do pôster. Foi aí que pensei em usar pontos impressionistas, com um adorável campo colorido psicodélico como o fundo de cada página, onde você teria sua linha dourada como uma iluminura. Então, se você estivesse lendo a revista como uma HQ, a linha do desenho seria a coisa mais visível, se você estivesse olhando para tudo como um pôster, a linha do desenho iria desaparecer na iluminura dourada e você conseguiria ver a imagem maior atrás.
Então assim que eu pensei isso tudo foi uma questão de pensar tudo por estágios até conseguir uma narrativa que se encaixasse nisso. Mas qualquer que seja o elemento no qual você pense primeiro (forma ou narrativa) é importante que ele tenha seu próprio peso.

Normalmente você encaixa a forma na narrativa ou faz o contrário?

Eu suponho que eu normalmente encaixo a forma na narrativa. Eu tenho ideias de narrativas mais frequentemente do que eu tenho sensacionais ideias de forma. Mas pode acontecer de todos os jeitos. Eu normalmente penso no que quero que a narrativa faça e como atingir todas as coisas às quais quero me referir, e então arranjo alguma espécie de estrutura que irá se encaixar nela. Mas pode acontecer o contrário também.
Há uma cena bem forte de sexo homossexual masculino em Lost Girls e isso foi uma surpresa para mim até certo ponto. Quer dizer, eu sei que é Alan Moore e não da para se prever muito, mas foi surpreendente estar no meio do livro, envolvido nele, e encontrar essa cena.
Sim, isso foi incluído parcialmente por que não queríamos ali apenas pornografia para homens heterossexuais. Nós queríamos também pornografia para mulheres e pessoas de outras sexualidades. E também por que eu sou um grande admirador da pornografia Vitoriana, do final dos 1800, quando, considerando o quão recatada a sociedade era, a pornografia era surpreendentemente liberal. Aparentemente, você tinha muito mais pluralidade, enquanto que, hoje em dia, é obrigatório a toda mulher em um filme pornográfico ser bissexual, enquanto os homens são rigidamente heterossexuais, e isso não era verdadeiro na era Vitoriana. Todo mundo parecia ser gloriosamente polimorfo, e isso retratava uma atitude mais saudável em relação ao sexo, diferente da pornografia muito especializada que temos hoje em dia.
Então, foi assim que aquela cena entre Howard e Rob surgiu, assim como outros momentos presentes lá. Nós queríamos incluir aquilo para sublinhar nossa simpatia com uma era dourada da pornografia e mostrar que a pornografia está aberta a pessoas de todas as persuasões.

Existe certa agressividade naquela cena, assim como em várias outras cenas de sexo no livro. Você queria manter essa tensão?

A coisa é que sexo tem todos os tipos de facetas nele. Nós não queríamos dizer que sexo sempre é uma coisa cheia de sensibilidade e bom gosto, já que isso não compreenderia tudo que é sexo, nem tudo do apelo que o sexo tem, sabe? Às vezes certa agressividade pode ser muito interessante. Nós estávamos muito conscientes de que não queríamos fazer desse trabalho uma sinfonia de uma nota só, nós queríamos tocar notas de todos os pontos do espectro emocional em termos de como o sexo é apresentado. Algumas vezes, sexo pode ser bruto e repentino, algumas vezes pode ser bem engraçado, algumas vezes pode ser muito sério e poético e romântico, às vezes pode ser agressivo, e nós queríamos variar a palheta, pois um dos problemas com a pornografia é a monotonia que se estabelece depois de algumas transas repetitivas que meio que acontecem todas no mesmo nível. Nós realmente tentamos fazer com que Lost Girls crescesse, em termos de intensidade sexual, em direção ao clímax, ao invés de começar com a orgia de sempre e continuar assim por 240 páginas. Nós pensamos muito no andamento e no tempo e na estrutura da coisa toda.

Olhando para as garotas e ao retrato das jornadas muito pessoais delas, percebemos que seu trabalho é repleto de pequenas cenas emocionais e intimas. Não apenas em Lost Girls, mas também em A Voz do Fogo, você tem o primeiro capítulo com o garoto que perde sua mãe, e outra história sobre um personagem que volta à sua vila e não há mais ninguém lá.
Por outro lado, você sempre está colocando eles nesse grande pano de fundo, seja a fundação de uma cidade em A Voz do Fogo, ou a Grande Guerra em Lost Girls ou a Inglaterra Vitoriana em Do Inferno, ou a Guerra Fria acontecendo enquanto vemos as histórias de Rorschach, Coruja, Dr. Manhattam, etc.

