quinta-feira, 14 de junho de 2012

Destruir África com a “democracia” ocidental

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Thomas C. Mountain

Thomas C. Mountain     
Após a Segunda Guerra Mundial as potências coloniais ocidentais deram-se conta, de má vontade, de que não podiam continuar a ocupar militarmente as suas “possessões”, e em vista disso criaram o neocolonialismo para controlar África e utilizaram a “democracia” estilo ocidental para a dirigir.

A “democracia” ao estilo ocidental está a destruir África. Parece que em África, seja para onde for que se olhe, nos deparamos com eleições marcadas pela violência e pelo derramamento de sangue. O jogo chama-se “Compra, corrompe ou rouba” e, se isso não funciona, enviam-se o exército francês e as “tropas da ONU encarregadas de manter a paz”, bombardeia-se o palácio presidencial e simplesmente toma-se o poder por meio da força bruta.
Supõe-se que “democracia” significa que os dirigentes de um país fazem o que o seu povo quer que façam.
Se se pergunta à maioria dos africanos o que é que mais esperam dos seus dirigentes, responderão:
1) Comida suficiente. 2) Água limpa para beber. 3) Um tecto sobre as suas cabeças. 4) Cuidados médicos acessíveis e exequíveis. 5) Educação para os seus filhos.
As eleições situam-se muito mais abaixo na lista de prioridades do africano medio.
Comida, água, lugar onde abrigar-se e cuidados médicos. Se os dirigentes se preocupam com estas prioridades, então estão realmente a praticar a democracia e, se não proporcionam estes serviços ao seu povo, não são democráticos, independentemente dos elogios com que os cubram os seus amos neocoloniais do Ocidente os cubram.
Todas as nações de África à excepção de uma caíram na armadilha das eleições ocidentais. E toda a África, à excepção de um país, estão a ser sangradas em vários sentidos.
Muitos, se não a maioria, dos países de África pagam mais a bancos ocidentais pelos juros das suas dividas do que a suma total de todos as suas despesas em cuidados médicos e na educação.
Muitos, se não a maioria, dos países de África sofrem a dependência alimentar: não produzem comida suficiente para alimentar a sua gente.
Muitos, se não a maioria, dos países de África dependem completamente da ajuda económica, incluindo a Nigéria com o seu petróleo, aos trambolhões entre um resgate económico de emergência de um dos bankster* ocidentais e outro.
Seja qual for o lado de África para onde se olhe parece que só se vêm conflitos e guerras, e por todo o lado para onde se olhe se vê “democracia” ao estilo ocidental, eleições.
A coisa está de tal forma que quando se celebram eleições sem que se desencadeie violência já é considerado uma “vitória para a democracia africana”, ainda que o presidente em exercício seja o único a concorrer (veja-se “Libéria: Plenty “democracy,” no electricity”, http://www.foreignpolicyjournal.com/2012/02/01/liberia-plenty-democracy-no-electricity/)
Após a Segunda Guerra Mundial as potências coloniais ocidentais deram-se conta, de má vontade, de que não podiam continuar a ocupar militarmente as suas “possessões”, e em vista disso criaram o neocolonialismo para controlar África e utilizaram a “democracia” estilo ocidental para a dirigir.
Tradicionalmente os africanos praticaram as suas próprias formas de “democracia”, geralmente através dos conselhos de anciãos que persuadiam todas as partes a atingir consensos através dos quais todos alcançavam alguma coisa.
Não se tratava de uma situação em que ou se ganha ou se perde, como sucede com as eleições ao estilo ocidental.
Como todas as partes estavam de acordo em relação à solução final, todas as partes ficavam obrigadas a respeitar o que fora acordado e dessa forma era mantida a paz e todos se entendiam entre si.
No que diz respeito às decisões de âmbito nacional, existiam reis ou grandes chefes que quase sempre consultavam um conselho tribal ou os anciãos do clã. Em muitas sociedades, sobretudo se se tratava de uma sociedade rural, existiam normalmente chefes mas, ainda assim, quando existia uma discussão o mais frequente era chegar-se a um consenso, através da mediação dos mais velhos. Mantinha-se a paz e preservava-se a unidade da sociedade.
A “democracia” ocidental em África cria exactamente o contrário. No Quénia, os kikuyu, uma minoria étnica instalada no poder pelo Imperio Britânico quando este partiu, tinha que ganhar as eleições ou então arriscar-se a perder tudo em favor dos seus rivais tribais, os luo. ¿Resultado? Eleições, milhares de mortos e centenas de milhares de desalojados. Pode suceder que nas próximas eleições corra pior ainda.
¿Congo? ¿Etiópia? Até o suposto êxito da democracia africana, o Senegal, viu sangue correr nas ruas.
No entanto, existe uma ilha de paz e de estabilidade no meio de todo este caos e de toda esta crise. Um lugar no qual as pessoas do país, especialmente as das aldeias - que continuam a constituir aproximadamente 70% do total - dirão que o governo cumpriu as suas promessas, e a prova está à vista para quem a quiser ver. As centrais de energia solar, os micro diques para a rega, as clínicas e escolas… tudo isso chega até às aldeias mais remotas.
A percentagem de sida desceu cerca de 40%, de longe o melhor resultado de África; a malaria desceu cerca de 80%, o maior avanço da história da malária. A mortalidade maternal e infantil conhece uma “melhoria notável” (segundo o Banco Mundial, nem mais nem menos) e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio estão em vias de ser alcançados. Para além disso, possui a maior taxa de crescimento económico de África.
O único verdadeiro êxito de África e o único país que NÃO tem eleições: a Eritreia.
