buscado no O Ingovernável
É exaustivo e quase desestimulante ter que sempre retornar à
mesma questão: o quanto a matriz jurídico-política em que estamos
inseridos é completamente dependente de um conjunto de pressupostos que
contêm, em si mesmos, a possibilidade de gerar todas as supostas
distorções, acidentes e perversidades que os defensores desse sistema
gostariam que fossem apenas isso: acidentes, perversidades,
distorções. Nossa matriz liberal-humanista, ao conceber a liberdade
enquanto propriedade, carrega a própria possibilidade da destruição de
toda e qualquer liberdade como efeito da própria liberdade. É
assim que a tolerância – emblema máximo da não-relação com a diferença e
da propriedade como ilhota que me protege dos outros – é o que permite a
intolerância, pois é preciso tolerar os intolerantes.
Hoje, quando em pleno século XXI a Presidenta da República, do maior
partido de esquerda do país, anuncia que não podemos opôr às riquezas
naturais ao crescimento do país, é possível ver todo o desenvolvimento
perverso (em todos os sentidos possíveis) de toda essa matriz. Quando as
últimas e precaríssimas garantias do Código Florestal desabam em nome
de empresários famintos por crescimento, mesmo que seja à custa
de toda multiplicidade natural brasileira, vislumbramos mais um
daqueles pontos que sintetizam todo um tempo, aqueles pontos de encontro
em que civilização e barbárie provam sua indissociabilidade.
Não tardará muito tempo, podem anotar isso, para alguns defensores
dos direitos humanos incapazes de revisar a própria matriz em que estão
inseridos começarem a defender o direito humano à destruição do mundo.
Trabalhando ao lado de cientistas cujo trabalho será encontrar uma nova
biosfera para o homem em outro lugar do Universo, esses humanistas irão sustentar que é uma necessidade natural do homem destruir o mundo, que é inevitável – que, afinal de contas, isso gera empregos.
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