buscado no Mauro Santayana
A Presidente da República, segundo as informações da
imprensa, deverá vetar, em parte, o novo Código Florestal, aprovado pelo
Congresso Nacional. Deixando de lado as questões técnicas, que reclamam
a opinião dos especialistas, a decisão se relaciona a uma das mais
cruciais questões de nossa tempo: até quando poderemos sobreviver com o
atual modelo de sociedade industrial, baseado no consumo exacerbado de
energia e de outros recursos naturais?
Dentro de duas semanas fará 40 anos que se reuniu (de 5 a
16 de junho de 1972) , em Estocolmo, a Primeira Conferência das Nações
Unidas sobre o Homem e o Meio Ambiente. Acompanhei, para este Jornal do Brasil,
os trabalhos da reunião, recordo que a principal questão continua em
aberto, até os nossos dias, e é de natureza política. Alguns
especialistas concluíram que era necessário interromper o crescimento
industrial, a fim de preservar o ambiente natural e, assim, manter a
vida na Terra.
A tese dos países industriais, retomando as conclusões do Clube de Roma, era a do crescimento zero,
a partir de então. Ora, se esse projeto fosse adotado pelo mundo, os
paises ricos continuariam ricos, e os paises pobres se manteriam na
miséria.
A melhor intervenção – confirmada em uma entrevista coletiva a
que pude assistir – foi a da Senhora Indira Gandhi, primeira-ministra da
Índia. Ela disse, com lucidez e coragem, que se o mundo queria
sobreviver, não seria mantendo em situação infra-humana as populações
dos paises subdesenvolvidos, mas, sim, reduzindo o consumo de energia
(nele incluídas as calorias dos alimentos) dos povos ricos.
Como demonstrou, com informações estatísticas, os norte-americanos consumiam, per capita,
quase duzentas vezes mais do que os africanos, dezenas de vezes mais do
que os indianos e tantas vezes mais do que os habitantes de regiões
mais atrasadas da América Latina.
O impasse levou a Conferência de Estocolmo ao malogro, mas
provocou novos debates, sobre que providências políticas poderiam ser
tomadas, a fim de desatar esse nó górdio. As nações menos desenvolvidas
não concordavam, e continuam não concordando, com toda a razão, em
sacrificar os seus povos, privando-os do desenvolvimento e de padrões de
consumo e de saúde obtidos pela tecnologia, em favor da sobrevivência
privilegiada dos ricos.
Os ricos, com seu poder econômico e militar, não admitem
reduzir o padrão de bem-estar, baseado no consumo exagerado de energia.
Uma saída desonrada foi a do neoliberalismo, com a chamada globalização
da economia. O objetivo foi o de construir uma “governança mundial”, não
fundada na discussão e decisão de todos os povos, mediante as Nações
Unidas, mas, sim, no poderio militar e econômico dos maiores paises do
mundo, cujos governos são controlados pelas grandes corporações
industriais e financeiras internacionais. Como efeito colateral do
neoliberalismo e do governo mundial, bilhões de pessoas permaneceram
excluídas da sociedade econômica, e centenas de milhões de outras a elas
se somaram, expulsas da vida que conhecemos.
Alguns cientistas argumentam que, para estender a todos os
homens os padrões de conforto e consumo dos países ricos, dentro de
poucos anos serão necessários os recursos de dois planetas e meio. Sendo
assim, e a menos que a ciência nos ofereça saídas inimagináveis, como
usinas de montagem atômica de metais, gases e outras matérias, no volume
exigido pelo aumento da população, a vida se extinguirá. Provavelmente
na luta brutal pela conquista e exploração dos últimos recursos naturais
da Terra, entre eles a água limpa, se algum meteoro não nos conceder
rápida eutanásia universal. A outra solução está na busca de outros
padrões de vida, baseados na austeridade e na solidariedade, de maneira a
substituir o volume das coisas consumidas pela melhor qualidade da
existência.
Já no início dos anos 40, o pensador alemão Friedrich Georg
Junger, então companheiro de Marcuse e outros pensadores da Escola de
Frankfurt, publicou um dos mais instigantes ensaios do século, Die Perfektion der Technik,
para desmontar o mito da tecnologia. Junger demonstra que, no fundo, a
técnica se baseia no movimento circular que se limita em si mesmo,
apesar da aparência do avanço. A partir do relógio, instrumento
tecnológico por excelência, para medir e controlar o tempo, Junger
mostra que toda a produção técnica está fechada em círculos, em ciclos
repetitivos (as engrenagens, os discos, os motores, as turbinas). E
conclui, depois de exaustivo excurso, que a técnica não significa mais
produção e, sim, mais consumo; não alivia o trabalho humano, embora
possa reduzir o esforço físico, mas, sim o exacerba; não traz mais
liberdade e, sim, mais submissão aos opressores capitalistas.
Conter a destruição do meio-ambiente em nosso país é
necessário, daí a administração pelo Estado do avanço da agricultura
sobre a cobertura florestal. Mas é preciso, da mesma forma, reduzir a
histeria – com o perdão das mulheres - dos ecologistas, grande parte
deles, conscientes ou não, agentes dos interesses externos. Os ricos
pretendem, por outros meios, conseguir o que desejavam, no Clube de
Roma, em Estocolmo e nos demais encontros internacionais (como o que
ocorrerá no Rio, também dentro de alguns dias): conservar o seu
bem-estar à custa de nossa renúncia ao desenvolvimento, e, ao mesmo
tempo, apossar-se do que preservamos de recursos naturais – entre eles
nossos minérios raros, nosso petróleo e nossa biodiversidade.
Uma coisa é certa: a ciência e a tecnologia - quando privadas
de ética e da filosofia prática, isto é, daquilo a que chamamos política
- não serão capazes de resolver a questão. O problema é político, e só o
poder político poderá resolvê-lo.
No
exercício da política, que lhe cabe, a presidente deverá conter a ânsia
destruidora do projeto, dentro de sua possibilidade de ação
disciplinadora. Outras medidas são esperadas, na exploração racional de
nossa natureza, mas pelas nossas próprias razões – não pelo interesse
dos outros.
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