Talvez, apenas talvez, aquilo de que África necessita para ter êxito é não permitir a “democracia” ocidental.
A Eritreia e os eritreus não querem ter nada a ver com o neocolonialismo nem com a “democracia” ao estilo ocidental. Não, obrigado, nós temos a nossa própria versão da democracia, a verdadeira democracia, e o nosso povo está perante os benefícios desse facto.
¿Um paraíso? Não, a vida continua a ser difícil para a maioria, mas a prioridade são aquelas pessoas que são verdadeiramente pobres e esses viram as suas vidas mudar radicalmente.
Em África os pobres são a maioria das pessoas e se a prioridade fundamental não é cuidar deles NÃO se é democrático.
Se as eleições significam democracia e os milhões de pessoas doentes e de crianças esfomeadas como de costume não constituem senão um negócio, então os eritreus dir-lhes-ão que dispensam essa democracia. Trata-se de um país “não democrático”, no qual reina a paz e as nossas vidas estão a melhorar, especialmente as das pessoas mais necessitadas.
Não disparem contra mim, eu sou apenas o mensageiro, ainda que seja um mensageiro que acredita verdadeiramente na mensagem. Vivo na Eritreia desde 2006 e estou a contar-vos aquilo de que tenho sido testemunha e no qual passei a acreditar.
Em vez de cair na armadilha da “democracia” ocidental, procurem ter uma visão sem preconceitos sobre um modelo de conduta aqui em África que não é o de mais uma vítima africana sangrando-se por causa do neocolonialismo.
E assim, antes de terminar, permitam que passe àquilo que é provavelmente o único relato fidedigno em primeira mão da forma como o fundador da democracia estado-unidense, Thomas Jefferson, tratou os “seus” africanos:
“Depois de jantar o amo [Jefferson] e eu fomos ver os esclavos plantar ervilhas. Os seus corpos de cor mais castanho sujo do que negro, os seus sujos farrapos, a sua miserável e espantosa seminudez, essas figuras emaciadas, esse ar reservado e inquieto, os odiosos aspectos timoratos, tudo isso se apoderou de mim com tal sentimento inicial de terror e de tristeza que tive que afastar a vista. A indolência com que removiam a terra com a enxada era extrema. O amo [Jefferson] pegou numa vara para os assustar e produziu-se de imediato uma cena cómica. Situado no meio do grupo, ameaçou girando e movendo-se em todas as direcções. Nesse momento, e à medida que os ia olhando, os negros mudaram de atitude um a um: aqueles para os quais olhava directamente trabalhavam melhor, aqueles que via de soslaio trabalhavam menos e que não via de todo, deixaram completamente de trabalhar; e se dava meia volta de repente levantavam a enxada para se mostrar, porque de outra forma continuava a descansar nos seus ombros”.
Este relato em primeira mão é de um membro fundador da “Sociedade de Amizade com os Negros” francesa, a primeira organização francesa contra da escravatura. Chamava-se Constantine Volney e foi o editor dessa obra histórica clássica centrada em África, “Ruins Or, Meditations on the Revolutions of Empires” [Ruinas o meditações sobre as revoluções dos impérios] de 1791. É um relato fascinante da sua visita ao vale do Nilo em África antes que tivessem tido início as últimas profanações importantes.
Como era um historiador honesto e antirracista, Volney acreditava, baseando-se no que vira com os seus próprios olhos nos túmulos e templos egípcios, que a civilização tivera início em África, nas margens do rio Nilo.
Em palavras suas: “Foi aí que um povo já esquecido descobriu os elementos da ciência e da arte numa altura em que todos os outros homens eram bárbaros e foi aí que uma raça, que agora é considerada a escória da sociedade devido a que o seu cabelo é crespo e a sua pele escura, examinou os fenómenos da natureza, e aqueles sistemas civis e religiosos que a humanidade tem venerado desde então”.
“Ruinas” foi um dos livros históricos mais lidos de finais do século XVIII e princípios do XIX. Foi publicado em seis idiomas em mais de 15 edições.
Volney foi finalmente expulso dos Estados Unidos pela precursora da Lei de Actos Indesejáveis, aprovada por um Congresso cujos membros possuíam escravos e que ainda tinham dificuldade em dormir descansadamente durante a noite, acometidos pelos pesadelos da revolução no Haiti e do massacre dos seus colegas donos de escravos às mãos dos seus antigos cativos, Toussaint e seus companheiros africanos.
Não deixa de ser algo triste que as obras de Volney, um dos autênticos eruditos da história, continuem sendo um mistério para a maioria dos estudantes de história dos nossos dias.
Afirmar que, no fim de contas, Thomas Jefferson foi um “progressista” na sua época é omitir tudo o que Volney defendeu. Utilizemos as memórias em primeira mão de Volney para dar de uma vez por todas honrosa sepultura à ideia de que os Estados Unidos foram fundados por pessoas de carácter nobre e princípios democráticos.
Os Estados Unidos foram essencialmente racistas na sua origem e continuam sendo essencialmente racistas hoje. Um presidente estado-unidense negro, um fiscal-geral negro, um tribunal supremo estado-unidense negro, um embaixador estado-unidense na ONU negro e numerosos generais negros não passam de uma ilusão, porque nada mudou realmente para as massas de cidadãos negros nos Estados Unidos.
¿E querem exportar a sua democracia de proprietários de escravos para África? Pelo menos aqui, na Eritreia, “nós, o povo” sabemos o que queremos e o que é a verdadeira democracia, cuidando de todo o nosso povo, a começar pelos mais necessitados.

* “Bankster” é um eloquente neologismo inglês cunhado nos Estados Unidos na década de 1930 e formado pela justaposição de “bank” (banco) y “gangster”.
Intrepid Report. Rebellión, 11/5/2012

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