sábado, 19 de maio de 2012

ANOS DE CHUMBO - As pressões militares contra a Comissão da Verdade.

buscado no Blog de Um Sem Mídia

Por Marco Antonio L.

De Carta Maior


Verbitsky: militares brasileiros arrotam um poder que não têm


Em entrevista à Carta Maior, concedida em Roma, o jornalista argentino Horacio Verbitsky fala sobre as pressões militares que o governo brasileiro ainda sobre no tema da Comissão da Verdade. Para ele, essas pressões não demonstram força, mas o contrário. "A verdade é que são ridículos. Insisto, creio que a capacidade de resistência dos militares é zero, é nula. Eles estão arrotando um poder que não têm mais".

Darío Pignotti - Especial para Carta Maior
Roma
- “As pressões militares contra a Comissão da Verdade da presidenta Dilma Rousseff indubitavelmente mostram sua debilidade e seu temor, apesar da aparente fortaleza. Essas pressões não demonstram força, mas o contrário. A verdade é que são ridículos. Insisto, creio que a capacidade de resistência dos militares é zero, é nula. Eles estão arrotando um poder que não têm, isso já aconteceu em outros países, acredito que eles vão se dar conta de que isso é assim muito rapidamente. Eles sabem que estão fazendo um papel ridículo em nível internacional, onde são vistos como patéticos”.

As afirmações são do jornalista argentino Horacio Verbitsky, que estudou e conhece o comportamento militar talvez melhor do que qualquer outro especialista na América Latina.

Verbitsky concedeu uma entrevista à Carta Maior na sede da universidade italiana Roma Três, onde foi convidado para falar sobre a ditadura em seu país e os vínculos econômicos e diplomáticos com setores de poder internacionais. Após ter investigado as transições democráticas, sempre tortuosas, na Argentina, Chile e Uruguai, o analista chega a uma conclusão: “sempre houve pressões militares, algumas vezes até se semearam rumores de golpes contra os governos democraticamente eleitos, mas, no final, inexoravelmente, começou-se a abrir passagem para a verdade e a justiça. Não vejo porque o Brasil teria que ser diferente do resto de seus vizinhos”.

“Creio que o Brasil, se avançar com decisão política, terminará se parecendo aos outros países sulamericanos, que já conseguiram bastante. Na Argentina, há mais de 200 condenações, no Uruguai, há 300 processos concluídos, no Chile outros 300, no Peru há várias ações, na Colômbia também. Eu me pergunto: por que razão não haverá processos no Brasil?”

No entanto, ao fazer-se a comparação, constata-se que os militares brasileiros ainda se permitem, por meio de manifestos, desafiar as autoridades civis, o que não ocorre no resto do Cone Sul.

As ameaças frequentes do militares, ou de seus porta-vozes civis, que seguem atuando - isso também ocorre na Argentina, onde o braço civil segue ativo – contra a Comissão são a consequência natural de muitos anos de impunidade. É preciso lembrar que os militares brasileiros se retiraram do governo conservando todo seu poder, sua honra, intangibilidade e sua impunidade, e isso está começando a mudar. Frente a isso, eles reagem indignados como reagiram os militares argentinos em 1983 (no fim da ditadura) e em 1985 (por ocasião do julgamento dos comandantes do regime).

Estas expressões quase golpistas que são notícia no Brasil nestes dias lembram como reagiram os militares uruguaios há dois anos, como reagiram os militares chilenos quando começaram os processos judiciais. Mas se existe a vontade política do governo da presidenta em avançar com os processos estas reações não levarão a lugar algum, porque não têm nenhuma possibilidade de desestabilizar o governo democraticamente eleito.

Não há contexto nacional nem internacional, nem contexto econômico, nem social que permita um novo golpe militar e, na medida em que essa possibilidade está excluída, tudo o que fizerem será facilmente absorvido pela democracia, se o governo mantiver uma atitude firme. E, pelo que se vê, Dilma mantém essa atitude de firmeza, coisa que Lula não fez. Talvez tenha sido necessário que, para chegar a este momento, fosse preciso ter dois mandatos progressistas, o primeiro com Lula e agora com a presidenta Dilma.

Você observa que Lula e Dilma tiveram posições diferentes em matéria de Direitos Humanos?

Eu não sei por que Lula não tentou avançar mais com a Comissão. Parece-me que Lula, demasiadas vezes em demasiados temas, agiu com um complexo de inferioridade, como se pedisse perdão por ser o que era. Por exemplo, para ganhar a presidência, colocou terno e gravata porque quando tentou chegar à presidência com seu formato do Lula original não foi bem, e depois ganhou com a campanha “Lulinha Paz e Amor”. Talvez tudo isso tenha influenciado para que Lula não se sentisse animado a fazer o que Dilma está fazendo com os militares, mas em boa hora Dilma se animou e isso me parece muito positivo.

Apesar de tudo isso devo dizer que tenho algumas dúvidas sobre o que pode ocorrer no Brasil a respeito da Comissão da Verdade, e minhas dúvidas não estão relacionadas com os militares, mas sim com os civis. Minha dúvida tem a ver com a vocação e a capacidade de pressão da sociedade civil para que haja verdade e justiça.

Os arrependidos, Claudio Guerra e Scilingo

Os paralelos entre as transições democráticas sul-americanas são possíveis, apesar das especificidades e dos tempos históricos de cada uma delas. As surpreendentes, e talvez oportunistas, confissões manifestadas na semana passada pelo repressor brasileiro Claudio Guerra, que assumiu ter incinerado opositores à ditadura, lembram as de Rodolfo Scilingo, um ex-marinheiro que reconheceu perante Verbitsky ter jogado dezenas de presos políticos no mar, numa entrevista que deu origem ao livro “El vuelo”.

Durante a conversa com Carta Maior, ocorrida antes das declarações do ex-agente do DOPS, Claudio Guerra, o jornalista lembra a comoção causada por “El Vuelo” na opinião pública argentina.

“Neste livro está publicada a confissão do capitão (da Marinha) Scilingo (agiu no campo de concentração chamado ESMA, onde cerca de 5 mil pessoas foram assassinadas) que jogava pessoas vivas no mar. Foi um livro editado em muitos lugares, traduzido em muitas línguas e devo dizer que o país onde teve menor repercussão foi o Brasil”.

“Não houve interesse. É certo que a sociedade brasileira não é muito habituada à leitura, mas chama a atenção que este caso não tenha despertado curiosidade no público. E me parece que se o começo do caminho na direção da Justiça e da Verdade (sobre o que ocorreu sob o poder militar) demorou tanto no Brasil isso tem a ver com o fato de que não é uma reivindicação que surge com força desde o interior da sociedade civil”.

“É um reclamo que surge das vítimas, dos familiares das vítimas, mas não vejo que seja assumido com força por setores significativos da sociedade. Fazendo uma comparação, pode-se dizer que é certo que nos primeiros anos depois da ditadura na Argentina, finalizada em 1983, tampouco houve um movimento tão forte da sociedade civil para que se fizesse Justiça. Mas, no Brasil, a demora é muito maior. A ditadura brasileira terminou há quase trinta anos no Brasil e, em 2014, vão se completar 50 anos do golpe. Na Argentina, no Chile, quando terminaram as ditaduras foram disparados vários mecanismos de repúdio e isso não ocorreu no Brasil. Em função disso, repito, tenho dúvida sobre o que pode ocorrer com a Comissão da Verdade”.

Será que há muita coisa para esconder no Brasil? Porque o bloco de poder civil-militar responsável pelo golpe ainda mantém vivos os seus laços? Há quem diga que a verdade preocupa tanto os militares quanto os empresários que os apoiaram.

Primeiro, falando de tudo o que há para esconder me parece que no Brasil há tanto para esconder como houve na Argentina, no Chile, no Uruguai. Os temores do bloco de poder, não só militar, são perfeitamente compreensíveis, eles têm que se preocupar. O que me importa é a cumplicidade civil ainda não desvelada.

Na Argentina, por exemplo, o processo começou com os militares na década de 80 e só agora, três décadas depois do fim da ditadura, está se avançando sobre as cumplicidades civis, sobre os padres, os empresários, os juízes...É um processo que, inexoravelmente, vai ocorrer, e aqueles que ficarem incomodados que se saiba o que fizeram terão que se resignar e se acostumar com a ideia de que isso não tem volta. Isso é inexorável. Como farão para impedi-lo. Se as instituições funcionam, se a Justiça funciona, se há um contexto internacional no qual o Brasil é membro do sistema interamericano de direitos humanos pelo qual está obrigado a agir nesta direção...

No entanto, o STF reafirmou a Anistia, desafiando a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

É certo que a Corte brasileira ratificou a Anistia, mas o desaparecimento de uma pessoa é um delito que se volta contra aqueles que defendem a Anistia, porque pode-se anistiar para trás, mas não se pode anistiar para frente e, na medida em que uma pessoa continua desaparecida o crime segue sendo cometido.

Brasil, peça chave da Operação Condor

A Comissão da Verdade possivelmente instalará um debate sobre a Operação Condor, que talvez desminta a versão oficial da ditadura e da imprensa conservadora, segundo a qual o Brasil foi um ator coadjuvante neste plano. Qual é sua opinião sobre isso?

O Brasil como potência regional sem dúvida teve uma importância decisiva em todos os acontecimentos daqueles anos. Não pode ter sido de outra maneira. Conhecemos os casos de sequestros de argentinos no Brasil, sequestro de pessoas que continuam desparecidas. E, além disso, desde o golpe de 1964, o Brasil é a principal força regional e suas forças armadas foram a principal força repressiva da região dentro do contexto da Guerra Fria e em função do tipo de relação preferencial que tinha com os Estados Unidos, me parece absolutamente natural que o Brasil tenha tido uma atuação mais importante do que se pensa na Operação Condor.

Os governos democráticos do Brasil e de outros países impulsionaram o Conselho de Defesa da Unasul. É possível uma política militar comum, quando há militares, como os brasileiros, que ainda defendem a ditadura?

Eu acredito que essas posições dos militares brasileiros são reivindicações que se esgotam na esfera nacional do Brasil. Não é algo que se projete no marco regional, não há espaço para isso na região porque os chefes das forças armadas na Argentina, no Chile, no Uruguai tem expressado um afastamento categórico de tudo o que foram as ditaduras. Não imagino que um militar brasileiro dentro do Conselho de Defesa regional vá reivindicar algo parecido com o que reivindica no plano interno e se algum deles tentar isso ficará sozinho e deslocado, pois não há espaço para tanto.

Faço uma provocação: você afirmaria categoricamente que as forças armadas da Argentina, Uruguai e Chile tornaram-se convictamente democráticas?

No caso das forças armadas argentinas não há reivindicações da ditadura, elas não existem absolutamente há muitos anos. Hoje são forças armadas absolutamente subordinadas ao poder civil. A condição da Defesa é exercida por um Ministério da Defesa que está em mãos civis. Toda legislação militar foi reformada, já não existe o Código de Justiça Militar. Devo dizer que tive uma intervenção muito ativa na dissolução do Código de Justiça Militar por que o Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), do qual sou o presidente, levou o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em função disso, o Estado nacional assumiu o compromisso de revogar o Código de Justiça Militar. É absurdo que os militares tenham uma instância judicial à parte do resto da sociedade.

Nós, no CLES, trabalhamos na elaboração do projeto, e agora os militares estão sujeitos à mesma lei que o resto dos cidadãos. O que existe é um sistema de disciplina interno, mas isso não tem nada a ver com o código, é simplesmente um sistema disciplinar interno.

Tradução: Marco Aurélio Weissheime

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