segunda-feira, 28 de maio de 2012

OS 90 ANOS DE BIBI FERREIRA

buscado no Boilerdo

BIBI DIVA AOS 90

 
  

Em Gota d'água

por ELEONORA DE LUCENA, do Rio


atriz, diretora, cantora e figura histórica do teatro brasileiro, ela fala do prazer de comer um pão com manteiga e diz que o amor é para os jovens


Ela chega de mansinho. Toda de preto e com os indefectíveis óculos escuros. Escolhe a cadeira de linhas retas. Dá uma bebericada no refrigerante servido na taça. Está muito gelado, reclama. O Pão de Açúcar está tão perto que parece invadir as janelas da sala cheia de flores. Um arco-íris rasga a baía de Guanabara.

É fim de tarde, e Bibi

Ferreira não presta atenção nesse cenário que conhece bem. Na próxima sexta, ela completa 90 anos, mas não vai dar festa. “Sabe aquele negócio da madrinha da Bela Adormecida? Pode acontecer de eu ficar cem anos deitada porque não convidei a pessoa certa! Não quero festa.”

Grande dama do teatro brasileiro, ela começa falando bem baixinho, para cuidar dos músculos da garganta. “Minha vida é simples. Acordo e tomo qualquer coisa. Faço o que tenho que fazer e descanso. Por isso, engordo com facilidade. Só como aquilo que engorda. Meu grande problema é o corpo. É uma tragédia shakespeariana.”

Fã de literatura inglesa e de cinema, ela adora o filme “Capote”, de 2005. “Toda a
semana toco a ver. A interpretação de Philip Seymour Hoffman é uma das melhores que já vi, pois usa toda a possibilidade física: é a forma de andar, de olhar, principalmente de falar. É um trabalho  primoroso. Fico olhando esse homem representando e fico estudando, aprendendo.”
RETRAÍDA
Aprendendo aos 90 anos. Foi com 24 dias de vida que Abigail Izquierdo Ferreira subiu ao palco pela primeira vez. Tomava o lugar de uma boneca que se perdera na coxia do espetáculo “Manhãs de Sol”, de Oduvaldo Vianna. Seu pai, o lendário Procópio Ferreira, iniciava a carreira de ator.

Com a mãe, a corista Aida Izquierdo, estreou em Santiago num teatro de revista. Tinha três anos. Aos 14, dançava em óperas no corpo de baile do Theatro Municipal do Rio e compunha música clássica.

Atriz, bailarina, cantora, compositora, diretora. Carismática e talentosa, não parou mais. “Sempre fui retraída. Só não sou assim no palco. Lá, perco a inibição. Nunca fui encaminhada para fazer carreira. Era uma moça como qualquer outra daquela geração. Todas estudavam piano, francês e dança. Minha mãe trabalhava muito para pagar os meus professores, e eu estudava o que fosse possível para a minha mãe ficar feliz.”

E o que é importante para ser um ator? “A primeira coisa é saber se ele tem voz. O microfone colocado hoje nos atores fica muito ruim porque eles perdem o brilho. Nunca trabalhei com microfone. Não tenho necessidade. Deus me deu uma voz muito forte, muito boa. Mas tem também a técnica, a respiração, força no diafragma”, explica.

Sobre exercícios, Bibi conta que faz todos os dias o roteiro da Força Aérea Canadense. O método foi lançado em 1958 no livro “Mantenha-se Fisicamente em Forma”, que vendeu mais de 23 milhões de exemplares no mundo. Nele, o cientista e atleta Bill Orban propunha uma pequena série de exercícios diários, sem equipamentos.

“Aquilo é maravilhoso. Em dez minutinhos, resolve todos os problemas, envolve todos os músculos”, diz Bibi.
CENSURA
A noite vai chegando e a voz da diva está mais forte. Os carros  que chispam no aterro do Flamengo não conseguem abafá-la. Como ela se prepara para entrar em cena? Usa o método Stanislavski?

Bibi não complica. “Tenho uma rotina obrigatória. Gosto de chegar com calma ao teatro para ter mais concentração. Preciso ter uma paz de duas horas dentro do camarim. Eu fico muito triste e nervosa quando estou atrasada.”

No palco, sua personagem mais forte foi a Joana de “Gota d’Água”, peça de 1975, de Chico Buarque e Paulo Pontes –então marido de Bibi. “É o texto mais importante da dramaturgia brasileira. A censura cortou tanto que ficou uma coisa leite com água. Depois, o Paulinho conseguiu trazer de volta determinados cortes.”

Na ditadura, Bibi foi ao general Médici pedir a regulamentação da profissão de artista e um desafogo na censura. “No militarismo, eles não entendiam nada. Como ninguém nunca entende de teatro, a não ser quem pisa no palco”, diz.

Bibi sente falta daquela “fase muito rica da dramaturgia brasileira, com Vianinha, Plínio Marcos, Paulo Pontes. Não tem aparecido uma safra fértil”, reclama.