O que é mais difícil, debater esses assuntos grandes ou emocionar os leitores com a jornada pessoal dos seus personagens? O que você prefere fazer?
Bem, de novo, se você está fazendo uma pintura de uma paisagem, não é uma má ideia ter algum tipo de noção de escala humana, colocar uma pequena figura na praia para te dar uma ideia da escala da paisagem e ver como ela se relaciona com os seres humanos nela. São duas partes da narrativa que têm o mesmo peso: A paisagem e as pessoas nela. Ambos os tipos de narrativa me interessam. Eu estou interessado na narrativa de lugares, eu me interesso em como paisagens mudam, em como cidades mudam, como em A Voz do Fogo, e tão importante quanto isso, eu estou interessado nas vozes individuais das figuras que se movem pela paisagem e eu acho que.... Quer dizer, é isso que a realidade é em certa medida, não é? É uma série de paisagens com seres humanos se movendo através dela.

Pequenas histórias se movendo.

Sim, pequenas histórias. E prestar atenção nesses elementos me permite criar um senso de realidade muito mais completo, o que é, eu acho, o que todo escritor ou artista está tentando simular em seus próprios termos.

Algumas vezes, em relação a alguns de seus personagens, sentimos uma sensação de solidão e certa melancolia. Rorschach é um cara com o qual não dá pra concordar em nada, mas nós acabamos simpatizando com ele.

Minha teoria da personalidade humana é de que todo mundo tem uma espécie de gema com um milhão de facetas em algum lugar dentro de si e, quando nós construímos nossa própria personalidade, nós simplesmente polimos quatro ou cinco dessas milhões de facetas.
Existe a voz da personalidade com a qual falamos com nossos colegas, existe a voz com a qual falamos com os nossos pais, com as pessoas que amamos, e assim por diante, mas isso ainda são apenas quatro ou cinco facetas. Nós poderíamos ter polido quaisquer dessas facetas, então eu acho que nós todos temos todo um elenco em potencial dentro de nós, nós somos apenas aqueles nos quais focamos. Então essa é a maneira através da qual eu sempre lidei com caracterização.
Com um personagem como Rorschach, eu simplesmente tenho que me colocar nesse estado mental e, sim, eu tenho horríveis e negras fantasias de vingança, ou já as tive, tanto quanto qualquer um. E eu acredito que estava pensando "Bem, e se tudo que existisse de mim fosse só isso? Só essa vontade de punir os culpados?", e você começa a criar o personagem a partir disso. Com Dr. Manhattam, sim, por que eu tenho uma memória muito, muito boa, algumas vezes eu tenho a sensação de "Sim, está tudo acontecendo ao mesmo tempo. Eu posso me lembrar exatamente como era cinco anos atrás quando eu estava tendo uma conversa com essa pessoa, e agora nós estamos tendo uma conversa diferente com pessoas diferentes e esses eventos se sobrepõe e eles são muito intensos" e conforme você fica mais velho você nota isso mais, e então o Dr. Manhattam foi uma expressão disso. O Coruja foi uma expressão do tipo de garoto escolar romântico que meio que nunca cresce, e sim eu tenho isso em mim em algum lugar também, e o Dr. Gull, quando eu estava escrevendo Do Inferno, Melinda disse que eu tinha uma espécie de capa de maldade Vitoriana meio que amarrada ao redor de mim, quando eu estava apenas falando normalmente, havia essa gravidade muito pesada que eu associava ao Dr. Gull.
Você tem que entrar nos personagens, sabe? E ao mesmo tempo todos os personagens, os mais cheios de exuberância e prazer, são todos parte de mim. Os infelizes, melancólicos e solitários, os personagens psicóticos, eles são todos parte de mim. Eu estou reconhecendo isso.
De maneira geral, você compreende o garoto de A Voz do Fogo, Rorschach, Gull, e os ama também.
Você tem que amar os personagens. Isso foi algo que eu descobri quando estava escrevendo V de Vingança. Quando fui escrever os nazistas eu percebi que estava tratando eles quase como caricaturas de nazistas. Todos eles, mais ou menos, tinham monóculos e os clichês de sempre. E eu pensei "Nazistas de verdade não são assim, nazistas de verdade são pessoas normais." É de lá que eles vieram. Eles eram limpadores de rua e padeiros e açougueiros que apenas colocaram um uniforme quando lhes pediram isso. Então, eu tentei criar seres humanos críveis que tivessem escolhido o fascismo por alguma razão, e descobri que alguns deles ainda eram personagens desagradáveis, mas provavelmente para entender os personagens você tem que amá-los de alguma forma, olhá-los sem julgamento e sentir um pouco de pena deles. Isso enriqueceu em muito os personagens de V de Vingança, acrescentou uma tridimensionalidade a eles, transformou a história em uma luta tridimensional ao invés de um trabalho moralista bidimensional com um glamouroso herói anarquista romântico lutando contra um monte de bonecos de papel fascistas. Essa foi uma lição que eu levei para todo o meu trabalho, que você tem que ter compreensão por todo mundo.
Em Lost Girls, na cena final, quando você tem aqueles soldados quebrando o quarto e dizendo um monte de coisas desagradáveis sobre mulheres, apenas levando uma conversa casual, não é que eles sejam figuras odiosas, eles são homens que estão frios e solitários e gostariam de estar em outro lugar, e eles provavelmente vão morrer num conflito que não foi explicado a eles direito e preferiam estar em casa, na cama com suas esposas.
Você tem que ter simpatia.
Eu estou convencido que se você olhasse no coração de todo mundo, no planeta, é muito provável que você iria achar algo lá que você poderia amar, algo que você poderia respeitar. Pode haver uma enorme massa de coisas que são absolutamente horríveis, mas eu estou convencido que em todo mundo há um fragmento de algo pelo qual você pode sentir simpatia, que você pode olhar para alguém que se tornou um monstro e voltar a algum ponto na infância deles e pensar "Bem, você também não teve muita chance não é mesmo? Você tomou algumas decisões ruins, eles estavam olhando ao redor de você para te dar as pistas certas, e você terminou como um monstro imperdoável". Eu acho que isso é importante. Você tem que ter simpatia pela pior das criaturas se quiser ser um escritor bem sucedido.

