buscado no Belas Artes Médicas
O
fenômeno de envelhecimento populacional já é visível em diversas
sociedades, deixando de ser uma constatação das comunidades científicas e
firmando-se como uma concepção do senso comum. Nas últimas décadas tal
processo estendeu-se dos países desenvolvido para os países em
desenvolvimento, tornando-se um fenômeno global.
Paralelamente ao envelhecimento populacional, ocorre o aumento das
doenças crônicas e degenerativas, características das fases mais tardias
da vida de um ser humano. Nesse contexto, ocorre um crescimento do
número de pessoas acometidas pela doença de Alzheimer, considerada por
muitos a “epidemia do século XXI”.
A doença de Alzheimer é a causa mais freqüente de demência nos idosos residentes em países ocidentais, configurando-se na mais importante de todas as doenças degenerativas, devido a sua significativa freqüência e a sua natureza devastadora.
A descrição da doença e sua caracterização patológica foram feitas em
1907 pelo médico alemão Alois Alzheimer. Inicialmente, a doença era
considerada uma demência progressiva que se instalava antes do período
senil, sendo comum a utilização do termo “demência pré-senil”. Mais
tarde, foram observadas, em idosos, lesões cerebrais idênticas àquelas
verificadas nos casos de demência pré-senil, sendo que atualmente estes
casos são chamados de “demência senil do tipo Alzheimer”.
Alois Alzheimer (1864-1915)
A idade é o único fator de risco bem conhecido e aceito universalmente,
sendo que a doença ocorre em cerca de 1% da população entre sessenta e
cinco e sessenta e nove anos de idade, em 15-20% após os oitenta anos e
em 40-50% após os noventa e cinco anos. A idade média de início da
doença situa-se em torno dos oitenta anos de idade. Do total de casos de
início precoce, aproximadamente 7% têm origem genética, com padrão de
herança autossômica dominante.
Os principais achados neuropatológicos encontrados na doença são a perda neuronal e a degeneração sináptica intensas, com a presença de duas lesões microscópicas características e indispensáveis para o diagnóstico, as placas senis ou neuríticas e os emaranhados neurofibrilares. Nas fases avançadas da doença, a colino acetiltransferase, enzima fundamental para a síntese de acetilcolina, encontra-se reduzida, contribuindo para a disfunção cognitiva observada nos pacientes.
Macroscopicamente, observa-se redução do peso do encéfalo, além de
atrofia cortical difusa, bilateral e simétrica, caracterizada por
estreitamento dos giros e alargamento dos sulcos. Ocorre também uma
redução do volume da substância branca cerebral, com preservação da cor e
da textura. Como consequência da redução do volume da substância branca
cerebral, observa-se dilatação dos ventrículos laterais e do terceiro
ventrículo.
A demência de Alzheimer apresenta três estágios evolutivos, contudo são
diversas as formas de apresentação clínica e de progressão da doença.
Possui instalação sutil e deterioração progressiva, sendo marcante a
dificuldade em determinar a data de início da doença. A piora
progressiva dos sintomas ocorre de forma gradual e contínua, normalmente
em um período de oito a doze anos.
Teoricamente, a fase inicial dura, em média, de dois a três anos, sendo marcada pelo comprometimento da memória recente ou de fixação. Nos estágios iniciais, pode ocorrer dificuldade no aprendizado de novas informações, perda de concentração, retraimento social e abandono de passatempos. Também pode ocorrer uma mudança no padrão habitual de comportamento, sendo conhecidos dois grupos de comportamento, um marcado pela apatia, passividade e desinteresse, enquanto o outro é caracterizado pela irritabilidade, egoísmo e intolerância.
"Retrato de uma idosa lendo", 1630-39 (óleo sobre tela), Gerrit Dou.
(Na fase inicial da doença de Alzheimer o indivíduo pode apresentar dificuldades no aprendizado e retenção de informações).
A
fase intermediária, cuja duração varia entre dois e dez anos, é marcada
pelo agravamento dos déficits de memória e pelo aparecimento de
sintomas focais, como afasia, apraxia e agnosia. Além disso, podem
surgir prejuízos em funções cognitivas, tais como julgamento, capacidade
de cálculo e raciocínio abstrato. Sendo assim, todos esses déficits
contribuem para a perda das habilidades para a realização de tarefas da
vida diária, ocasionando um declínio tanto cognitivo como funcional. Em
alguns casos, podem ainda surgir sinais extrapiramidais, com a alteração
da postura e da marcha, além de rigidez generalizada da musculatura,
causando lentidão e inadequação de todos os movimentos.
"No limiar da eternidade", 1890 (óleo sobre tela), Vincent Van Gogh.
(Na fase intermediária da demência de Alzheimer, a pessoa pode apresentar mudanças súbitas de humor).
