quinta-feira, 3 de maio de 2012

Álvaro Pereira Júnior - A mágica de Tábata

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A estudante de origem humilde não passou no ITA, mas entrou em seis universidades nos EUA

FILHA DE um cobrador de ônibus e de uma vendedora de flores, a estudante paulista Tábata Amaral de Pontes, 18, recebeu uma notícia triste no fim de 2011: foi reprovada no vestibular do ITA, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, um dos mais difíceis, senão o mais difícil do país.

A decepção só não foi completa porque, semanas depois, chegaram notícias excelentes: Tábata foi aceita em seis universidades americanas de ponta, a elite da elite do ensino e da pesquisa: Harvard, Yale, Princeton, Columbia, Universidade da Pensilvânia e até o sacrossanto Caltech, recém-eleito a melhor instituição de ensino superior do mundo.

Para uma família americana, ver um filho em qualquer dessas universidades é motivo de um orgulho que ultrapassará gerações. Só o pequeno Caltech teve, em sua história, 32 prêmios Nobel, conquistados por 31 de seus cientistas (um deles, Linus Pauling, o maior químico do século 20, ganhou duas vezes: Química e Paz).

Imagine, então, o que essas aprovações representam para Tábata e sua família (o pai, infelizmente, morreu três dias depois de saber que ela passara em Harvard). De origem humilde, a jovem fez ensino médio com bolsa, em São Paulo, e se arriscou nos EUA porque o colégio incentiva seus alunos estelares a tentar faculdade no exterior.

Mas vamos lembrar o primeiro parágrafo: o ITA não quis saber dela. A fera em exatas levou bomba na respeitada instituição de São José dos Campos. De nada adiantaram seus prêmios em olimpíadas de física, matemática, química, robótica, informática, astronomia e linguística. Só contaram as notas das provas. Não deu.

Não há como fugir da conclusão: há algo muito errado com os vestibulares -no Brasil, em geral, e no ITA, em particular.

Por mais que alguns vestibulares se modernizem, busquem a interdisciplinaridade, a contextualização social, por mais que algumas instituições (USP e Unicamp são os exemplos mais evidentes) elaborem provas elegantes, fugindo da simples decoreba de fórmulas e do acúmulo bitolado de conhecimento, não há como escapar do caráter "lotérico" do vestibular. Mesmo os candidatos mais preparados e frios precisam de sorte também.

Uma indisposição, um branco na memória, e adeus. Nova chance, pelo menos nas melhores universidades brasileiras, só dali a um ano.

No caso do ITA, a situação é ainda mais aguda. Um vestibular brutal, que tem muito pouco a ver com o que de fato se aprende no ensino médio -mesmo nos colégios mais fortes. De tanta exigência, resulta uma distorção. Só passa no Instituto Tecnológico de Aeronáutica quem se prepara especificamente para ele. E a estatística mostra uma curiosidade: a cidade com mais aprovados é Fortaleza.

Historicamente, Fortaleza tem colégios e cursinhos voltados ao vestibular do ITA. Neste ano, dos 120 convocados, nada menos que 40 eram da capital cearense. São José dos Campos, sede do instituto, vem logo atrás, com 38. Mesma razão: cursinho focado no ITA.

O ITA, não me entenda mal, é uma escola de engenharia de enorme prestígio na graduação (na pós, menos). Uma busca no Google por "formado no ITA" encontra profissionais de muito destaque, ocupantes de altos cargos no governo, na iniciativa privada e na academia.

A Embraer, terceira maior fabricante de aviões do mundo, deve muito de seu sucesso à formação sólida dos engenheiros que saem do instituto para a empresa. A qualidade do ensino, incontestável, não está em questão.

O que discuto é que, para ser escolhida pelas universidades mais importantes do planeta, Tábata foi avaliada como um todo. Fez uma prova, o SAT, inspiração do nosso Enem (mas que, ao contrário deste, não é usado como critério único de admissão).

Também levou cartas de recomendação, escreveu redações, foi entrevistada, apresentou seu histórico escolar e, principalmente, teve analisadas suas atividades extracurriculares (Tábata fundou, há três anos, o grupo Vontade Olímpica de Aprender, que treina alunos de escolas públicas para olimpíadas educacionais).

No sistema brasileiro, nada disso teria contado. Nem nos vestibulares que tentam ser mais modernos, nem nas provas mega tradicionais do ITA.

Para passar nas escolas dos EUA, bastou Tábata ser ela mesma. Nos últimos dias, tem cruzado os Estados Unidos para decidir onde estudar. Também entrou em física, na USP, mas seu destino está fora do Brasil. O ITA a reprovou, ela foi voar no hemisfério Norte.


Folha de S. Paulo
28/04/2012

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