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Por Drauzio Varella
As periferias das cidades brasileiras parecem umas com as outras:
casas sem reboco, grades de segurança, fios elétricos emaranhados,
vira-latas e criançada na rua. Há 13 anos faço programas de saúde para a
televisão. Procuro gravá-los nos bairros mais distantes, por uma razão
óbvia: lá vivem os que mais precisam de informações médicas.
Esta semana, como parte de uma série sobre primeiros socorros,
gravamos a história de um menino de 2 anos que abriu sozinho a porta do
forno, subiu nela e puxou do fogo o cabo de uma panela cheia de água
fervente. A queimadura foi grave, passou duas semanas internado no
hospital do Tatuapé, em São Paulo. Situada na periferia de Itaquera, a
casa ocupava a parte superior de uma construção de dois andares. Subi
por uma escada metálica inclinada e com degraus tão estreitos, que
precisei fazê-lo com os pés virados de lado.
A porta de entrada dava numa cozinha com o fogão, a
geladeira, as prateleiras com as panelas e uma pequena mesa. Um batente
sem porta separava-a do único quarto, em que havia dois beliches, um
guarda-roupa e uma divisória de compensado que não chegava até o teto,
atrás da qual ficava a cama em que dormiam o pai e a mãe.
Nesse espaço exíguo viviam dez pessoas: o casal, seis filhos e dois
netos. Os filhos formavam uma escadinha de 2 a 17 anos; os netos eram
filhos das duas mais velhas, que engravidaram solteiras. O único salário
vinha do pai, pedreiro. Por falta de pagamento, a luz tinha sido
cortada há dois meses, os 300 reais da dívida a família não sabia de
onde tirar.
No fim da gravação perguntei à mãe, uma mulher de 38 anos que
pareciam 60, por que tantas crianças. Disse que o marido não gostava de
camisinha, e que a existência dos netos não fora planejada, porque
“essas meninas de hoje não têm juízo”.
Na periferia do Recife, de Manaus, de Cuiabá ou Porto Alegre a
realidade é a mesma: a menina engravida em idade de brincar com boneca,
para de estudar para cuidar do bebê que já nasce com o futuro
comprometido pelo despreparo da mãe, pelas dificuldades financeiras dos
avós que o acolherão e pelos recursos que terá de dividir com os irmãos.
Na penitenciária feminina, quando encontro uma presa de 25 anos sem
filhos, tenho certeza de que é infértil ou gay. Não são raras as que
chegam aos 30 anos com seis ou sete. Não fosse o tráfico, que
alternativa teriam para sustentar as crianças?
Já escrevi mais de uma vez que a falta de acesso aos
métodos de controle da fertilidade é uma das raízes da violência
urbana, enfermidade que atinge todas as classes, mas que se torna
epidêmica quando se dissemina entre os mais desfavorecidos. Essa
afirmação causa desagrado profundo em alguns sociólogos e demógrafos,
que a acusam de forma leviana por não se basear em estudos científicos.
Afirmam que a taxa de natalidade brasileira já está abaixo dos níveis de
reposição populacional.
É verdade, mas não é preciso pós-graduação em Harvard para saber que
as médias podem ser enganosas. Enquanto uma mulher com nível
universitário tem em média 1,1 filho, a analfabeta tem mais de 4.
Enquanto 11% dos bebês nascem nas classes A e B, quase 50% vêm da classe
E, com renda per capita mensal inferior a 75 reais.
De minha parte, acho que faz muita falta aos teóricos o contato com a
realidade. Há necessidade de inquéritos epidemiológicos para demonstrar
que os cinco filhos que uma mulher de 25 anos teve com vários
companheiros pobres como ela, correm mais risco de envolvimento com os
bandidos da vizinhança do que o filho único de pais que cursaram a
universidade? Convido-os a sair do ar condicionado para visitar um
bairro periférico de qualquer capital num dia de semana, para ver
quantos adolescentes sem ocupação perambulam pelas ruas. Que futuro
terão?
A falta de acesso ao planejamento familiar é a mais odiosa de todas
as violências que a sociedade brasileira comete contra a mulher pobre.
