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Confesso que fico
envergonhado com a insistência de muitos advogados da democracia
racial em apresentar a miscigenação da sociedade brasileira como a
demonstração definitiva de que os portugueses e seus descendentes
brancos não possuíam uma cultura de caráter racista.
Eu acho que a
miscigenação criou pessoas bonitas, trouxe muitos benefícios
a população brasileira e deve ser celebrada pelos motivos
verdadeiros.
Ajudou a valorizar a
cultura negra e enriqueceu nossa maneira de olhar o mundo e perceber
que somos parte de um universo mais amplo, que envolve toda a
humanidade.
Mas é absurdo tentar
apresentar o acasalamento de brancos e negros (em temos históricos,
em 99,99% dos casos, brancos e negras, o que já quer dizer alguma
coisa) como “prova” que não somos um país racista.
Não há relação
entre as coisas. O racismo e outros sentimentos de ódio nunca
impediram relações sexuais entre pessoas que de nações diferentes
e até inimigas.
A crônica final de
todas as guerras da humanidade inclui milhares de casos de estupro da
população feminina pelas tropas vencedoras, permitida por uma
situação de força.
Alguém vai falar em
miscigenação na Bósnia? Ou na Europa depois da chegada dos russos?
Ou na Polônia após a invasão nazista?
Não. Mas falamos em
miscigenação de forma positiva no Brasil. Dizemos que é uma
demonstração do espírito aberto e desprovido de preconceito do
branco brasileiro. A miscigenação seria, nessa visão, o
ponto essencial de nossa democracia racial, pois envolve a família.
Bobagem.
Gostaria que alguém
apontasse uma diferença, essencial, entre uma escrava deitar-se com
o seu senhor e uma mulher de um país vencido numa guerra fazer o
mesmo com tropas invasoras.
Além de costumes,
comportamentos, geografias e etc, a verdadeira diferença reside no
olhar que compara os dois fenômenos. Fomos habituados a olhar para a
escrava negra como uma mulher disponível, que gostava de seduzir o
senhor. Não se enxerga aí uma relação determinada por uma
violência absoluta contra uma população arrancada de seu país de
origem, destituída de sua família e de sua cultura, sem direitos
elementares.
Imagina-se a sedução,
o desejo, até amor, quando havia um massacre prolongado, permanente,
que durou séculos.
Essa visão
preconceituosa é um produto histórico do cativeiro, uma cultura
criada pelo olhar do senhor.
Muitos senhores de
cativos gostavam de culpar as mulheres negras por deitar-se com elas.
Diziam que eram provocantes, sedutoras, irresistíveis. Em mais um
gesto que prova que podia ter idéias erradas mas não era desprovido
de bom senso, Gilberto Freyre chegou a denunciar o preconceito
vergonhoso de um médico brasileiro que, num Congresso em Paris,
culpou a “lubricidade simiesca” das escravas negras pela expansão
das doenças venéreas no país.
Na verdade, lembrou o
antropólogo, as doenças se espalhavam porque muitos cidadãos
brancos, contaminados por sífilis, gostavam de acreditar na lenda de
que precisavam deitar-se com uma “negrinha virgem” para serem
curados. Assim, justificavam suas investidas contra cativas ainda
adolescentes.
Celebrar a miscigenação
como “prova” do espírito democrático implicar em imaginar que,
na cama, a escravidão pudesse desparecer por encanto. Vamos combinar
que nem Reich e outros profetas da revolução sexual pensaram
nisso….rsrsrsrsrsr
Do ponto de vista
branco, a mulher escrava servia para o sexo. Mas não tinha direito a
casamento nem a formar família.
Pode haver maior
demonstração de preconceito?
Como assinala o
professor Alfredo Bosi, “a libido do conquistador teria sido antes
falocrática do que democrática na medida em que se exercia quase
sempre em uma só dimensão, a do contacto físico: as escravas
emprenhadas pelos fazendeiros não foram guindadas, ipso facto, à
categoria de esposas e senhoras de engenho, nem tampouco os filhos
dessas uniões fugazes se ombrearam com os herdeiros ditos legítimos
do patrimônio de seus genitores. As exceções, raras e tardias,
servem apenas de matéria de anedotário e confirmam a regra geral.
As atividades genésicas intensas não têm conexão necessária com
a generosidade social. ( “Dialética da Colonização,” página
28).
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