buscado no Gilson Sampaio
O
drama do Código Florestal mexe frequentemente mais com o fígado do que
com a cabeça, e vale a pena examinar alguns dados básicos. Nada melhor
do que ir à fonte primária dos dados, que têm origem essencialmente no
Censo Agropecuário do IBGE.
A superfície do
Brasil, como todos aprendemos na escola, é de cerca de 8,5 milhões de
quilômetros quadrados. Em hectares, isto representa 850 milhões. Desta
superfície total, descontando a Amazônia distante, regiões demasiado
secas do Nordeste ou alagadas do Pantanal, temos uma parte apenas em
estabelecimentos agrícolas, representando um total de 334 milhões de
hectares. Descontando as áreas paradas dos estabelecimentos agrícolas,
temos 225 milhões de hectares de terras classificadas como “em uso”.
Muito
interessante ver o que está contido neste “em uso”. Basicamente, temos,
como atividade relativamente intensiva, a lavoura temporária, que ocupa
48 milhões de hectares, e a lavoura permanente que ocupa 12 milhões.
Incluindo matas plantadas, que ocupam 5 milhões, temos um total de 65
milhões de hectares dedicados à lavoura, sobre um uso total de 225
milhões. O que acontece com os 160 milhões restantes? Trata-se de pasto,
natural ou melhorado, mas consistindo essencialmente no que se chama de
pecuária extensiva. Ocupa 71% do solo agrícola em uso. Quase duas vezes
e meio a superfície da França.
A tabela abaixo mostra as proporções de uso do solo nas últimas décadas [1].
No
documento do Censo Agropecuário de 2006, publicado em 2009, encontramos
os dados complementares seguintes [2]. Primeiro, a pecuária ocupa o
solo de maneira pouco produtiva ao extremo: “A taxa de lotação em 1996
era de 0,86 animais/ha e foi de 1,08 animais/ha em 2006”. (p.8) Disto
resulta que a atividade que ocupa 71% do solo em uso do país participe
com apenas 10% do valor da produção agropecuária. (p.2) Trata-se de uma
gigantesca subutilização do solo agrícola já desmatado.
O
Censo também mostra que, entre 1996 e 2006, “houve uma redução de 12,1
milhões de hectares (-11%) nas áreas com matas e florestas contidas em
estabelecimentos agropecuários“ (p.2). É interessante cruzar este
desmatamento com o fato que “os maiores aumentos dos efetivos bovinos
entre os censos foram nas Regiões Norte (81,4%) e Centro-Oeste (13,3%).
As
reduções do número de estabelecimentos com bovinos e dos rebanhos do
Sul e do Sudeste mostram que a bovinocultura deslocou-se do Sul para o
Norte do país, destacando-se, no período, o crescimento dos rebanhos do
Pará, Rondônia, Acre e Mato Grosso. Nestes três estados da região Norte,
o rebanho mais que dobrou, enquanto que em Mato Grosso o aumento foi de
37,2%” (p.8).
A pecuária extensiva emprega
muito pouco. Em 2006, foram recenseados 17 milhões pessoas ocupadas em
estabelecimentos agropecuários, 19% do total (p.9). São os pequenos
estabelecimentos que geram mais empregos: “Embora a soma de suas áreas
represente apenas 30% do total, os pequenos estabelecimentos (área
inferior a 200 ha) responderam por 84,36% das pessoas ocupadas em
estabelecimentos agropecuários. Mesmo que cada um deles gere poucos
postos de trabalho, os pequenos estabelecimentos utilizam 12,6 vezes
mais trabalhadores por hectare que os médios (área entre 200 e 2000 ha) e
45,6 vezes mais que os grandes estabelecimentos (área superior a 2.000
ha)” (p.10)
Outro ponto importante, a
concentração do controle da terra continua absurda: “Os resultados do
Censo Agropecuário 2006 mostram que a estrutura agrária brasileira,
caracterizada pela concentração de terras em grandes propriedades
rurais, não se alterou nos últimos 20 anos”. (p. 3). Basicamente, 50 mil
estabelecimentos com mais de 1.000 hectares — ou seja, 1% do total de
estabelecimentos – concentram 43% da área (146,6 milhões de hectares).
São os que mais subutilizam a terra. E como os grandes empregam pouco,
gera-se a pressão sobre as cidades. A questão do uso do solo e a
contenção do desmatamento fazem parte do mesmo problema da racionalidade
do uso dos nossos recursos naturais e da estabilidade dos trabalhadores
da terra. Tem a ver com todos nós, e não apenas com ruralistas.
As
conclusões são relativamente óbvias. Dada a imensa subutilização das
terras já desmatadas, é simplesmente absurdo exigir mais desmatamento. O
desmatamento está se dando em áreas vulneráveis (a maior expansão da
pecuária está nas bordas da Amazônia), e mantém o ciclo destrutivo. O
ciclo agrícola deve conjugar os objetivos de produção, emprego e
preservação do capital-solo e dos recursos naturais. Claramente, o
caminho é o da intensificação tecnológica, capacitação e apoio ao
pequeno e médio agricultor, levando a um aproveitamento melhor e mais
limpo do solo agrícola já usado; e apropriação maior de terras já
desmatadas e subutilizadas pela pecuária extensiva.
Os
dados do Censo mostram elevado nível de analfabetismo. Mais de 80% dos
produtores rurais têm baixa escolaridade. Mais da metade dos
estabelecimentos onde houve utilização de agrotóxicos não recebeu
orientação técnica (pp 1 e 4). Não é de mais química e de mais
desmatamento que a agricultura precisa, e sim de um salto formação, de
eficiência tecnológica, social e ambiental. Temos os conhecimentos e
recursos necessários. É um novo século. Produzir não é apenas expandir, é
melhorar. Meio ambiente não é entrave, é oportunidade para um novo
ciclo. E francamente, quando os grandes do agronegócio se colocam em
defesa do pequeno, devemos olhar melhor os argumentos.
* Ladislau Dowbor é professor titular da PUC de São Paulo, e consultor de várias agências das Nações Unidas. Os seus textos estão disponíveis em http://dowbor.org
NOTAS
[1] IBGE – Indicadores de Desenvolvimento sustentável 2010, p.65 - http://bit.ly/JGrG4e
[2] IBGE, Censo Agro 2006: IBGE Revela retrato do Brasil Agrário
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