sábado, 26 de maio de 2012

As falácias do capitalismo: a influência das grandes corporações agroindustriais nas universidades

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Cerimônia de doação de 500.000 dólares à Universidade de Iowa pela Monsanto, em novembro de 2011. Em troca, a universidade criou a cadeira Reprodução da Soja.
Cerimônia de doação de 500.000 dólares à Universidade de Iowa pela Monsanto, em novembro de 2011. Em troca, a universidade criou a cadeira Reprodução da Soja.

“Um relatório que acabou de ser publicado pela Food and Water Watch (N.T.: Observatório do Alimento e Água) (a íntegra do relatório – em inglês – pode ser vista aqui ou aqui) examina o papel do financiamento corporativo em pesquisa agrícola de universidades públicas agrícolas (N.T. land-grant university), mais de 100 nos Estados Unidos.”

por Jill Richardson, para o AlterNet em 11/05/2012

A apropriação do ensino superior por Monsanto & Cia

A pesquisa acadêmica é frequentemente ditada por corporações através do financiamento de  professores, universidades, e da participação de seus executivos em comitês educacionais.
Quando abordei alguns professores para discutir projetos de pesquisa sobre a agricultura orgânica nos mercados agrícolas, o primeiro me disse que ninguém se interessava em pessoas que vendiam alimentos em pátios de estacionamento do outro lado da linha do trem, disse uma doutoranda de uma grande universidade pública agrícola que não quis se identificar. O meu conselheiro acadêmico me disse que o melhor era solicitar à Monsanto ou ao Departamento de Segurança Interna o financiamento de uma pesquisa mostrando como os ‘mercados negros de vegetais’ representavam ‘uma ameaça bioterrorista prestes a explodir.’ Me disseram mais de uma vez ao longo da minha formação que eu deveria me ater apenas a assuntos que a Monsanto financiasse, em vez de perseguir  ideais aos quais eu estava profundamente ligada. Acabei por estudar o que eu queria, mas sem nenhum apoio financeiro, tendo que financiar os meus estudos com dinheiro do próprio bolso. Infelizmente, ela não está sozinha. As pesquisas precisam de financiamento, e atualmente seguem a regra de ouro que diz que aquele que tem o ouro dita as regras.
Um relatório que acabou de ser publicado pela Food and Water Watch (N.T.: Observatório do Alimento e Água) (a íntegra do relatório – em inglês – pode ser vista aqui ou aqui) examina o papel do financiamento corporativo em pesquisa agrícola de universidades públicas agrícolas (N.T. land-grant university), mais de 100 nos Estados Unidos.Ouve-se recorrentemente clamores vindos do Congresso e de órgãos reguladores por regras, políticas e regulamentos mais científicas,diz o pesquisador Tim Schwab da Food and Water Watch, explicando o motivo que o levou a investigar a influência corporativa na pesquisa agrícola. Ou seja, se as regras e regulamentos se baseiam numa ciência influenciada pela indústria, então as consequências vão muito além dos artigos acadêmicos. Na verdade, acaba impactando a subsistência do agricultor e as escolhas do consumidor.
O relatório concluiu que quase um quarto do financiamento das pesquisas em universidades públicas vem agora das corporações, contra menos de 15% do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Embora o financiamento corporativo de pesquisas tenha ultrapassado o do Departamento de Agricultura a partir dos anos 90, o fosso agora aumentou. E o que é pior, o total em pesquisa agrícola corporativa, 7,4 bilhões de dólares, ultrapassa com folga a marca de 5,7 bilhões de dólares de financiamento público para pesquisa agrícola gasto no mesmo ano.
Entretanto, a influência não se reduz ao financiamento das pesquisas. Em 2005, quase um terço dos cientistas agrícolas declarou prestar consultoria para a indústria privada. As corporações financiam professores e doam dinheiro para universidades em troca da disponibilização de edifícios, laboratórios e de alas batizadas em seu nome. O Departamento de Ciência da Nutrição da Universidade Purdue oferece abertamente aos seus afiliados corporativos visibilidade aos estudantes e à faculdade” e “o compromisso da faculdade e da administração em atender às necessidades dos membros [corporativos], pelos 6.000 dólares pagos anualmente por esses afiliados.
Nos casos talvez mais gritantes, as diretorias corporativas se misturam às lideranças acadêmicas. Em 2009, o reitor da Universidade de Dakota do Sul, por exemplo, juntou-se à diretoria da Monsanto, onde recebe somas de 6 dígitos anualmente. Bruce Rastetter é simultaneamente o co-fundador e diretor de uma empresa chamada AgriSol Energy e membro do Conselho Acadêmico da Universidade de Iowa. Sob a sua influência, a Universidade de Iowa se uniu à AgriSol num empreendimento na Tanzânia que removeu à força 162.000 pessoas das suas terras, embora mais tarde a universidade tenha abandonado o projeto depois que o escândalo veio a público.
Qual é o impacto do fluxo de dinheiro corporativo? Sabemos por uma série de meta-análises que o financiamento corporativo produz resultados favoráveis ao financiador corporativo, diz Schwab. Por exemplo, um estudo comprova que pesquisas na área de nutrição sobre refrigerantes, sucos e leite, financiadas por corporações, tinham de 4 a 8 vezes mais chances de chegar a conclusões favoráveis ao financiador. E quando um cientista escrupuloso publica pesquisas desfavoráveis ao financiador, ele ou ela devem estar preparados para buscar uma nova fonte de financiamento.
Foi o que aconteceu com um grupo de pesquisadores na Universidade de Illinois, que eram financiados pelo programa estadual de “descontos” em fertilizantes, depois que concluíram que  o fertilizante nitrogênio reduz a matéria orgânica no solo. Os programas de descontos são comuns ao mercado agrícola, e obtêm recursos a partir de pequenas somas descontadas da venda de cada produto – no caso, de fertilizantes. Richard Mulvaney, um dos pesquisadores da Universidade de Illinois, acha que essa forma de financiamento é deturpada, na medida em que os fazendeiros oferecem recursos destinados a promover o uso de fertilizantes com as suas próprias compras de fertilizantes.