Bem, agora uma questão mais prática, sobre próprio processo de criação: eu sei que diferentes projetos exigem diferentes processos, mas como você normalmente começa a preparar o seu trabalho para escrever?

Bem, deixe me ver. O maior trabalho recente que eu comecei é Jerusalem, e isso apareceu da crescente percepção que eu tive de quão fantástica é a comunidade de onde eu vim, e eu percebi que estava explorando minha própria mente, eu estava pensando na minha família, eu estava pensando na área onde todos crescemos e eu comecei a perceber que havia esse incrível tesouro de histórias que podiam ser contadas. Eu comecei a pensar de uma maneira na qual elas poderiam ser colocadas juntas. Esse é um enorme projeto.
Eu sentei e escrevi uma lista de coisas sobre as quais eu queria falar e separei elas em trinta e cinco nomes de capítulos interessantes com os quais eu estava satisfeito. Então eu olhei para esses títulos e pensei "Bem, ok, isso é um prólogo e um epílogo e três sessões de onze capítulos." Então uma estrutura começa a emergir: eu dividi os trinta e cinco títulos de capítulos com breves notas sobre o que cada um possivelmente seria sobre em três pilhas: começo, meio e fim do livro, e então eu as coloquei em ordem, e comecei com o prólogo e escrevi aquilo, fui para o capítulo um da parte um e estou progredindo pelo livro assim.
Eu meio que me arranjei uma enorme estrutura sólida, e agora o processo é trabalhar dentro dela. Isso provavelmente vai me levar uns dois anos e provavelmente vai ter meio milhão de palavras quando acabar. Esse é um jeito com o qual trabalhar: não importa o tamanho do projeto que você está tentando fazer, coloque toda sua informação, todas as coisas sobre as quais quer falar no papel, numa enorme bagunça espalhada e então passe a impor algum tipo de estrutura. Pode ser uma estrutura arbitrária sob a bagunça, e você vai descobrir que está um par de passos à frente no processo de criar de verdade um trabalho finalizado.
Esse é um bom exemplo de como eu trabalho. Você só tem que mudar isso um pouco para falar sobre como eu criei Do Inferno ou Lost Girls, sabe? A estrutura pode ser diferente a cada caso, mas é bem assim que eu faço. Eu pego a idéia, a atmosfera daquilo sobre o que eu quero falar, e então eu tento dividir isso em pedaços usáveis, e daí eu tento colocar esses pedaços em alguma espécie de ordem grosseira, normalmente de acordo com uma estrutura de três partes, por que essa é uma estrutura muito durável.

