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Um filme, um memorial,
milhares de vozes a reivindicar um Chile mais justo. No momento em
que a mobilização de estudantes por educação pública e gratuita
sacode o país, a vida e a obra de Violeta Parra (1917-1967) parecem
mais atuais do que nunca. Com sua história retratada nas telas do
cinema, é ao som de uma canção da compositora, artista plástica e
folclorista chilena que os jovens abalam o governo do conservador de
Sebastián Piñera. A música, ou hino, como preferirem, é Me
gustam los Estudantes:
¡Que vivan los estudiantes!
Que rugen como los vientos
cuando les meten al oído
sotanas o regimientos
Pajarillos libertarios
igual que los elementos
Caramba y zamba la cosa
¡Vivan los experimentos
Que rugen como los vientos
cuando les meten al oído
sotanas o regimientos
Pajarillos libertarios
igual que los elementos
Caramba y zamba la cosa
¡Vivan los experimentos
Os versos não são um ponto fora da curva na
carreira de Violeta, considerada uma das fundadoras da música
popular chilena. O conteúdo político das letras refletem uma
militância que sempre fez parte de sua vida.
Violeta Parra nasceu na pequena cidade de San
Carlos, na província de Ñuble, aos pés da Cordilheira dos Andes.
Uma região sem flores, onde florescia, porém, o folclore indígena
que ela levaria para todo o mundo. Cresceu num ambiente onde sua pele
parda era comum, e a música, tão valiosa, estava entre as poucas
coisas que abundavam.
Naquele
semideserto, descobriu desde a infância que estava destinada a uma
vida de tormentos, "drástica como ela sempre gostou de ser",
diria seu filho Ángel Parra. Ele é o autor do livro Violeta se
fue a los Cielos, que serviu de base para a cinebiografia
homônima dirigida por Andrés Wood (o mesmo de Machuca). O
filme estreou no último dia 11 de agosto.
Seu pai, Nicanor Parra, um professor que também
era entusiasmado violeiro, ditava o ritmo das festas na vizinhança,
onde a cueca, baile típico das regiões rurais chilenas, era
a melodia que mantinha hipnotizados os olhos da pequena Violeta sobre
os acordes, que depois ela reproduziria sem maiores ensinamentos. Aos
doze, a pareceria de Violeta com sua viola renderia suas primeiras
composições.
Perdeu o pai antes dos dezessete –idade para a
qual diria querer voltar no futuro, em uma de suas mais célebres
canções. A família então se mudou para Santiago, e quando o
trabalho de costureira da mãe, Clarisa Sandoval, já não podia
sustentar as necessidades dela e dos cinco irmãos, estes fizeram da
música sua fonte de renda alternativa. Nos Anos 40, acompanhadas por
Lalo Parra no violão, Violeta e sua irmã Hilda constituíram o duo
Las Hermanas Parra, requisitadas e reconhecidas em festas
regionais e rádios de música popular. Foi o seu primeiro contato
com o sucesso.
O segundo chegaria somente após dois casamentos,
que lhe renderam os dois primeiros filhos. Seus primeiros discos como
solista trouxeram reconhecimento internacional. Violeta Parra foi a
primeira artista chilena a conquistar o velho continente.
Mas
suas viagens ao norte sempre mesclavam satisfações com tragédias.
Em 1954, na França, descobre que a filha Rosita Clara, de poucos
meses de vida, deixada aos cuidados do marido, havia morrido por um
incidente caseiro. Voltou ao país após dois anos de autoexílio,
que não lhe serviram para superar a dor.
De volta ao Chile, encontra motivação na busca por tesouros escondidos da cultura do seu país, jornada que contou com a companhia do filho Ángel. "Minha mãe tinha uma capacidade especial de absorver e reproduzir a cultura do povo e para o povo, sempre defendeu essa identidade e os valores como a justiça social", recorda Ángel.