Na
fase avançada, a memória remota já está bastante comprometida,
ocorrendo alterações do ciclo sono-vigília, além de dificuldade para
reconhecer faces e espaços familiares. As alterações de linguagem
apresentam um declínio marcante, ficando evidentes as dificuldades para
falar sentenças completas e compreender comandos simples. Além disso, os
pacientes apresentam incapacidade para realizar cuidados pessoais,
tornando-se totalmente dependentes. Invariavelmente, caminham para um
estado de acamamento, sendo que o falecimento usualmente decorre de
complicações da síndrome de imobilismo, como septicemia causada por
pneumonia, infecção urinária e úlceras de decúbito.
Após anamnese detalhada e exame físico tradicional com ênfase no
sistema neurológico, deve ser realizado o exame das funções cognitivas
do paciente, utilizando-se de testes curtos, de fácil manuseio, de
aplicação simples e apropriados para qualquer ambiente. Entretanto,
deve-se salientar que todos os testes cognitivos apresentam limitações,
além do que, fatores como idade e nível educacional podem interferir na
sua efetividade.
O Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) é um dos métodos de triagem mais
empregados em todo o mundo, apresentando como vantagens sua fácil e
rápida aplicação. No entanto, seu uso é limitado em pessoas com afasia,
baixa acuidade visual e auditiva e distúrbios motores.
É importante salientar que o diagnóstico definitivo de doença de
Alzheimer, atualmente, só pode ser feito por exame histopatológico do
tecido cerebral, sendo assim, trabalha-se usualmente com diagnóstico de
probabilidade.
Atualmente, não existem medicamentos capazes de interromper ou alterar o curso da doença de Alzheimer, nem sequer de impedir a sua eclosão. Os principais objetivos do tratamento são melhorar a qualidade de vida e maximizar o desempenho funcional dos pacientes, ao melhorar a cognição, retardar a evolução e tratar os sintomas.
Os anticolinesterásicos ou inibidores da acetilcolinesterase, fármacos
colinomiméticos, foram a primeira classe terapêutica a ser licenciada
para tratamento da doença de Alzheimer, sendo particularmente indicados
nas formas leve e moderada da doença. O tratamento com
anticolinesterásicos deve ser iniciado logo após o estabelecimento do
diagnóstico, observando-se um resultado geralmente modesto. Os efeitos
colaterais costumam ser dose-dependentes, situação que pode ser
prevenida por um incremento mais lento da medicação.
Entre os inibidores da acetilcolinesterase, a tetraidroaminoacridina
(tacrina) foi um dos primeiros fármacos a serem usados em larga escala,
sendo o seu uso visivelmente reduzido após o surgimento de drogas de
segunda geração. Alguns anticolinesterásicos disponíveis na atualidade
incluem o donepezil, a rivastigmina e a galantamina.
Recentemente, uma nova opção de tratamento foi aprovada para a doença de Alzheimer, a memantina, a primeira droga que pode ser utilizada nos estágios mais avançados da doença. Tal fármaco é um antagonista do receptor de glutamato, ressaltando-se que já era comercializada na Alemanha desde a década de oitenta para o tratamento de outras desordens neurológicas, não sendo, portanto, uma droga nova.
No tratamento não-farmacológico, a abordagem do paciente pode ser feita através de técnicas de reabilitação cognitiva que incluem terapia da orientação para a realidade, técnicas de estimulação por meio da arte e de outras terapias ocupacionais, além de dança, exercícios e musicoterapia. Quando houver necessidade, o acompanhamento nutricional, fisioterápico e fonoaudiológico podem ser de grande utilidade. Além disso, o atendimento familiar é de grande valia para o sucesso na condução do tratamento.
Abaixo um poema de Cecília Meireles sobre memórias, lirismo e o passar do tempo:
É Preciso Não Esquecer Nada
É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos, a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos severos conosco, pois o resto não nos pertence.
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos, a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos severos conosco, pois o resto não nos pertence.
Cecília Meireles
REFERÊNCIAS
BEAL, Flint. Doença de Alzheimer e outras demências. In: ISSELBACHER, Kurt (Ed.). Harrison: medicina interna. 13.ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 1995. p.2383-2389.
MACHADO, João Carlos Barbosa. Doença de Alzheimer. In: FREITAS, Elizabete Viana de et al. Tratado de geriatria e gerontologia. 2.ed. [S.l.]: Guanabara Koogan, 2006. p.260-279.
MACIEL JUNIOR, Jayme Antunes. Demências primárias e doença de Alzheimer. In: LOPES, Antonio Carlos (Ed.). Tratado de clínica médica. 1.ed. [S.l.]: Roca, 2006. v.2, p.2235-2253.
Nenhum comentário:
Postar um comentário