[N.T.: Basta ler, por exemplo, o edital de seleção de projetos em fertilizantes emitido pelo Conselho de Pesquisa em Fertilizantes Agrícolas do Estado do Minnesota, que diz que “Pesquisadores interessados em receber financiamento deverão encaminhar propostas com os seus projetos,  comprovando a sua habilidade em conduzir o tipo de pesquisa que esteja alinhada à visão da organização.”]

Mas a influência da indústria é frequentemente mais sutil. Joyce Lok, um estudante de graduação na Universidade Estadual de Iowa disse, Se uma corporação financia a sua pesquisa, eles querem que você aborde determinadas questões que lhes interessa ver resolvidas. Então isso quer dizer que eles não querem que você estude coisas que não lhes interessa… Acho que eles influenciam a pesquisa dessa forma.
John Henry Wells, que passou décadas como estudante, professor e administrador de universidades públicas agrícolas vê a questão de outra forma. Como acadêmico, ele espera que a sua pesquisa seja relevante aos problemas do mundo real que afetam diretamente a agricultura. Se você me perguntar se eu sempre monto os projetos tendo em vista se serão financiados, eu nego. Mas eu considero muito a questão da perspectiva da relevância ao montar um projeto, e um dos indicadores de relevância é se ele despertará a atenção de associações comerciais, indústria privada, benfeitores, etc.
Se os cientistas usam como critério a viabilidade de financiamento ao selecionarem determinados tópicos, os temas de pesquisa voltados para as necessidades dos pobres e excluídos estarão em desvantagem. Entretanto, Wells diz que isso não é novidade: as universidades públicas agrícolas sempre existiram para atender às elites, desde a sua criação no século XIX.
Na sua origem, a universidade pública agrícola destinava-se a atender aos estreitos interesses políticos dos latifundiários e proprietários de lotes – indivíduos que tinham o direito de votar e participar na estrutura política de uma democracia representativa.diz ele. “Atualmente, não se trata tanto do fato de que a universidade pública tenha sido corrompida pela influência da moderna agroindústria, uma vez que ela tem tido sucesso em focar a sua missão no contexto da nossa estrutura constitucional de governo. Para a universidade pública agrícola, a sua maior força – a colaboração política com os altos escalões de influência – tem sido a sua maior fraqueza.
As universidades agrícolas e o próprio Departamento de Agricultura foram concebidos numa época em que a visão sobre a agricultura estava mudando – mesmo que a maioria dos fazendeiros na época ignorassem o conselho dos acadêmicos, classificando-os como “fazendeiros de gabinete” que sabiam pouco sobre o verdadeiro trabalho na terra. Will Allen escreve sobre este período no seu livro A Guerra contra as Pragas 