Musicais da Broadway, comédias, textos clássicos –quase tudo já foi alvo do trabalho de Bibi, que dirigiu e atuou com os monstros do teatro e da música. “De teatro de protesto eu não gostei muito.
Porque o protesto muda de mãos. Hoje, você está a favor do comunismo, amanhã, não. O público é um só. Você tem que agradar”, defende.

Ela conta que aprendeu essa filosofia com o pai. “Ele me dizia que há coisas em que você não pode tocar no teatro: futebol, política e religião.”

Autora de “Bibi Ferreira: a Trajetória Solitária de uma Atriz por Seis Décadas do Teatro Brasileiro”, a jornalista Deolinda Vilhena avalia que “falta ousadia” à atriz. “É a maior atriz que eu já vi em cena.
Diante do seu talento, não consigo entender a opção por um repertório comercial e de divertimento”, declara Deolinda à Serafina.

O texto, tese de mestrado de 2001 na USP, causou a ruptura entre a atriz e a jornalista, que foi assessora de Bibi por 17 anos e é atualmente professora de teatro da Universidade Federal da Bahia.

Segundo Deolinda, o motivo da discórdia foi a citação de críticas desfavoráveis ao pai e à filha da atriz. Hoje há paz entre elas. “Ela é como uma mãe para mim”, diz.
SUPERdoméstica
Intérprete de mulheres fortes, como Edith Piaf e a Joana de “Gota d’Água”, Bibi não quer saber de feminismo. “Acho que a mulher nunca é feliz sem ter uma hora para ficar esperando pelo marido em casa. Sou superdoméstica.”

“A mulher que quer muita liberdade acaba se perdendo. É feito o Noel [Rosa].” E cantarola “Feitio de Oração”: “Quem acha vive se perdendo”.

Bibi fala dos seus cinco casamentos e diz que foram todos muito bons. E, hoje, tem vontade de namorar? “Não! Seria ridículo na minha idade. Tenho minhas vaidades. Depois de uma certa idade, eu não poderia mais inspirar isso num homem. De jeito nenhum. Embora eu tenha todos os dentes, seja desbarrigada. O homem só gosta é da juventude. O amor é para gente jovem. ‘Love is young’. Fora isso, há amizade, compreensão.”

Qual é o seu maior prazer hoje? “Pão francês, se possível com manteiguinha com sal. É a única coisa de que eu gosto para valer. Quase sempre falta aqui em casa e eu dou grandes broncas, fico uma fera.”

A noite já caiu e Bibi concorda que a vista é linda. “Isso aqui é uma dádiva de Deus. É porque eu mereço.” Ficou rica com o teatro? “Não. O que me deu uma base na vida foi a televisão em São Paulo. Ganhava-se bem e tínhamos um percentual dos patrocínios. Foi assim que eu comprei a minha primeira casa, que virou essa.”

Nos anos 1960 e 1970, Bibi atuou na então TV Excelsior em São Paulo. Depois, passou por várias emissoras. É um raro caso de atriz de sucesso que nunca participou de novelas. Recusou todos os convites: “Não dá tempo para mim”. Telespectadora e noveleira, ela sente falta da música na TV. “Antigamente, as TVs tinham as suas orquestras. Dava muita categoria.”

“O teatro pode dar muito dinheiro, a mim nunca deu. Não tenho rendas, tenho que trabalhar. Mas eu gosto de trabalhar. Tenho saúde e amor para isso. Gosto de entrar no palco.”

“Não sou cantora. Sou uma atriz que afina e canta”, diz. Ali mesmo, no cantinho da sala, ela canta trechinhos de “Nossos Momentos”, de Luiz Reis e Haroldo Barbosa, e de “La Vie en Rose”, de Edith Piaf, figura que encarna há décadas.

A sua vida é cor de rosa? “É”, responde.

Planos? “Não tenho planos. Tenho agenda de trabalho. Vou fazer o espetáculo [‘Bibi – Histórias e Canções’, em cartaz no Rio] e talvez gravar um disco para crianças no Natal.”
Opiniões de Bibi
A atriz fala da presidente, de prazeres e de teatro
DILMA E ANA DE HOLlANDA (foto)
“Vieram para nos direcionar, dar bons exemplos. São duas grandes senhoras.”
LITERATURA
“Adoro P.D. James  Não é só um best-seller de suspense, é um clássico. Estou lendo ‘The Private Patient’.”
maior prazer
“Pão francês, se possível com manteiguinha com sal. É a única coisa de que eu gosto para valer.”
bebida
“Tomo um vinho uma vez ou outra, quando vou a algum lugar. E tenho obrigação de ir.”
MUSICAL
“Gostei do ‘Tim Maia’  Deixa de ser bom para ser estupendo.”
R.Serafina
27/05/2012

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