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Por carlos Henrique Machado Freitas
“Baixa baixa limoeiro, óia que eu quero panhá limão, que eu quero
tirá uma nódia, óia lá meu Deus, uma nódia do coração. A nódia do
coração não se tira com limão, tira sim com dois abraços e com dois
aperto de mão.” (Tia Marina Caxambuzeira)
Para a conquista do azoto, mesmo lutando contra dogmas cristalizados
no Brasil desde o período colonial, a preciosa participação das
matriarcas negras na composição de uma química social que nutriu afetos e
cultivou a generosidade para plantar as raízes da música brasileira,
ainda não foi objeto de um estudo profundo. Todas as sábias adubações e o
tempo de repouso para fertilizar o que hoje classificamos como música
brasileira não vieram das velhas teorias clássicas, mas de um seio de
tradição africana representado pelas mães e tias dos terreiros, das
rodas de samba e de todos os padrões técnicos que tinham relação
simétrica entre a criação e o ambiente brasileiro.
Ao contrário de aceitar a opressão como verdade bruta, o trabalho das
matriarcas negras modificou o ponto essencial que, sem dúvida, assumiu o
papel de protagonismo nos microssistemas que eternizaram a própria
magia de nossa música. Por isso, na essência o critério de nossa música
sempre teve papel filosófico, mas principalmente social.
Mesmo sabendo do trabalho de algumas dessas grandes matriarcas como a
Tia Eulália, Tia Ciata, D. Zica, D. Neuma, Tia Surica, podemos dizer
que esse complexo universo regido por estas mulheres negras, desde o
período da escravidão, é bem mais bonito e rico do que imaginamos.
Na realidade a principal característica dessas grandes mulheres foi a
de promover o compartilhamento e foi ele que serviu de critério para
termos a mais valiosa chave de um ritual cheio de magia que culminou na
música mestiça que se transformou na grande e nova força do Brasil.
Como isso se deu? Com os atrativos deliciosos das festas com uma
porcentagem muito forte do próprio conceito materno de tratar o
alimento, a dança, a música como forma de resistência, fertilidade e
comunhão. E todas essas normas são características étnicas pertencentes à
música brasileira até os dias de hoje, felizmente.
O que fica é uma enorme interrogação sobre o papel da ministra da
cultura num governo também comandado por uma mulher, a Presidenta Dilma,
já reconhecida com uma visão de caráter social progressista. O que nos
resta é saber se essa nova pregação do MinC cheia de idealismo de
mercado está associada à produção humana, à realidade nacional ou mesmo
se tem algum parentesco psicológico com essa química de natureza
espontânea das matriarcas negras, ou se, ao contrário, o que estamos
assistindo é uma política covarde, anti-nacional, anti-crítica,
anti-cíclica e, sobretudo a negação da parte mais humana dessa grande
festa que é a cultura brasileira regida por raínhas negras como Tia
Marina nesta foto que representa todo o afeto, toda a sabedoria, todo o
contexto de comunhão de uma líder de comunidade que sempre regeu
magnificamente todo o seu rebanho com a esplêndida batida do tambor do
caxambu.
Esta, na verdade, é a cultura viva do Brasil que tem em cada ponto de
cultura um ponto de luz fertilizando o território brasileiro.
Carlos Henrique Machado Freitas é músico, compositor e bandolinista.
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