(N. T.: The War on Bugs), contando a estória de Justus Von Liebig, um proeminente químico agrícola alemão.

Selo da ex-República Democrática Alemã em homenagem a Liebig ( e à tríade N-P-K). A defesa da agricultura industrial não é prerrogativa do capitalismo. Clique na imagem para conhecer uma crítica marxista à agricultura familiar.
Selo da ex-República Democrática Alemã em homenagem a Liebig ( e à tríade N-P-K). A defesa da agricultura industrial não é prerrogativa do capitalismo. Clique na imagem para conhecer uma crítica marxista à agricultura familiar.
Em 1830, Liebig começou afirmando que os principais nutrientes das plantas eram o nitrogênio, o fósforo e o potássio. A sua teoria desencadeou o desenvolvimento de fertilizantes químicos e uma nova era da ciência agrícola e da química dos solos, nos anos 1840 e 1850. Embora muitas das teorias de Liebig estivessem erradas, ele foi o primeiro grande propagandista da química e da agricultura químico-industrial.Talvez o mais significativo dos seus erros tenha sido a crença de que a matéria orgânica do solo não fosse importante.
Dezenas de estadunidenses estudaram com Liebig e voltaram para os Estados Unidos para continuar o trabalho. Dois desses estudantes estabeleceram laboratórios em Harvard e Yale, e logo “todas as escolas agrícolas e estações de experimentos no país seguiram os seus passos.” Assim, praticamente desde o começo, as elites neste país serviram aos interesses daqueles que vendiam fertilizantes químicos e outros insumos agrícolas – mesmo que não tenha sido a sua intenção original. Não resta dúvida de que muitos foram seduzidos pela perspectiva de fundar uma nova, moderna e científica forma de agricultura.
A profana trindade indústria-governo-academia que promove a agricultura industrial e desconsidera métodos sustentáveis tem uma longa história e continua forte hoje em dia. No seu relatório, a Food and Water Watch defende a volta de um financiamento federal robusto para as pesquisas em universidades agrícolas. Mas o próprio governo está longe de estar imune em servir aos interesses corporativos.

Roger Beachy, o primeiro à esquerda, em fórum sobre redução da fome global, realizado no Auditório Monsanto da Universidade do Missouri.
Roger Beachy, o primeiro à esquerda, em fórum sobre redução da fome global, realizado no Auditório Monsanto da Universidade do Missouri.
Veja-se, por exemplo, Roger Beachy, o ex-diretor do Instituto Nacional para o Alimento e a Agricultura (NIFA), a agência do Departamento de Agricultura responsável pelos fundos de pesquisa. Beachy gastou a maior parte da sua carreira como acadêmico, colaborando com a Monsanto na produção do primeiro tomate geneticamente modificado. Mais tarde tornou-se presidente-fundador do Centro de Ciências Agrícolas Donald Danforth, o braço não-lucrativo da Monsanto, antes do Presidente Obama o nomear para a NIFA.
Como disse Schwab, as decisões políticas frequentemente se baseiam em pesquisas, mas as boas decisões políticas devem basear-se em pesquisas objetivas e isentas. Num sistema em que tanto as corporações quanto o governo financiam as pesquisas, e em que as mesmas pessoas trocam de posições entre a indústria, o lobby industrial e o governo, qual é a solução?
por Jill Richardson

Traduzido por Gustavo Lapido Loureiro

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