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3/6/2012,
Margaret Kimberley, Eurasia
Review
Traduzido pelo pessoal
da Vila Vudu
Margaret Kimberley
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Há tantas coisas
erradas nos EUA, que nem se sabe por onde começar. Mas, de todas as
calamidades que os norte-americanos enfrentam, a mais cruel é o
sistema de justiça criminal.
Os EUA são a capital
mundial das prisões. Só num estado, na Louisiana, a taxa de
encarceramento, em relação à população do estado, é 13 vezes
maior que a da China e cinco vezes maior que a do Irã.
O encarceramento em
massa não é acaso, mas reação coordenada e aperfeiçoada contra
o sucesso do movimento pelos direitos civis. As leis de segregação
racial foram tornadas ilegais. E imediatamente criaram-se novos
meios legais para segregar e destruir a comunidade negra nos EUA.
A obsessão dos EUA
com o castigo sempre foi cause célèbre que chamou a atenção de
parte da mídia, quando é muito flagrantemente injusta, ou
evidencia vícios processuais ou mostra muito evidente racismo. Mas
esses detalhes perdem importância, se se considera o terror sem fim
que é o sistema judicial nos EUA.
Brian Banks
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O calvário de Brian
Banks é exemplo disso.
Banks tinha 16 anos e
era aluno e jogador destacado da equipe de futebol americano de uma
escola em Long Beach, Califórnia, quando foi falsamente denunciado
por estupro, por uma colega de classe, em 2002. Banks foi
formalmente acusado, não só por estupro, mas também por
sequestro. Preferiria ter-se declarado inocente, mas estava
ameaçado, se condenado, por uma sentença de 41 anos de prisão.
Como Banks relembra, seu advogado lhe disse que era “negro alto e
forte” e que os jurados o considerariam culpado, dissesse o que
dissesse; e que a confissão reduziria a sentença. Seguindo
conselho do advogado, Banks declarou-se culpado.
Foi condenado a cinco
anos de prisão, depois dos quais passou a ser monitorado por
tornozeleira eletrônica e identificado como “agressor sexual”.
Quem seja identificado como “agressor sexual” é condenado, de
fato, a prisão perpétua; fica proibido de frequentar determinados
espaços, ou recebe a tornozeleira eletrônica várias vezes ao
longo da vida, por diferentes períodos.
As sentenças
draconianas não reduziram o número de ataques sexuais, nem
aumentaram a segurança de ninguém. São apenas mais um item
acrescentado à longa lista de instrumentos criados para infligir
cada vez mais sofrimento.
Acontece assim com
milhares de norte-americanos que, por um motivo ou outro, acabam
colhidos nas malhas do sistema, mesmo quando não praticaram nenhum
tipo de crime. No caso de Banks, a suposta vítima arrependeu-se,
confessou que mentira, e a história de Banks afinal chegou às
manchetes. Mas ainda não se cogita de levar a julgamento todo o
sistema de justiça criminal nos EUA.
Não é raro que os
procuradores ampliem a lista de acusação contra os réus, o que
força muitos a declarar-se culpados, na tentativa de escapar de
décadas de encarceramento. É como se os procuradores do estado da
Florida tivessem decidido que não seria necessário seguir todas as
etapas do justo processo legal. Basta aumentar os crimes de que os
réus sejam acusados, pedir sentenças gigantescas, cinco, dez, às
vezes 20 vezes mais longas do que as sentenças previstas para o
caso de o acusado declarar-se culpado, vale dizer, para o caso de o
acusado “confessar” –, e o trabalho de todo o sistema judicial
fica muito facilitado.
Marissa Alexander foi
acusada de ter dado um tiro no marido. Se se declarasse culpada,
seria condenada, no máximo, a três anos de prisão. Mas
recusou-se. O caso portanto teve de ir a júri, e ela, apesar de não
ter dado tiro algum em marido algum, cumpre hoje pena de 20 anos
atrás das grades.