O folclore e as artes plásticas
Nos Anos 50, a artista mergulhou no folclore trasandino. Jamais um artista havia dito tanto sobre o Chile e suas características mais importantes. Foi nesse período que Violeta, dona de uma personalidade complexa, se dedicou mais intensamente às artes plásticas, traduzindo essa experiência numa obra ainda mais grandiosa. Sem abandonar os acordes de sua viola, ela começou a dar mais atenção a suas obras em bordado e em óleo, muitas das quais foram internacionalmente reconhecidas.
De volta ao Chile, encontra motivação na busca por tesouros escondidos da cultura do seu país, jornada que contou com a companhia do filho Ángel. "Minha mãe tinha uma capacidade especial de absorver e reproduzir a cultura do povo e para o povo, sempre defendeu essa identidade e os valores como a justiça social", recorda Ángel.
O folclore e as artes plásticas
Nos Anos 50, a artista mergulhou no folclore trasandino. Jamais um artista havia dito tanto sobre o Chile e suas características mais importantes. Foi nesse período que Violeta, dona de uma personalidade complexa, se dedicou mais intensamente às artes plásticas, traduzindo essa experiência numa obra ainda mais grandiosa. Sem abandonar os acordes de sua viola, ela começou a dar mais atenção a suas obras em bordado e em óleo, muitas das quais foram internacionalmente reconhecidas.
CONTRA LA
GUERRA:Uma das principais obras de Violeta Parra em bordado,
exposta no Museu do Louvre, em 1964
Sua obra como artista plástica também revelou sua simpatia aos ideais comunistas e seu peculiar senso de humor. Em uma das mais pitorescas cenas do filme de Wood, Violeta é entrevistada em um programa de televisão argentino cujo apresentador pergunta a ela sobre sua militância, e ela respondeu: "não sou comunista... ou talvez seja tão comunista que se corto minhas veias jorrará sangue vermelho". O entrevistador comentou, curioso, que se ele cortasse suas veias também jorraria sangue vermelho, ao que ela reagiu estendendo a mão e dizendo: "então, é um prazer estar contigo, camarada!".
Tão complexa era Violeta que a atriz que a viveu no cinema, Francisca Gavilán, admiradora de sua obra desde a juventude, confessa que não conseguiu incorporar tudo o que representa sua figura. “Tentei ser a Violeta que reflete o que somos por dentro, o mais humano e o mais natural da sua personalidade. Havia muita luz em sua cabeça”, disse.
Sua obra como artista plástica também revelou sua simpatia aos ideais comunistas e seu peculiar senso de humor. Em uma das mais pitorescas cenas do filme de Wood, Violeta é entrevistada em um programa de televisão argentino cujo apresentador pergunta a ela sobre sua militância, e ela respondeu: "não sou comunista... ou talvez seja tão comunista que se corto minhas veias jorrará sangue vermelho". O entrevistador comentou, curioso, que se ele cortasse suas veias também jorraria sangue vermelho, ao que ela reagiu estendendo a mão e dizendo: "então, é um prazer estar contigo, camarada!".
Tão complexa era Violeta que a atriz que a viveu no cinema, Francisca Gavilán, admiradora de sua obra desde a juventude, confessa que não conseguiu incorporar tudo o que representa sua figura. “Tentei ser a Violeta que reflete o que somos por dentro, o mais humano e o mais natural da sua personalidade. Havia muita luz em sua cabeça”, disse.
A atriz Francisca Gavillán, que viveu Violeta
Parra no cinema
O casamento e a morte trágica
Seu coração, por outro lado, nunca havia
encontrado nos homens o mesmo amor que ela tinha pela música e pelo
estilo de vida de sua gente, até conhecer, em 1960, o antropólogo
suiço Gilbert Favre, a mais intensa e tortuosa paixão de sua vida.
Com Favre, Violeta Parra viaja novamente à Paris, onde, em 1964,
expõe no Museu do Louvre algumas de suas mais importantes obras,
como a Velório de Angelito e Contra la Guerra. Junto com o
sucesso da exposição, surgiram as primeiras turbulências do casal,
que levam Violeta a voltar ao Chile, sozinha, no ano seguinte.