Você faz fichas para os personagens?

Eu fiz isso apenas uma vez e foi com Big Numbers, no qual eu peguei um pedaço grande de papel pautado, que dividi em quarenta nomes ou algo assim pelo lado e pelos 12 números da série no topo, então eu tinha algo como 500 pequenos quadrados nos quais eu escrevi o que cada personagem estava fazendo em cada número, e isso foi feito principalmente para assustar outros escritores (risos), mas foi um experimento útil, no que diz respeito à progressão de Big Numbers. Eu tendo a fazer isso na minha cabeça agora, ou em breves notas ao invés de produzir algo pra fazer o Neil Gaiman ficar ansioso (risos). Mas é o mesmo processo.
Eu estava falando com Dez Vylenz, que fez o filme The Mindscape of Alan Moore e nós estávamos pensando se você, com suas performances, e já tendo um número até que grande de CDs para quem não é, por assim dizer, um "músico profissional", se sentiria à vontade trabalhando com outras mídias. Fazendo filmes ou algo assim.
Pode muito bem acontecer. Quer dizer, eu não sei onde ou quando, no momento eu tenho um calendário fechado com todos os projetos no qual embarquei como escritor, o Bumper Book of Magic (com Steve Moore, a ser publicado pela Top Shelf) o terceiro volume da Liga e Jerusalem, mas eu tenho falado com pessoas. Tem um cara local, Barry Hale, que lidera um curso de cinema e fez trabalhos fantásticos. Ele estava me perguntando se eu estaria interessado em fazer um pequeno filme mágico. Então, sim, se o tempo permitir e eu tiver uma idéia boa o suficiente. Nós estávamos falando outro dia sobre a possibilidade de performances de Cabaré... Eu não falo com Tim Perkins há um bom tempo porque ele se mudou para Oxford, onde ele está criando bebês a despeito de todos os conselhos que eu lhe dei ele foi em frente... (risadas) Mas nós devemos entrar em contato logo e eu sei que Tim está montando um estúdio na sua garagem, então nós temos muitos recursos entre nós e as pessoas que nós conhecemos, e nos anos vindouros eu tenho certeza de que eu vou me ver fazendo todos os tipos de coisas, mas eu não posso dizer a você o quê e quando elas acontecerão, mas eu sempre estou procurando por novas maneiras sobre as quais eu me entusiasme para me expressar, então, sim, eu não vou me ater aos quadrinhos de maneira alguma. Na verdade, é bem o oposto. Quadrinhos serão apenas parte do meu trabalho, no futuro.

Você não vai mais fazer quadrinhos depois da Liga?

Bem, eu não sei, provavelmente farei, mas eles não serão de forma alguma todo o meu trabalho. As atividades da DC e da Wildstorm me desmotivaram a trabalhar com qualquer editora de quadrinhos de grande porte novamente. Então, fico bem feliz fazendo o livro de magia, por exemplo, que tem tiras de quadrinhos nele e um monte de outras coisas que não são quadrinhos de maneira nenhuma. Até mesmo o Black Dossier ("Dossiê Negro", da Liga dos Cavaleiros Extraordinários). Quando a DC e a Wildstorm finalmente decidirem lançar isso, eu acho que as pessoas vão ver o tipo de alcance que eu espero cobrir no futuro. Existem muitos quadrinhos lá e existe muita coisa que não é nada de quadrinhos, textos e outros elementos surpresa. Essa é a área brincalhona na qual eu quero trabalhar no futuro. Onde você pode levar a sério ser brincalhão.

Alan, muito obrigado pela entrevista!

O prazer foi meu. E, por favor, estenda meus cumprimentos e melhores desejos a todo mundo no Brasil.

Nenhum comentário: