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“Um relatório que acabou de ser publicado pela Food and Water Watch (N.T.: Observatório do Alimento e Água) (a íntegra do relatório – em inglês – pode ser vista aqui ou aqui)
examina o papel do financiamento corporativo em pesquisa agrícola de
universidades públicas agrícolas (N.T. land-grant university), mais de
100 nos Estados Unidos.”
por Jill Richardson, para o AlterNet em 11/05/2012
A apropriação do ensino superior por Monsanto & Cia
A pesquisa acadêmica é frequentemente ditada por corporações através
do financiamento de professores, universidades, e da participação de
seus executivos em comitês educacionais.
“Quando abordei alguns professores para discutir projetos de
pesquisa sobre a agricultura orgânica nos mercados agrícolas, o primeiro
me disse que ninguém se interessava em pessoas que vendiam alimentos em
pátios de estacionamento do outro lado da linha do trem,” disse uma doutoranda de uma grande universidade pública agrícola que não quis se identificar. “O meu conselheiro acadêmico me disse que o melhor era solicitar à Monsanto ou ao Departamento de Segurança Interna
o financiamento de uma pesquisa mostrando como os ‘mercados negros de
vegetais’ representavam ‘uma ameaça bioterrorista prestes a explodir.’
Me disseram mais de uma vez ao longo da minha formação que eu deveria me
ater apenas a assuntos que a Monsanto financiasse, em vez de perseguir
ideais aos quais eu estava profundamente ligada. Acabei por estudar o
que eu queria, mas sem nenhum apoio financeiro, tendo que financiar os
meus estudos com dinheiro do próprio bolso.” Infelizmente, ela não está sozinha. As pesquisas precisam de
financiamento, e atualmente seguem a regra de ouro que diz que aquele
que tem o ouro dita as regras.
Um relatório que acabou de ser publicado pela Food and Water Watch (N.T.: Observatório do Alimento e Água) (a íntegra do relatório – em inglês – pode ser vista aqui ou aqui)
examina o papel do financiamento corporativo em pesquisa agrícola de
universidades públicas agrícolas (N.T. land-grant university), mais de
100 nos Estados Unidos. “Ouve-se recorrentemente clamores vindos do
Congresso e de órgãos reguladores por regras, políticas e regulamentos
mais científicas,” diz o pesquisador Tim Schwab da Food and Water
Watch, explicando o motivo que o levou a investigar a influência
corporativa na pesquisa agrícola. “Ou seja, se as regras e
regulamentos se baseiam numa ciência influenciada pela indústria, então
as consequências vão muito além dos artigos acadêmicos. Na verdade,
acaba impactando a subsistência do agricultor e as escolhas do
consumidor.”
O relatório concluiu que quase um quarto do financiamento das
pesquisas em universidades públicas vem agora das corporações, contra
menos de 15% do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Embora o
financiamento corporativo de pesquisas tenha ultrapassado o do
Departamento de Agricultura a partir dos anos 90, o fosso agora
aumentou. E o que é pior, o total em pesquisa agrícola corporativa, 7,4
bilhões de dólares, ultrapassa com folga a marca de 5,7 bilhões de
dólares de financiamento público para pesquisa agrícola gasto no mesmo
ano.
Entretanto, a influência não se reduz ao financiamento das pesquisas.
Em 2005, quase um terço dos cientistas agrícolas declarou prestar
consultoria para a indústria privada. As corporações financiam
professores e doam dinheiro para universidades em troca da
disponibilização de edifícios, laboratórios e de alas batizadas em seu
nome. O Departamento de Ciência da Nutrição da Universidade Purdue
oferece abertamente aos seus afiliados corporativos “visibilidade aos estudantes e à faculdade” e “o compromisso da faculdade e da administração em atender às necessidades dos membros [corporativos],” pelos 6.000 dólares pagos anualmente por esses afiliados.
Nos casos talvez mais gritantes, as diretorias corporativas se
misturam às lideranças acadêmicas. Em 2009, o reitor da Universidade de
Dakota do Sul, por exemplo, juntou-se à diretoria da Monsanto, onde
recebe somas de 6 dígitos anualmente. Bruce Rastetter é simultaneamente o
co-fundador e diretor de uma empresa chamada AgriSol Energy e membro do
Conselho Acadêmico da Universidade de Iowa. Sob a sua influência, a
Universidade de Iowa se uniu à AgriSol num empreendimento na Tanzânia
que removeu à força 162.000 pessoas das suas terras, embora mais tarde a
universidade tenha abandonado o projeto depois que o escândalo veio a
público.
Qual é o impacto do fluxo de dinheiro corporativo? “Sabemos por uma série de meta-análises que o financiamento corporativo produz resultados favoráveis ao financiador corporativo,”
diz Schwab. Por exemplo, um estudo comprova que pesquisas na área de
nutrição sobre refrigerantes, sucos e leite, financiadas por
corporações, tinham de 4 a 8 vezes mais chances de chegar a conclusões
favoráveis ao financiador. E quando um cientista escrupuloso publica
pesquisas desfavoráveis ao financiador, ele ou ela devem estar
preparados para buscar uma nova fonte de financiamento.
Foi o que aconteceu com um grupo de pesquisadores na Universidade de
Illinois, que eram financiados pelo programa estadual de “descontos” em
fertilizantes, depois que concluíram que o fertilizante nitrogênio
reduz a matéria orgânica no solo. Os programas de descontos são comuns
ao mercado agrícola, e obtêm recursos a partir de pequenas somas
descontadas da venda de cada produto – no caso, de fertilizantes.
Richard Mulvaney, um dos pesquisadores da Universidade de Illinois, acha
que essa forma de financiamento é deturpada, na medida em que os
fazendeiros oferecem recursos destinados a promover o uso de
fertilizantes com as suas próprias compras de fertilizantes.
[N.T.: Basta ler, por exemplo, o
edital de seleção de projetos em fertilizantes emitido pelo Conselho de
Pesquisa em Fertilizantes Agrícolas do Estado do Minnesota, que diz que “Pesquisadores
interessados em receber financiamento deverão encaminhar propostas com
os seus projetos, comprovando a sua habilidade em conduzir o tipo de
pesquisa que esteja alinhada à visão da organização.”]
Mas a influência da indústria é frequentemente mais sutil. Joyce Lok,
um estudante de graduação na Universidade Estadual de Iowa disse, “Se
uma corporação financia a sua pesquisa, eles querem que você aborde
determinadas questões que lhes interessa ver resolvidas. Então isso quer
dizer que eles não querem que você estude coisas que não lhes
interessa… Acho que eles influenciam a pesquisa dessa forma.”
John Henry Wells, que passou décadas como estudante, professor e
administrador de universidades públicas agrícolas vê a questão de outra
forma. Como acadêmico, ele espera que a sua pesquisa seja relevante aos
problemas do mundo real que afetam diretamente a agricultura. “Se
você me perguntar se eu sempre monto os projetos tendo em vista se serão
financiados, eu nego. Mas eu considero muito a questão da perspectiva
da relevância ao montar um projeto, e um dos indicadores de relevância é
se ele despertará a atenção de associações comerciais, indústria
privada, benfeitores, etc.”
Se os cientistas usam como critério a viabilidade de financiamento ao
selecionarem determinados tópicos, os temas de pesquisa voltados para
as necessidades dos pobres e excluídos estarão em desvantagem.
Entretanto, Wells diz que isso não é novidade: as universidades públicas
agrícolas sempre existiram para atender às elites, desde a sua criação
no século XIX.
“Na sua origem, a universidade pública agrícola destinava-se a
atender aos estreitos interesses políticos dos latifundiários e
proprietários de lotes – indivíduos que tinham o direito de votar e
participar na estrutura política de uma democracia representativa.” diz ele. “Atualmente,
não se trata tanto do fato de que a universidade pública tenha sido
corrompida pela influência da moderna agroindústria, uma vez que ela tem
tido sucesso em focar a sua missão no contexto da nossa estrutura
constitucional de governo. Para a universidade pública agrícola, a sua
maior força – a colaboração política com os altos escalões de influência
– tem sido a sua maior fraqueza.”
As universidades agrícolas e o próprio Departamento de Agricultura
foram concebidos numa época em que a visão sobre a agricultura estava
mudando – mesmo que a maioria dos fazendeiros na época ignorassem o
conselho dos acadêmicos, classificando-os como “fazendeiros de gabinete”
que sabiam pouco sobre o verdadeiro trabalho na terra. Will Allen
escreve sobre este período no seu livro A Guerra contra as Pragas
(N. T.: The War on Bugs), contando a estória de Justus Von Liebig, um proeminente químico agrícola alemão.
“Em 1830, Liebig começou afirmando que os principais nutrientes
das plantas eram o nitrogênio, o fósforo e o potássio. A sua teoria
desencadeou o desenvolvimento de fertilizantes químicos e uma nova era
da ciência agrícola e da química dos solos, nos anos 1840 e 1850. Embora
muitas das teorias de Liebig estivessem erradas, ele foi o primeiro
grande propagandista da química e da agricultura químico-industrial.” Talvez o mais significativo dos seus erros tenha sido a crença de que a matéria orgânica do solo não fosse importante.
Dezenas de estadunidenses estudaram com Liebig e voltaram para os
Estados Unidos para continuar o trabalho. Dois desses estudantes
estabeleceram laboratórios em Harvard e Yale, e logo “todas as escolas agrícolas e estações de experimentos no país seguiram os seus passos.”
Assim, praticamente desde o começo, as elites neste país serviram aos
interesses daqueles que vendiam fertilizantes químicos e outros insumos
agrícolas – mesmo que não tenha sido a sua intenção original. Não resta
dúvida de que muitos foram seduzidos pela perspectiva de fundar uma
nova, moderna e científica forma de agricultura.
A profana trindade indústria-governo-academia que promove a
agricultura industrial e desconsidera métodos sustentáveis tem uma longa
história e continua forte hoje em dia. No seu relatório, a Food and Water Watch
defende a volta de um financiamento federal robusto para as pesquisas
em universidades agrícolas. Mas o próprio governo está longe de estar
imune em servir aos interesses corporativos.
Veja-se, por exemplo, Roger Beachy, o ex-diretor do Instituto
Nacional para o Alimento e a Agricultura (NIFA), a agência do
Departamento de Agricultura responsável pelos fundos de pesquisa. Beachy
gastou a maior parte da sua carreira como acadêmico, colaborando com a
Monsanto na produção do primeiro tomate geneticamente modificado. Mais
tarde tornou-se presidente-fundador do Centro de Ciências Agrícolas
Donald Danforth, o braço não-lucrativo da Monsanto, antes do Presidente
Obama o nomear para a NIFA.
Como disse Schwab, as decisões políticas frequentemente se baseiam em
pesquisas, mas as boas decisões políticas devem basear-se em pesquisas
objetivas e isentas. Num sistema em que tanto as corporações quanto o
governo financiam as pesquisas, e em que as mesmas pessoas trocam de
posições entre a indústria, o lobby industrial e o governo, qual é a
solução?
por Jill Richardson
Traduzido por Gustavo Lapido Loureiro
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