6 comentários:
Jader
Não simpatizo muito com Dráuzio Varella, mas devo admitir que nesse assunto ele está repleto de razão, adolescentes sem ocupação é o que mais contribui para isso.
Mas não adianta ter acesso ao Planejamento Familiar e não entender o que isso significa, precisam entender o significado e suas consequências, e só as escolas podem ajudar na concientização disso.
Infelizmente as escolas públicas estão com o ensino decadente, professores despreparados e alunos totalmente desmotivados. Tería que haver uma mudança radical do ensino no Brasil, com grande motivação aos jovens da períferia, só assim se poderia reverter esse quadro lastimavel.
Grandes projetos tinham Darci Ribeiro e Brizola para o ensino público, mas infelizmente não houve apoio suficiente por parte daqueles que tiram proveito da pobreza alheia.
Projetos no ensino público com parcerias empresariais sería um grande passo para encaminhar esses jovens, motivá-los e orientá-los é um dever do Estado, pois isso repercutirá no futuro do país.
Um grande abraço meu amigo
Amigo Burgos
Não o conheço o D.V. Com certeza bons motivos você deve ter para não gostar dele.
Concordo com você quanto a educação e aos valorosos projetos do Darci Ribeiro e Brizola.
Pouco posso acrescentar diante da vergonhosa atuação daqueles que deveriam representar o Brasileiro, principalmente os mais vulneráveis e necessitados.
É muito triste tudo isso, pela forma como conduzem a politica social e soberania do Brasil
Grande abraço
O único projeto que trará algum resultado nas escolas públicas é o da distribuição de renda. Os professores não estão despreparados, mas os alunos sim, desinteressados. É muito mais interessante pra eles o facebook do que um texto de geografia que discuta a formação economica do território nacional. Ler um texto do Caio Prado Jr. para eles é extremamente enfadonho e insignificante. O trafico de drogas traz resultados mais rápidos, afinal não é o que a sociedade da informação prega? Fluidez e rapidez? Refletir sobre as ciências é perda de tempo. Reforço: distribuição de renda. Aos pobres, a ciência, os livros e a literatura, não fazem o menor sentido.
Caro professor Andre Gardini obrigado pelo seu comentário.
É importante que possamos expor argumentos como estes comentários, só desta forma somamos ideias. Gostaria muito de poder participar da luta dos professores por um ensino melhor. Mas pouco posso fazer.
Como você diz na sua pergunta. “Não é isso que a sociedade da informação prega? Fluidez e rapidez? ” É isso e acho que tem a ver com a ganancia e a NOVA ORDEM de um governo mundial.
Não sou professor, nem conheço a realidade de uma escola, sinto que a falência do ensino público é resultado de uma politica que a muito vem se desenvolvendo, acredito que este sucateamento atinge a todos e é de difícil solução, diante disso só me resta admirar a luta diária do professor.
Temos riquezas naturais que traz interesses de todos os cantos do mundo e com eles um só objetivo domínio total sobre o povo e a educação é o primeiro ponto a ser destruído.
Final de contas, os professores fazem milagres diante destes interesses e da imposição da fluidez, rapidez, facebook, filmes banais não só na televisão como no cinema, a literatura imposta pelo mercado editorial, como influência encontrada na saga Harry Potter e a internet com sua eficiente manipulação e censura como a SOPA, CISPA. E por ai vai.
Um grande abraço
Já fiz trabalhos comunitários e o que vejo é que as mulheres estão tendo filhos para receber os bônus que o governo distribui com as famílias carentes e os menores de idade. Por este motivo sou contra estes vales. Outras recebem o fubá que não é de péssima qualidade e troca por cigarros. Culpo o governo que acha está ajudando.
beijos!
Também sou Curiosidades, sou sim, a favor de uma vida onde todos possam ter meios de viver com dignidade, onde haja um pouco mais de equilíbrio na saúde, educação, salario e tudo mais para uma vida saudável. Socialmente mais justa com todos, chega ser desumano alguns se tornarem bilionários em poucos anos e a maioria receber vales disso ou daquilo outro.
Um grande abraço
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