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Gunter Grass |
O escritor alemão Günter Grass, prêmio Nobel de Literatura de 1999, provoca polêmica internacional ao publicar um poema afirmando que Israel é um risco à paz mundial e criticando o país pelo arsenal nuclear e pelas ameaças ao Irã
Baby Siqueira Abrão
Correspondente no Oriente Médio
A polêmica começou em 4 de abril, quando o Süddeutsche Zeitung (literalmente, Jornal do sul da Alemanha) publicou o mais novo poema de Günther Grass, “Was gesagt werden muss” ("O que deve ser dito"). Nele, Grass critica Israel por seu poderio nuclear e pelas ameaças de ataque ao Irã. E vai além, chamando Netanyhau, primeiro-ministro israelense, de “fanfarrão” que quer exterminar o povo iraniano. O escritor também critica a Alemanha, que há pouco tempo vendeu outro submarino nuclear ao governo de Israel.
Importantíssimas são as sugestões de Grass para que Israel e Irã permitam que autoridades internacionais inspecionem suas instalações nucleares; para que os sionistas renunciem à força; e o desafio à hipocrisia do Ocidente, que silencia diante dos crimes israelenses por temer a acusação de “antissemitismo” – segundo o poeta, uma “gravosa mentira”, uma coação. É preciso lembrar que os sionistas acusam seus críticos de “antissemitas”, procurando identificar esse termo com “antissionismo”.
Na verdade, ambas as palavras referem-se a conceitos muito diferentes. “Antissemitas”, vocábulo cunhado no final do século 19 no contexto europeu de perseguição aos judeus, refere-se – com muita impropriedade, destaque-se, uma vez que grande parte da população árabe é semita e os judeus da Europa não o são – às pessoas que se opõem aos que professam o judaísmo. Já “antissionismo” diz respeito ao crescente movimento mundial daqueles que repudiam a ideologia sionista, considerada racista, militarista, apoiada em mitos que falseiam a história, na violência e na violação de direitos humanos, em função da opressão a que submete o povo palestino há mais de 100 anos.
O sionismo conta com profissionais para criar argumentos que, distorcendo e negando a realidade, fazem a defesa de suas políticas e de suas práticas. Esses argumentos têm como objetivo desviar, do foco das críticas, a situação criada pelos sionistas na Palestina. Enviados a sionistas e judeus do mundo todo, são repetidos por eles à exaustão. Podem convencer ao interlocutor desacostumado a esse debate, mas são facilmente desmontados por aqueles que têm um mínimo de conhecimento sobre a história do sionismo, as pressões internacionais que seus adeptos fizeram para tomar a Palestina e a violência a que os sionistas submetem os palestinos desde fins do século 19.
Günter Grass não chega ao ponto de desmascarar a falsa relação que os sionistas fazem entre antissemitismo e antissionismo ou as falácias que sustentam essa relação. Mas, numa Europa em que a população vive acuada, temendo ser acusada de antissemita, é um grande passo denunciar o uso da palavra como instrumento político de coação, destinado a calar os opositores dos sionistas (instrumento, por sinal, também utilizado no Brasil).
Esses pontos, fundamentais no debate sobre o perigo que Israel representa para a ordem mundial, ao, entre outras ilegalidades, violar a legislação internacional, fabricar e armazenar secretamente armas de destruição de massa, praticar genocídio* contra o povo palestino, foram colocados na pauta mundial por Grass.
Diante desse fato, as qualidades literárias do poema, consideradas abaixo da média pela crítica especializada, e o fato de o poeta ter participado de uma organização nazista aos 15 anos de idade (o que pode ser explicado por sua imaturidade, aliada à confiança que o povo alemão, Grass incluído, depositava no nazismo quando o levou ao poder), não têm a mínima importância.
Trata-se de um poema militante, de um homem que conheceu a barbárie da guerra e teme que a humanidade, indefesa, seja submetida a barbárie muito pior em consequência dos caprichos de governantes desvairados.
Conheça o poema de Günter Grass, traduzido da versão espanhola.
O que deve ser dito
Günter Grass
Porque guardo silêncio há demasiado tempo
sobre o que é manifesto
e se utilizava em jogos de guerra
em que no fim, nós sobreviventes,
acabamos como meras notas de rodapé.
É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano,
conduzido ao júbilo
e organizado por um fanfarrão,
porque na sua jurisdição se suspeita
do fabrico de uma bomba atômica.
Mas por que me proibiram de falar
sobre esse outro país [Israel], onde há anos
- ainda que mantido em segredo –
se dispõe de um crescente potencial nuclear,
que não está sujeito a nenhum controle,
pois é inacessível a inspeções?
O silêncio geral sobre esse fato,
a que se sujeitou o meu próprio silêncio,
sinto-o como uma gravosa mentira
e coação que ameaça castigar
quando não é respeitada:
“antissemitismo” se chama a condenação.