O que se vê nas
cortes norte-americanas nada tem a ver com sistema de justiça que,
por definição, sempre daria aos acusados o direito de ser julgado
por juiz legal, assistido por advogado legal, sem medo de, por razão
nenhuma, acabar condenado a prisão perpétua. O sistema de justiça
nos EUA castiga, sempre mais, os inocentes que se declarem
inocentes.
Em muitos estados dos
EUA, quem se declare inocente expõe-se a penas mais curtas, mas,
automaticamente, perde o direito às audiências preliminares de
defesa. Assim, os inocentes que se declarem inocentes se
autocondenam a permanecer presos por longos períodos, sem serem
ouvidos por nenhum juiz... até que confessem ter feito o que não
fizeram, quando, então, vão a julgamento, já condenados.
O sistema judicial
criminal e de correição dos EUA não passa de ninho de corruptos e
corruptores, e tem de ser desmontado até a raiz.
Prisões e carceragens
nos EUA são instituições que geram negócios e criam empregos
para a fechada comunidade dos carcereiros, para empresas privadas
que vivem do negócio de construir e administrar prisões, e que
impedem os negros norte-americanos de efetivamente questionar todo o
sistema, como faziam há 40 ou 50 anos.
Procuradores e
políticos beneficiam-se e lucram com o número sempre crescente de
condenados a sentenças cada vez mais longas, além de ganharem
tempo de exposição na mídia, nos casos mais espetacularizados, o
que muito os interessa no caso de serem candidatos a “promoção”,
seja no sistema judicial-policial seja no sistema político.
Pouco têm a perder
com as condenações a prisão perpétua que resultaram das leis de
“três acusações [de crime menor] equivalem a uma [de crime
maior], inventada para prender pequenos traficantes de drogas. A
“tolerância zero” nunca passou de metáfora para manter negros
pobres – e pobres em geral – sob controle.
O discurso codificado
e enunciado pela mídia e o lucro que advém da falácia segundo a
qual “se há sangue, é notícia” alimentam o medo e ajudam
também a obter o apoio de muitos negros e de muitos pobres, para
essas medidas judiciais, que são apresentadas como justas e legais,
quando são legais, mas são racistas.
Para meter negros e
pobres nas cadeias, nenhum crime é pequeno crime. Até abandono dos
filhos é crime que mete negros pobres nas prisões dos EUA, negros
pobres que, metidos nas cadeias por décadas, se não abandonaram
antes, fatalmente abandonarão os filhos depois de “justiçados”.
Mas, evidentemente, não há no mundo quantidades de pais e mães
espancadores de filhos, ou de predadores sexuais ou de assassinos
psicopatas, para encher prisões cujos proprietários privados são
remunerados “por cabeça”.
Esses
crimes-espetáculo, que são os únicos que são midiatizados, só
são midiatizados para manter operante o sistema judicial de
distribuir e perpetuar injustiças, aumentar o lucro das
prisões-empresa, atrair votos para candidatos financiados pelas
mesmas prisões-empresas e pela mídia, e para manter satisfeitos os
norte-americanos racistas, “em uniforme” ou sem uniforme.
O caso de Brian Banks
atraiu a atenção das televisões, jornais e jornalistas, porque
uma mentirosa o mandou para a cadeia. E as televisões, os jornais e
os jornalistas repisam sempre esse aspecto desse caso. Mas essa
explicação pouco explica dos outros muitos casos em que o único
mentiroso foi o sistema judicial norte-americano.
Temos de considerar,
isso sim, o que disse aquele advogado, para convencer Banks a
confessar crime que não cometera: que “negro alto e forte”, nos
EUA, é pressuposto culpado e é pré-condenado a longas sentenças
e castigo eterno.
Sempre haverá casos
cujas histórias atraem mais simpatias, ou cujos personagens atraem
apoiadores mais bem organizados. Ainda que nós também sejamos
atraídos para esses casos mais espetacularizados pelas televisões,
jornais e jornalistas, temos de lembrar que há muitos outros negros
e pobres que enchem as prisões nos EUA. O caso “do dia” deve
ser ocasião para desentocar a besta e cortar-lhe a cabeça de uma
vez por todas. É a única notícia que realmente vale a nossa
atenção.
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