Novamente, o retorno marca um reencontro com a cultura do seu país, desta vez mais voltado à música. O período na França também coincidiu com os primeiros sucessos individuais de seus filhos Ángel e Isabel, e foi junto a eles e a um namorado de sua filha (o jovem Victor Jara), entre outros, que Violeta Parra se faz protagonista do movimento Nueva Canción Chilena, que coincide com sua fase mais filosófica. É nesse período quando compõe as duas canções mais reconhecidas de seu vasto repertório: a regozijante Gracias a la Vida e a nostálgica Volver a los Diecisiete.
Novamente, o retorno marca um reencontro com a cultura do seu país, desta vez mais voltado à música. O período na França também coincidiu com os primeiros sucessos individuais de seus filhos Ángel e Isabel, e foi junto a eles e a um namorado de sua filha (o jovem Victor Jara), entre outros, que Violeta Parra se faz protagonista do movimento Nueva Canción Chilena, que coincide com sua fase mais filosófica. É nesse período quando compõe as duas canções mais reconhecidas de seu vasto repertório: a regozijante Gracias a la Vida e a nostálgica Volver a los Diecisiete.
Ainda em 1965, instala no bairro de La Reina, zona
leste de Santiago, seu Centro de Cultura Folclórica, uma arena que
viveu primeiros meses de glória, mesmo estando afastada do centro da
cidade. Sucesso que não resistiria aos tormentos que traria a visita
de Gilbert Favre, quando este foi se apresentar na arena com o grupo
boliviano Los Jairas, do qual fazia parte. Após a partida de Favre à
Bolívia, Violeta decide segui-lo e o encontra casado.
Sofreu naquele instante o seu pior golpe, encontrou seu beco sem saída. Numa tarde de fevereiro de 1967, se matou com uma bala - o mesmo desenlace que escolheria um presidente chileno, seis anos depois, diante de outro tipo de golpe.
Sua influência sobre a cultura chilena, entretanto, não terminaria ali. Ainda hoje, mesmo depois de anos tão terríveis em seu país, e com a influência estrangeira cada vez mais presente, o folclore transandino ainda tem nela seu símbolo indissociável: aquela que pintava e bordava, literalmente, as coisas mais belas sobre seu país; e também aquela que cantava a la chillaneja, a que cantava sobre as diferenças.
Sofreu naquele instante o seu pior golpe, encontrou seu beco sem saída. Numa tarde de fevereiro de 1967, se matou com uma bala - o mesmo desenlace que escolheria um presidente chileno, seis anos depois, diante de outro tipo de golpe.
Sua influência sobre a cultura chilena, entretanto, não terminaria ali. Ainda hoje, mesmo depois de anos tão terríveis em seu país, e com a influência estrangeira cada vez mais presente, o folclore transandino ainda tem nela seu símbolo indissociável: aquela que pintava e bordava, literalmente, as coisas mais belas sobre seu país; e também aquela que cantava a la chillaneja, a que cantava sobre as diferenças.
Diferenças que seu país até hoje trata de
resolver. Bastaria dizer que os conflitos mais complexos do Chile
atual reivindicam algumas de suas canções mais antigas, agregando a
elas atualidade. Além do já citado movimento dos estudantes, a
opressão sofrida pelos mapuches no sul do país, problema que
Violeta sentiu em sua pele de índia, nunca deixou de ser terrível,
como descrito na canção Arauco Tiene una Pena.1
O memorial
Além da cinebiografia,
o Chile também reencontrará Violeta Parra em formas mais concretas.
Em março de 2012, será inaugurado o Memorial Violeta Parra, no
edifício conhecido como La Jardinera, apelido retirado de uma de
suas canções autobiográficas. O projeto, desenhado pelo arquiteto
Cristián Undurraga, construído próximo à esquina das avenidas
Vicuña Mackenna e Libertador Bernardo O'Higgins, no coração de
Santiago, envolve a Fundação Violeta Parra e o Ministério da
Cultura do Chile, e servirá como exposição permanente e definitiva
de suas principais obras.
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