Agora, contudo, porque o meu país,
acusado uma e outra vez, rotineiramente,
de crimes muito próprios,
sem quaisquer precedentes,
vai entregar a Israel outro submarino
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras
para onde não ficou provada
a existência de uma única bomba,
se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que deve ser dito.
Por que me calei até agora?
Porque acreditava que a minha origem,
marcada por um estigma inapagável,
me impedia de atribuir esse fato, como evidente,
ao país de Israel, ao qual estou unido
e quero continuar a estar.
Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?
Porque deve ser dito
aquilo que amanhã poderá ser demasiado tarde [a dizer],
e porque – já suficientemente incriminados como alemães –
poderíamos ser cúmplices de um crime
que é previsível,
pelo que a nossa cota-parte de culpa
não poderia extinguir-se
com nenhuma das desculpas habituais.
Admito-o: não vou continuar a calar-me
porque estou farto
da hipocrisia do Ocidente;
é de esperar, além disso,
que muitos se libertem do silêncio,
exijam ao causador desse perigo visível
que renuncie ao uso da força
e insistam também para que os governos
de ambos os países permitam
o controle permanente e sem entraves,
por parte de uma instância internacional,
do potencial nuclear israelense
e das instalações nucleares iranianas.
Só assim poderemos ajudar todos,
israelenses e palestinos,
mas também todos os seres humanos
que nessa região ocupada pela demência
vivem em conflito lado a lado,
odiando-se mutuamente,
e decididamente ajudar-nos também.
Porque guardo silêncio há demasiado tempo
sobre o que é manifesto
e se utilizava em jogos de guerra
em que no fim, nós sobreviventes,
acabamos como meras notas de rodapé.
É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano,
conduzido ao júbilo
e organizado por um fanfarrão,
porque na sua jurisdição se suspeita
do fabrico de uma bomba atômica.
Mas por que me proibiram de falar
sobre esse outro país [Israel], onde há anos
- ainda que mantido em segredo –
se dispõe de um crescente potencial nuclear,
que não está sujeito a nenhum controle,
pois é inacessível a inspeções?
O silêncio geral sobre esse fato,
a que se sujeitou o meu próprio silêncio,
sinto-o como uma gravosa mentira
e coação que ameaça castigar
quando não é respeitada:
“antissemitismo” se chama a condenação.
Agora, contudo, porque o meu país,
acusado uma e outra vez, rotineiramente,
de crimes muito próprios,
sem quaisquer precedentes,
vai entregar a Israel outro submarino
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras
para onde não ficou provada
a existência de uma única bomba,
se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que deve ser dito.
Por que me calei até agora?
Porque acreditava que a minha origem,
marcada por um estigma inapagável,
me impedia de atribuir esse fato, como evidente,
ao país de Israel, ao qual estou unido
e quero continuar a estar.
Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?
Porque deve ser dito
aquilo que amanhã poderá ser demasiado tarde [a dizer],
e porque – já suficientemente incriminados como alemães –
poderíamos ser cúmplices de um crime
que é previsível,
pelo que a nossa cota-parte de culpa
não poderia extinguir-se
com nenhuma das desculpas habituais.
Admito-o: não vou continuar a calar-me
porque estou farto
da hipocrisia do Ocidente;
é de esperar, além disso,
que muitos se libertem do silêncio,
exijam ao causador desse perigo visível
que renuncie ao uso da força
e insistam também para que os governos
de ambos os países permitam
o controle permanente e sem entraves,
por parte de uma instância internacional,
do potencial nuclear israelense
e das instalações nucleares iranianas.
Só assim poderemos ajudar todos,
israelenses e palestinos,
mas também todos os seres humanos
que nessa região ocupada pela demência
vivem em conflito lado a lado,
odiando-se mutuamente,
e decididamente ajudar-nos também.
*Segundo o artigo 6 do Estatuto de Roma, que fundou o Tribunal Penal Internacional, entende-se por “genocídio” qualquer dos seguintes atos: “perpetrados com a intenção de destruir total ou parcialmente um grupo nacional, étnico,
a) Matança de membros do grupo;
b) Lesão grave à integridade física ou mental dos membros do grupo;
c) Sujeição intencional do grupo a condições de existência que acarretem sua destruição física, total ou parcial;
d) Medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
e) Transferência, por meio da força, de crianças do grupo a outro grupo”.
As práticas sionistas também se inscrevem em outros crimes estabelecidos pelo Estatuto de Roma: lesa-humanidade (capítulo 7) e crimes de guerra (artigo 8). Esses crimes são imprescritíveis e o leitor pode comprovar pelos artigos abaixo, com seus próprios olhos, que esses crimes foram e continuam sendo cometidos contra o povo palestino.
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Visita a Gaza (imagens de Miguel Portas, deputado do Parlamento Europeu)
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